Apego e seu impacto no desenvolvimento da criança: comentários sobre van IJzendoorn, Grossmann e Grossmann, e Hennighausen e Karlen Lyons-Ruth


Institude of Infant and Early Childhood Mental Health, Tulane University Health Sciences Center, EUA
(Inglês). Tradução: julho 2011

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Introdução

Mais de 50 anos atrás, um psiquiatra infantil inglês, chamado John Bowlby, foi comissionado pela Organização Mundial da Saúde para escrever uma monografia sobre as necessidades de crianças pequenas quanto à saúde mental. A conclusão de Bowlby foi que “acredita-se que o que é essencial para a saúde mental é que o bebê e a criança pequena vivenciem uma relação calorosa, íntima e contínua com sua mãe (ou mãe substituta – ou mãe substituta permanente – uma pessoa que cuide regularmente da criança), na qual ambas encontrem satisfação e prazer”.1 Grossmann e Grossmann, van Ijzendoorn, e Hennighausen e Lyons Ruth reveem o status atual de mais de 35 anos de pesquisas que reafirmaram, refinaram e ampliaram a tese central de Bowlby. Neste comentário, revemos as interpretações dos autores sobre pesquisas e implicações para políticas, e destacamos mais algumas áreas de ênfase.

Pesquisas e conclusões 

As seções sobre o apego e seu impacto reveem diversas questões e conclusões sobre o desenvolvimento infantil:

 

  1. As diferenças individuais na organização do comportamento de apego que crianças pequenas dirigem ao cuidador revelaram-se preditores razoavelmente sólidos da adaptação psicossocial posterior da criança. Uma questão importante que tem sido foco de atenção empírica e de debate é até que ponto as diferenças individuais em apego são atributos da criança ou, ao contrário, são atributos da relação da criança com um cuidador específico. van Ijzendoorn conclui que as diferenças na segurança do apego são explicadas mais pelo “ambiente” do que pela “natureza”. Sua hipótese é substanciada pelas pesquisas citadas, e é sustentada também por evidências recorrentes de que uma criança pode receber classificações diferentes quanto ao apego com diferentes cuidadores.
  2. Se os padrões de apego refletem características das relações mais do que traços da criança, é possível esperar que características da interação diádica estejam associadas a padrões de apego. As pesquisas citadas por van IJzendoorn dão apoio a um papel causal da sensibilidade parental no desenvolvimento da segurança do apego, embora outras pesquisas, em número muito menor, tenham abordado os padrões interativos que precedem o apego evitativo e o apego ambivalente. As pesquisas revisadas por Hennighausen e Lyons-Ruth demonstraram também que certos comportamentos parentais, tais como retraimento, respostas negativas-intrusivas, respostas confusas quanto a papéis, respostas desorientadas, comportamentos de medo ou ameaçadores e erros de comunicação afetiva, que incluem respostas contraditórias aos sinais do bebê, tendem a ser mais evidentes no contexto de certos tipos de psicopatologia parental, e ficou evidente sua associação com apego desorganizado.3,4    
  3. Um princípio central da teoria do apego é que as experiências iniciais entre a criança pequena e seus cuidadores oferecem um modelo para relações íntimas na vida futura. Embora se acredite que esse modelo possa ser modificado por experiências subsequentes, a teoria propôs uma tendência conservadora de resistência à mudança. Essas proposições sugerem que, em um ambiente estável de cuidados, se esperaria encontrar padrões estáveis de apego, mas em ambientes caracterizados por mudanças significativas se esperaria encontrar menos estabilidade. De maneira geral, essas asserções são confirmadas pela pesquisa, embora resultados de quatro estudos longitudinais sobre o apego, da infância à idade adulta, não apóiem uma relação linear,5-8 uma vez que esses estudos não demonstram de maneira uniforme estabilidade das classificações de apego entre a infância e a vida adulta. No entanto, dão sustentação a uma relação entre eventos de vida e mudanças nas classificações de apego. No trabalho dos Grossmann, ficou constatado que estresses e eventos de vida negativos também comprometem a segurança do apego. Indivíduos cujas classificações de apego mudaram de seguro, na infância, para inseguro, na fase adulta, têm maior probabilidade de ter vivido eventos de vida negativos (tais como divórcio); e crianças que evidenciam apego inseguro na infância apresentam maior tendência a permanecer inseguras caso tenham passado por experiências negativas. Os estudos realizados e revisados por Grossmann e Grossmann (neste volume) ajudaram a iluminar algumas das complexidades das trajetórias de desenvolvimento. 
  4. Hennighausen e Lyons-Ruth enfatizam acertadamente a importância do apego desorganizado como componente do estudo da psicopatologia infantil. Embora a distinção entre apego seguro e inseguro tenha alguma validade preditiva, o apego desorganizado comprovou vínculos com tipos específicos de psicopatologias muito mais bem-documentados do que outros tipos de insegurança.4-9 Ainda assim, há muito menos compreensão sobre os mecanismos pelos quais o apego desorganizado afeta a expressão de psicopatologia na criança, e se é um fator específico ou um indicador mais geral para psicopatologia em geral. Um ponto particularmente importante é a ênfase de Hennighausen e Lyons-Ruth no fato de que intervenções com famílias com maior risco de ter filhos com apego desorganizado mostraram-se promissoras quando são realizadas em casa, intensivas e duradouras.

 

Outras questões

O que falta a essas contribuições é uma consideração sobre o apego em populações mais extremas, tais como crianças maltratadas ou que sofrem privações graves na primeira infância. Ao contrário da perspectiva de desenvolvimento que considera a qualidade do apego da criança pequena com o cuidador como um fator de risco ou de proteção para o desenvolvimento de psicopatologia, a tradição clínica considera que os apegos podem ser tão perturbados que já constituem um distúrbio estabelecido. O distúrbio de apego reativo (DAR) descreve uma constelação de comportamentos de apego aberrantes e de outras anomalias comportamentais sociais que se acredita sejam conseqüências de “cuidado patogênico”.10 Foram descritos dois padrões clínicos:

(a) Um padrão de retraimento/inibição emocional, no qual a criança exibe pouca ou nenhuma iniciativa ou resposta nas interações sociais com os cuidadores, e uma diversidade de comportamentos sociais aberrantes, tais como reações inibidas, hiper-vigilantes ou altamente ambivalentes; e (b) um padrão indiscriminadamente social/desinibido, no qual a criança exibe falta da seletividade esperada na busca por consolo, apoio e cuidado, ausência de discrição social em relação a adultos não familiares e a disposição de “ir com” estranhos.

Embora o estudo sistemático de distúrbios de apego seja bastante recente, esses distúrbios já têm sido descritos há mais de meio século. A partir de um conjunto volumoso de estudos recentes, parece evidente que os sinais de desordens do apego são raros ou não existentes em amostras de baixo risco,11-13 aumentam em amostras de alto risco,14,15 e são facilmente identificáveis em amostras sujeitas a maus tratos16 e em crianças que vivem em instituições.12,13 Curiosamente, o tipo de DAR emocionalmente retraído/inibido é facilmente evidente em crianças pequenas que vivem em instituições e quando são colocadas pela primeira vez sob cuidado substituto devido a maus tratos, mas raramente aparece em amostras de crianças adotadas fora de instituições.11,17  Em contraste, o tipo de DAR indiscriminadamente social/desinibido é identificável em crianças maltratadas,16 naquelas que vivem em instituições12,13,18 e naquelas que saíram de instituições.11,13,17,19-20

Está evidente que é necessário compreender de que forma se interrelacionam as perspectivas clínica e a de desenvolvimento sobre o apego. Até o momento, a pesquisa não tem sustentado algumas sugestões iniciais de que apegos seguros, inseguros, desorganizados ou distúrbios de apego poderiam ser dispostos em um espectro de adaptação de saudável a não saudável,21 ou de que o próprio apego desorganizado deveria ser considerado um distúrbio de apego. Ao contrário, o quadro que começa a emergir é que a perspectiva clínica e a de desenvolvimento oferecem formas diferentes de compreender os distúrbios do apego.    

Implicações para políticas e serviços

A propensão dos bebês humanos a desenvolver uma relação de apego com seus cuidadores e a dos cuidadores a cuidar de bebês humanos parece fortemente consolidada. Assim, os distúrbios do apego tornaram-se evidentes quando diversos fatores dos pais, da criança ou dos contextos mais amplos de cuidado interferem com a capacidade de desenvolver apegos que é típica da espécie.

As três contribuições descrevem implicações para políticas. van IJzendoorn enfatiza que devem ser desenvolvidas políticas para promover a sensibilidade parental no período da primeira infância. Grossmann e Grossmann enfatizam ainda mais a importância da relação de apego pais-filho em crianças mais velhas e em adolescentes; por implicação, as intervenções com famílias não devem apenas focalizar o período da primeira infância, mas devem visar o provimento de apoio e assistência durante todo o desenvolvimento da criança. Por fim, Hennighausen e Lyons-Ruth enfatizam acertadamente que a intervenção precoce com bebês e crianças pequenas que apresentam apego desorganizado possivelmente reduzirá a necessidade de intervenções mais onerosas após o surgimento de uma psicopatologia.

Sem dúvida, todos os autores concordariam que já sabemos o suficiente para identificar crianças com risco de distúrbios do apego e de psicopatologias associadas. Apesar disso, intervenções preventivas, talvez até mesmo antes do nascimento da criança, têm enorme potencial de modificar as trajetórias comportamentais e de desenvolvimento que podem se apresentar aos filhos de famílias em situação de múltiplos riscos. Os autores afirmam ainda que políticas e práticas devem focalizar a identificação precoce de dificuldades na relação entre pais e filhos, na esperança de oferecer serviços que possam reduzir o risco de desenvolvimento de psicopatologia posterior.

As políticas devem identificar meios para que as famílias possam ter acesso à assistência psicológica e relativa ao cuidado parental no decorrer da vida de seus filhos. Provedores de cuidados primários de saúde e profissionais que atuam na área de cuidados infantis são dois grupos que têm contato com a maioria das famílias de crianças e adolescentes. Ainda está em discussão a maneira pela qual esses profissionais podem melhor atender às necessidades dos pais, e quais seriam as intervenções mais benéficas para a promoção de sensibilidade parental e do apego infantil. Uma meta-análise recente sobre intervenções na primeira infância verificou que intervenções breves (menos de cinco sessões) focalizadas na promoção da sensibilidade materna e da segurança do apego da criança foram mais eficazes do que intervenções de longo prazo.23 Em contraste, Hennighausen e Lyons-Ruth evidenciam que apegos desorganizados respondem melhor a intervenções realizadas em casa, intensivas e de longo prazo. Em outras palavras, da perspectiva de promoção da saúde (promoção de apegos seguros), talvez sejam preferíveis intervenções mais curtas e mais focalizadas; mas da perpectiva de redução de risco (redução do apego desorganizado), podem ser necessárias intervenções mais longas e mais intensivas. Restam os desafios de demonstrar abordagens válidas para a identificação de diferentes níveis de risco nas famílias, e operar intervenções com boa relação custo-benefício, para otimizar os resultados comportamentais e de desenvolvimento de crianças pequenas.

Referências

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  2. Howes C. Attachment relationships in the context of multiple caregivers. In: Cassidy J, Shaver PR, eds. Handbook of attachment: Theory, research, and clinical applications. New York, NY: Guilford Press; 1999:671-687.
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  22. van IJzendoorn MH, Bakersmans-Kranenburg MJ. Disorganized attachment and the dysregulation of negative emotions. In: Zuckerman B, Lieberman A, Fox N, eds. Socioemotional regulation: Dimensions, developmental trends and influences. New York, NY: Johnson & Johnson Pediatric Institute; 2002:159-180.
  23. Bakersmans-Kranenburg MJ, van IJzendoorn MH, Juffer F. Less is more : Meta-analyses of sensitivity and attachment interventions in early childhood. Psychological Bulletin 2003;129(2):195-215.

Para citar este artigo:

Zeanah CH, Shah P. Apego e seu impacto no desenvolvimento da criança: comentários sobre van IJzendoorn, Grossmann e Grossmann, e Hennighausen e Karlen Lyons-Ruth . Em: Tremblay RE, Boivin M, Peters RDeV, eds. van IJzendoorn MH, ed. tema. Enciclopédia sobre o Desenvolvimento na Primeira Infância [on-line]. https://www.enciclopedia-crianca.com/apego/segundo-especialistas/apego-e-seu-impacto-no-desenvolvimento-da-crianca-comentarios-sobre-van. Publicado: Julho 2005 (Inglês). Consultado em 23 de abril de 2024.

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