Eficácia de intervenções baseadas no apego


University of Toronto, The Hospital for Sick Children, Canadá
, Ed. rev. (Inglês). Tradução: julho 2011

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Introdução

Há evidências crescentes, propectivas e retrospectivas, associando a qualidade das relações iniciais de apego entre bebê e cuidador a resultados sociais e emocionais posteriores.1,2 Foram descritos quatro tipos de apego infantil. Acredita-se que o apego seguro bebê-cuidador se desenvolve quando o cuidador responde com sensibilidade às aflições da criança. O apego bebê-cuidador inseguro-evitativo resulta, presumivelmente, de respostas de rejeição dadas consistentemente pelo cuidador às aflições da criança. O apego bebê-cuidador inseguro-ambivalente é atribuído a respostas inconsistentes e imprevisíveis do cuidador às aflições da criança. O apego inseguro-desorganizado entre bebê e cuidador evidentemente se desenvolve quando o cuidador apresenta comportamentos anômalos e, em última instância, amedrontadores na presença da criança. Entre os quatro padrões de apego bebê-cuidador (seguro, evitativo, ambivalente, desorganizado), a classificação “desorganizado” foi identificada como um risco poderoso de desajustamento socioemocional e psicopatologia em etapas posteriores.2,3

Do que se trata

Foi demonstrado que crianças que têm apego desorganizado com sua figura primária de apego são vulneráveis ao estresse, têm problemas com a regulação e o controle de emoções negativas, e exibem comportamentos de oposição, hostilidade e agressão, e estilos coercivos de interação.2,3 Podem apresentar baixa auto-estima, problemas de internalização e externalização na idade escolar, pouca interação com pares de idade, comportamento incomum ou bizarro na sala de aula, taxas altas de comportamento dissociativo e sintomas de internalização na infância intermediária – segundo a avaliação de professores –, níveis elevados de dificuldades sociais e comportamentais na sala de aula – segundo a avaliação de professores –, baixo desempenho em matemática e capacidade prejudicada para operações formais.3 O apego desorganizado com uma figura primária de apego aparece super-representado em grupos de crianças com problemas clínicos e naquelas que são vítimas de maus-tratos.1,2,3 A maioria das crianças que têm apego desorganizado com sua figura primária de apego na primeira infância continuará a desenvolver desajustamentos e psicopatologias sociais e emocionais significativos.3,4 Assim, uma intervenção baseada no apego deve focalizar a prevenção e/ou a redução do apego desorganizado. 

Problemas e contexto de pesquisa

Historicamente, a maioria das intervenções baseadas no apego focalizou a melhoria da sensibilidade do cuidador (que pode ser definida como a capacidade de perceber acuradamente pistas e sinais, e responder de forma rápida e adequada), com base na suposição de que isso promoveria o apego seguro criança-cuidador, o que, por sua vez, estaria ligado a resultados sociais e emocionais positivos. Em grande parte, as tentativas de melhorar a sensibilidade do cuidador foram realizadas tomando como foco as representações e/ou o comportamento do cuidador durante interações com seus filhos.5 No entanto, embora a sensibilidade do cuidador esteja associada aos tipos de apego organizado (seguro, evitativo, ambivalente), talvez não esteja tão fortemente associada ao apego desorganizado.6 Assim, é possível que, até este momento, intervenções baseadas no apego que focalizam as interações criança-cuidador não tenham se centrado nos comportamentos do cuidador que são mais significativos, do ponto de vista clínico, para a prevenção ou a redução do apego desorganizado. Isto pode refletir o fato de que, além da descoberta ainda recente de que o apego desorganizado frequentemente está associado a resultados marcadamente negativos, foi apenas há pouco tempo que os pesquisadores desvelaram uma possível trajetória interacional criança-cuidador para o apego desorganizado. Essa trajetória inclui a exposição da criança a formas específicas de comportamentos de cuidado aberrantes, que são referidos como “atípicos” ou amedrontadores, dissociados, desorientados (os quais, por critérios defensáveis, podem ser considerados distintos de sensibilidade ou de formas extremas de insensibilidade, em termos qualitativos),7 e que podem explicar alguns dos desenlaces mais negativos para as crianças. Exemplos de comportamento atípico do cuidador incluem não conseguir manter a criança em segurança, não conseguir reconfortar uma criança aflita, rir quando a criança está aflita, ridicularizar ou provocar uma criança aflita, solicitar atenção e reasseguramento por parte da criança, imobilização ou apatia (isto é, ausência de movimentos ou expressões faciais durante períodos extensos, como se observa em alguns estados de dissociação), ou ameaçar ferir a criança. Portanto, no estado atual de conhecimentos, pode-se argumentar que uma intervenção baseada no apego que toma como alvo o comportamento do cuidador deve focalizar tanto a melhoria da sensibilidade do cuidador (para promover apego seguro e os resultados socioemocionais positivos decorrentes) quanto a redução e/ou eliminação de comportamentos atípicos do cuidador, que são reconhecidos precursores de apego desorganizado7 (para prevenir ou reduzir o apego desorganizado e os resultados negativos decorrentes).

Principais questões de pesquisa e resultados recentes 

Há boas evidências a respeito de maneiras de melhorar a sensibilidade do cuidador e promover o apego seguro criança-cuidador. Em uma meta-análise de 70 estudos publicados (incluindo 9.957 crianças e pais, e um conjunto essencial de 51 estudos controlados e randomizados com 6.282 mães e filhos), Bakermans-Kranenburg, IJzendoorn e Juffer8 demonstraram que as intervenções baseadas no apego mais eficazes para melhorar a sensibilidade parental (d = 0,33, p < 0,0001) e promover apego seguro criança-cuidador (d = 0,20, p < 0,001) incluíram as seguintes características: (1) foco claro e exclusivo no treinamento comportamental de sensibilidade parental, em vez de foco em sensibilidade mais apoio, ou em sensibilidade, mais apoio, mais representações internas (por exemplo, terapia individual); (2) utilização de feedback por vídeo; (3) menos de cinco sessões (menos de cinco sessões foram tão eficazes quanto de cinco a 16 sessões; e 16 sessões ou mais foi o procedimento menos eficaz); (4) início mais tardio, isto é, depois dos 6 meses de idade da criança, ou mais, em vez de antes do parto ou dos 6 meses de idade; e (5) conduzidas por não profissionais. Além disso, o local da intervenção (em casa ou no consultório) e a presença de múltiplos fatores de risco não afetaram a eficácia, mas intervenções realizadas com pacientes/clientes encaminhados para atendimento clínico e aquelas que incluíram o pai foram mais eficazes do que as que não apresentavam essas características. Uma deficiência da meta-análise de Bakermans-Kranenburg et al.8 é não ter investigado se intervenções baseadas no apego e focalizadas na sensibilidade do cuidados têm impacto significativo na prevenção do apego desorganizado. 

Para abordar essa questão, Bakermans-Kranenburg, van IJzendoorn e Juffer6 examinaram 15 estudos (n = 842) da meta-análise original de 2003 que continham informações sobre o impacto de intervenções baseadas no apego na prevenção da emergência de apego desorganizado. Em conjunto, as intervenções focalizadas na melhoria da sensibilidade dos cuidados têm eficácia limitada (d = 0,05, não significativo) para a prevenção ou a redução do apego desorganizado. No entanto, aparentemente algumas intervenções com esse foco tiveram algum impacto, sugerindo que o apego desorganizado poderia mudar como efeito colateral de algumas intervenções com foco em sensibilidade. As intervenções desse tipo que mudaram o apego desorganizado foram iniciadas depois dos 6 meses de idade (e não durante a gravidez ou nos primeiros seis meses de vida), focalizaram crianças em situação de risco (e não pais em situação de risco) e foram conduzidas por profissionais. Os autores concluíram que intervenções para a prevenção ou a redução de apego desorganizado podem precisar focalizar especificamente os comportamentos do cuidador associados ao apego desorganizado, tais como comportamentos atípicos. Em dois estudos recentes, Benoit et al.9,10 demonstraram que uma intervenção breve e focal de capacitação comportamental dos pais pode reduzir comportamentos atípicos de cuidado. 

Conclusões

Em síntese, até o momento, as intervenções baseadas no apego focalizaram principalmente os precursores dos tipos organizados de apego, mais do que os precursores do apego desorganizado, o que reflete o fato de que só recentemente foi identificada a extensão das sequelas negativas e os precursores de apegos desorganizados criança-cuidador. Tendo em vista a alta taxa básica de apego organizado, mas inseguro (evitativo ou ambivalente), na população geral, talvez não seja um encaminhamento realista, ou mesmo necessário, focalizar as intervenções na prevenção ou na eliminação desses tipos de apego, a menos que a criança seja sintomática. Por outro lado, uma grande proporção de crianças que desenvolvem apego inseguro-desorganizado com seus cuidadores primários segue desenvolvendo desajustamentos sociais e emocionais significativos e psicopatologia. Portanto, clinicamente, o apego inseguro-desorganizado parece ser o tipo mais significativo de apego que requer intervenção. O foco direto em antecedentes do apego desorganizado, tais como comportamentos atípicos do cuidador, representam uma direção promissora para pesquisas futuras.

Implicações

Os achados de pesquisa sugerem que intervenções baseadas no apego devem focalizar a melhoria da sensibilidade do cuidador, para promover apegos seguros criança-cuidador e os resultados sociais e emocionais positivos associados ao apego seguro. No entanto, o foco exclusivo na melhoria da sensibilidade do cuidador talvez não seja suficiente nem eficaz para a prevenção ou a redução do tipo clinicamente mais relevante de apego inseguro – ou seja, o apego desorganizado. Achados de pesquisas recentes sugerem que o foco na redução de comportamentos atípicos do cuidador pode ser uma direção promissora para reduzir o apego desorganizado cuidador-criança. São necessárias mais pesquisas para determinar se uma redução dos fatores associados ao apego desorganizado – tais como comportamentos atípicos por parte do cuidador – de fato tem relação com uma redução do apego desorganizado e dos resultados socioemocionais negativos para a criança que são associados a essa forma de apego. Mais pesquisas são necessárias também para determinar quais são as técnicas de intervenção mais eficazes para a redução de comportamentos atípicos do cuidador (ou outros precursores do apego desorganizado criança-cuidador) e do apego desorganizado criança-cuidador. É importante considerar que, quando se lida com os problemas da relação de apego criança-cuidador, as meta-análises recentes5,8 mostram que, até este momento, as melhores intervenções são breves, utilizam feedback por vídeo, começam depois que a criança completou 6 meses de idade, e têm um foco claro e exclusivo na capacitação comportamental dos pais, e não em sensibilidade mais apoio, ou sensibilidade, mais apoio, mais representações internas. No entanto, outros pesquisadores enfatizam a necessidade de intervenções realizadas em casa, intensivas e de longo prazo para algumas famílias mais perturbadas e disfuncionais.4 É evidente a necessidade de mais pesquisas para identificar as características de intervenções baseadas no apego que melhor atendem às necessidades de famílias específicas. É necessário também capacitar os provedores de serviços na utilização de técnicas baseadas no apego e já testadas, e na identificação do apego desorganizado e de seus precursores.

Referências

  1. Benoit D. Infant-parent attachment: Definition, types, antecedents, measurement and outcome. Paediatrics & Child Health 2004;9(8):541-545.
  2. van IJzendoorn MH, Schuengel C, Bakermans-Kranenburg MJ. Disorganized attachment in early childhood: Meta-analysis of precursors, concomitants, and sequelae. Development and Psychopathology 1999;11(2):225-249.
  3. Green J, Goldwyn R. Annotation: Attachment disorganisation and psychopathology: new findings in attachment research and their potential implications for developmental psychopathology in childhood. Journal of Child Psychology & Psychiatry & Allied Disciplines 2002;43(7):835-846.
  4. Hennighausen K, Lyons-Ruth K. Disorganization of attachment strategies in infancy and childhood. Rev ed. In: Tremblay RE, Barr RG, Peters RDeV, eds. Encyclopedia on Early Childhood Development [online]. Montreal, Quebec: Centre of Excellence for Early Childhood Development; 2007:1-7. Available at: http://www.child-encyclopedia.com/documents/Hennighausen-LyonsRuthANGxp… . Accessed July  14, 2011. 
  5. Egeland B. Attachment-based intervention and prevention programs for young children. In: Tremblay RE, Barr RG, Peters RDeV, eds. Encyclopedia on Early Childhood Development [online]. Montreal, Quebec: Centre of Excellence for Early Childhood Development; 2004:1-7. Available at: http://www.child-encyclopedia.com/documents/EgelandANGxp.pdf. Accessed July  14, 2011.
  6. Bakermans-Kranenburg MJ, van IJzendoorn MH, Juffer F. Disorganized infant attachment and preventive interventions: A review and meta-analysis. Infant Mental Health Journal 2005;26(3):191-216.
  7. Madigan S, Bakermans-Kranenburg MJ, van IJzendoorn MH, Moran G, Pederson DR, Benoit D. Unresolved states of mind, anomalous parental behavior and disorganized attachment: A review and meta-analysis of a transmission gap. Attachment & Human Development 2006;8(2):89-111. 
  8. Bakermans-Kranenburg MJ, van IJzendoorn MH, Juffer F. Less is more: Meta-analysis of sensitivity and attachment interventions in early childhood. Psychological Bulletin 2003;129(2):195-215. 
  9. Benoit D, Madigan S, Lecce S, Shea B, Goldberg S. Atypical maternal behavior toward feeding-disordered infants before and after intervention. Infant Mental Health Journal 2001;22(6):611-626.
  10. Madigan S, Hawkins E, Goldberg S, Benoit, D. Reduction of disrupted caregiver behavior using Modified Interaction Guidance. Infant Mental Health Journal 2006;27(5): 509-527.

Para citar este artigo:

Benoit D. Eficácia de intervenções baseadas no apego. Em: Tremblay RE, Boivin M, Peters RDeV, eds. van IJzendoorn MH, ed. tema. Enciclopédia sobre o Desenvolvimento na Primeira Infância [on-line]. https://www.enciclopedia-crianca.com/apego/segundo-especialistas/eficacia-de-intervencoes-baseadas-no-apego. Atualizada: Outubro 2009 (Inglês). Consultado em 28 de março de 2024.

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