O impacto de intervenções baseadas no apego sobre a qualidade do apego em bebês e crianças pequenas


University of Delaware, EUA
, Ed. rev. (Inglês). Tradução: julho 2011

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Introdução 

Uma tarefa-chave para bebês e crianças mais próximas do final do primeiro ano, biologicamente alicerçada, é desenvolver relações de apego com seus cuidadores. A qualidade do apego que as crianças desenvolvem parece ser muito dependente da disponibilidade dos cuidadores.1 Se os cuidadores são responsivos, as crianças tendem a desenvolver apegos seguros, procurando diretamente os cuidadores quando estão aflitas. Se os cuidadores rejeitam os pedidos de reasseguramento das crianças, estas tendem a desenvolver apegos evitativos, afastando-se dos cuidadores quando estão aflitas. Se os cuidadores são inconsistentes em termos de disponibilidade, as crianças tendem a desenvolver apegos ambivalentes, que apresentam uma mistura de busca por proximidade e de resistência. Embora possa ser ótimo que as crianças de nossa sociedade desenvolvam apegos seguros,2-6 cada um desses três tipos pode ser considerado como bem ajustado à disponibilidade dos cuidadores. No entanto, quando os cuidadores provocam medo, as crianças têm dificuldade de desenvolver apegos organizados e, em vez disso, desenvolvem apegos desorganizados, o que as priva de uma estratégia consistente para lidar com suas aflições. A qualidade do apego tem sido associada a problemas comportamentais posteriores, sendo que o apego desorganizado é particularmente preditivo de sintomas dissociativos (por exemplo, parecer avoado, “fora do ar” etc.),7 e de problemas de internalização e externalização.6,8-10 Numerosos programas de prevenção e intervenção têm sido desenvolvidos visando melhorar a qualidade do apego infantil. 

Do que se trata

O preditor mais potente do apego infantil é o estado mental dos pais em relação ao apego.11 Estado mental refere-se à maneira pela qual os adultos processam as ideias, os sentimentos e as lembranças referentes ao apego. Quando os pais são coerentes ao discutir suas próprias experiências de apego, diz-se que têm “estados mentais autônomos” 

em relação ao apego. Quando não são coerentes nessa discussão, diz-se que têm “estados mentais não autônomos” em relação ao apego. Pais com estados de espírito autônomos têm maior probabilidade de ter bebês com apego seguro, ao passo que pais com estados mentais não autônomos tendem a ter bebês com apegos inseguros. Dadas essas associações entre estado mental dos pais e apego infantil, algumas intervenções12-15 centram-se no estado mental dos pais como forma de modificar o apego do bebê.

Outras intervenções16-18 tentam modificar os comportamentos dos pais sem focalizar seu estado mental. Em particular, diversas intervenções tentaram promover a sensibilidade do cuidador. Esse aspecto não tem sido associado tão estreitamente à qualidade do apego quanto ao estado mental,11 mas a sensibilidade parece ser o mecanismo mais provável por meio do qual as qualidades do cuidado são transmitidas às crianças. 

Problemas

Os programas que têm em comum o objetivo de melhorar o apego podem diferir em termos de foco, de estratégia de intervenção e de população-alvo. Embora o objetivo geral possa ser a melhoria da qualidade do apego, outros objetivos de melhoria de qualidade de vida, de aumento das habilidades de vida e de redução da sintomatologia podem diferir, dependendo da intervenção e da população atendida, bem como do grau de fidelidade ao modelo de tratamento. Não há concordância em meio aos especialistas da área quanto à natureza das necessidades a serem atendidas. Por exemplo, alguns13 sugerem que intervenções intensivas iniciadas antes do nascimento são essenciais, ao passo que outros19 sugerem que são necessárias intervenções focais e de curto prazo. A avaliação do processo de tratamento e da fidelidade ao tratamento é essencial para conhecer o que está sendo oferecido em uma intervenção. Por exemplo, Korfmacher et al.20 descobriram que sua intervenção, que visava modificar o estado mental dos pais, raramente envolvia os pais em atividades orientadas para o insight.

Contexto de pesquisa

Em 2003, uma meta-análise relatada por Bakermans-Kranenburg, van IJzendoorn e Juffer19 encontrou 29 estudos que incluíam a segurança do apego como resultado. Entre eles, 23 eram estudos clínicos randomizados, com um total de 1.255 participantes. A natureza das intervenções e as populações atendidas diferiam muito entre os estudos. Mesmo assim, os resultados da meta-análise permitem uma avaliação da importância de fatores como população e intensidade da intervenção. Na maioria dos estudos, a qualidade do apego foi avaliada na Situação Estranha, embora em algumas das investigações tenha sido utilizado Attachment Q-set.a

Principais questões de pesquisa

As principais questões de pesquisa incluem:

  • Programas de intervenção ou prevenção melhoram a qualidade do apego das crianças em relação a seus cuidadores?
  • Quais são as características das intervenções bem-sucedidas?
  • Para quem as intervenções são mais bem-sucedidas?
  • Qual é o processo pelo qual os programas de intervenção funcionam?

Resultados recentes de pesquisa

Verificou-se que intervenções que focalizam a sensibilidade são mais eficazes na melhoria da segurança do apego do que aquelas que focalizam outros aspectos (tais como estado mental dos pais).19 Por diversos motivos, faz sentido focalizar diretamente o comportamento  dos pais, ao invés de características subjacentes. Em primeiro lugar, estado mental e outras características dos pais não são tão suscetíveis de mudança quanto os comportamentos dos pais. Em segundo lugar, presumivelmente é o comportamento dos pais que afeta diretamente as expectativas da criança sobre a disponibilidade dos cuidados parentais. 

Intervenções iniciadas depois dos seis primeiros meses de vida da criança foram mais eficazes do que aquelas iniciadas mais cedo.19 Embora isto ainda seja uma especulação, é possível que as intervenções sejam mais eficientes e eficazes depois que as crianças começam a exibir o apego a cuidadores específicos. 

Em sua maioria, os efeitos de intervenções não se mostraram significativamente diferentes para diferentes tipos de populações. Por exemplo, os efeitos de intervenções são em geral comparáveis entre status de risco e status socioeconômico. Entretanto, amostras com níveis mais altos de insegurança apresentaram os efeitos mais significativos. 

Conclusões

  1. Intervenções são eficazes na melhoria da qualidade do apego infantil.
  2. Intervenções que focalizam aspectos específicos, especialmente a sensibilidade parental, parecem ser mais eficazes do que intervenções que têm objetivos mais globais.
  3. Intervenções breves são pelo menos tão eficazes quando as de maior duração.
  4. Intervenções que têm início quando a qualidade do apego começou a se manifestar (depois dos seis meses de vida) parecem ser mais eficazes do que aquelas iniciadas mais cedo.

Implicações

Atualmente, evidências de pesquisas favorecem intervenções breves e altamente focais para melhorar a qualidade do apego em crianças pequenas. Uma vez que a base atual de evidências é relativamente pequena, faz sentido continuar a examinar associações entre características das intervenções e seus resultados. No momento, no entanto, parecem ser mais promissoras as intervenções de pouca duração, iniciadas na segunda metade do primeiro ano de vida. 

Referências

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  2. Elicker J, Englund M, Sroufe LA. Predicting peer competence and peer relationships in childhood from early parent-child relationships. In: Parke RD, Ladd GW, eds. Family-peer relationships: Modes of linkage. Hillsdale, NJ: Lawrence Erlbaum Associates; 1992:77-106.
  3. Erickson MF, Sroufe LA, Egeland B. The relationship between quality of attachment and behavior problems in preschool in a high-risk sample. Monographs of the Society for Research in Child Development 1985;50(1-2):147-166.
  4. Matas L, Arend RA, Sroufe LA. Continuity of adaptation in the second year: The relationship between quality of attachment and later competence. Child Development 1978;49(3):547-556.
  5. Sroufe LA.  Infant-caregiver attachment and patterns of adaptation in preschool: The roots of maladaption and competence. Minnesota Symposia on Child Psychology 1983;16:41-83. 
  6. Kobak R, Cassidy J, Lyons-Ruth K, Ziv Y. Attachment, stress, and psychopathology: A developmental pathways model. In: Cicchetti D, Cohen DJ, eds. Developmental psychopathology. 2nd Ed.. New York, NY: Wiley-Interscience; 2006:333-369. Theory and method; vol 1.
  7. Carlson EA. A prospective longitudinal study of attachment disorganization/ disorientation. Child Development 1998;69(4):1107-1128.  
  8. Lyons-Ruth K, Alpern L, Repacholi B. Disorganized infant attachment classification and maternal psychosocial problems as predictors of hostile-aggressive behavior in the preschool classroom. Child Development 1993;64(2):572-585.
  9. Lyons-Ruth K. Attachment relationships among children with aggressive behavior problems: The role of disorganized early attachment patterns. Journal of Consulting and Clinical Psychology 1996;64(1):64-73.  
  10. Lyons-Ruth K. Contributions of the mother-infant relationship to dissociative, borderline, and conduct symptoms in young adulthood. Infant Mental Health Journal. 2008;29(special issue):203-218.
  11. van Ijzendoorn MH. Adult attachment representations, parental responsiveness, and infant attachment: A meta-analysis on the predictive validity of the adult attachment interview. Psychological Bulletin 1995;117(3):387-403.
  12. Lieberman AF, Weston DR, Pawl JH. Preventive intervention and outcome with anxiously attached dyads. Child Development 1991;62(1):199-209.
  13. Egeland B, Weinfield NS, Bosquet M, Cheng BK. Remembering, repeating, and working through: Lessons from attachment-based interventions. In: Osofsky JD, Fitzgerald HE, eds. Infant mental heath groups at high risk. New York, NY: Wiley; 2000:35-89. Handbook of infant mental health; vol. 4. 
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  15. Baradon T, Steele M. Integrating the AAI in the clinical process of psychoanalytic parent-infant psychotherapy in a case of relational trauma. In: Steele H, Steele M, eds. Clinical applications of the Adult Attachment Interview. New York, NY: Guilford Press; 2008;195-212. 
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  17. van den Boom DC. Do first-year intervention effects endure? Follow-up during toddlerhood of a sample of Dutch irritable infants. Child Development 1995;66(6):1798-1816.
  18. Juffer F, Hoksbergen RAC, Riksen-Walraven JM, Kohnstamm GA. Early intervention in adoptive families: Supporting maternal sensitive responsiveness, infant-mother attachment, and infant competence. Journal of Child Psychology and Psychiatry and Allied Disciplines 1997;38(8):1039-1050. 
  19. Bakermans-Kranenburg MJ, van IJzendoorn MH, Juffer F. Less is more: Meta-analyses of sensitivity and attachment interventions in early childhood.  Psychological Bulletin 2003;129(2):195-215.
  20. Korfmacher J, Adam E, Ogawa J, Egeland B. Adult attachment: Implications for the therapeutic process in a home visitation intervention. Applied Developmental Science 1997;1(1):43-52.

aNT:  Attachment Q-set é um instrumento padronizado para avaliação do apego que consiste em uma lista de itens que descrevem o comportamento da criança na relação com a mãe no cotidiano. Waters, E. (1987) Attachment Q-set (Version 3) Disponível em http://www.johnbowlby.com.  

Para citar este artigo:

Dozier M, Bernard K. O impacto de intervenções baseadas no apego sobre a qualidade do apego em bebês e crianças pequenas. Em: Tremblay RE, Boivin M, Peters RDeV, eds. van IJzendoorn MH, ed. tema. Enciclopédia sobre o Desenvolvimento na Primeira Infância [on-line]. https://www.enciclopedia-crianca.com/apego/segundo-especialistas/o-impacto-de-intervencoes-baseadas-no-apego-sobre-qualidade-do-apego-em. Atualizada: Novembro 2009 (Inglês). Consultado em 19 de abril de 2024.

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