A atividade física para bebês e crianças pequenas


Department of Movement and Sports Sciences, Ghent University, Bélgica
Janeiro 2011 (Inglês). Tradução: janeiro 2016

Versão em PDF

Introdução

Em termos globais, estima-se que pelo menos 20 milhões de crianças com menos de 5 anos de idade apresentavam sobrepeso em 2005.1 A epidemia de obesidade pediátrica aumentou o interesse para o estudo da  atividade física e os comportamentos sedentários das crianças pequenas correlacionando o  balanço energético e a constituição do corpo humano. A participação das crianças pequenas em atividades físicas desempenha um papel essencial no seu desenvolvimento geral, diminuindo a probabilidade delas apresentarem fatores de risco de doenças cardiovasculares, trazendo benefícios para a saúde dos ossos, para as habilidades motoras fundamentais e para o desenvolvimento social e psicológico.2 Além disso, a primeira infância constitui um dos períodos críticos no que diz respeito à adoção de comportamentos sedentários e de hábitos de atividade física.3 Entretanto, de acordo com uma revisão da literatura feita por Reilly,4 estudos que fizeram uma medição objetiva da atividade física e dos comportamentos sedentários de crianças em idade pré-escolar mostraram que, em geral, seus níveis de atividade física são baixos e seus comportamentos sedentários, altos.

Assunto

Embora o interesse pela atividade física das crianças em idade pré-escolar (de três a cinco anos) tenha aumentado ao longo da última década, os estudos sobre os níveis de atividade física e os comportamentos sedentários das crianças de menos de três anos ainda são muito raros.

Problemas

Os dados sobre os níveis de atividade física e os comportamentos sedentários das crianças de três a cinco anos podem não ser aplicáveis a crianças menores, visto que a faixa de zero a cinco anos abrange três períodos de desenvolvimento, cada qual se caracterizando por níveis típicos de atividade física relativamente diferentes.5,6

A etapa de bebê corresponde normalmente aos primeiros doze meses de vida. Durante os primeiros seis meses, a atividade e os movimentos se limitam a esticar-se e a pegar objetos, a virar a cabeça na direção de um estímulo e a mexer braços e pernas. Ao longo dos seis meses seguintes, a criança adquire as habilidades motoras básicas. A etapa de desenvolvimento de um a três anos é, muitas vezes, chamada de primeira infância: quando a criança chega a mais ou menos um ano, ela começa a andar. Ela tem assim mais oportunidades de explorar e aprender e pode desenvolver habilidades de locomoção como correr, pular e saltitar. Além disso, a criança pequena começa a manipular os objetos com maior facilidade. O período pré-escolar está associado às crianças entre três e cinco anos de idade e é caracterizado pelo desenvolvimento da estabilidade e das habilidades motoras assim como de uma melhor destreza.

Além das diferenças observáveis entre os níveis de atividade característicos dos três aos cinco anos e aqueles das crianças menores, as estimativas dos níveis de atividade física diária dos bebês e das crianças pequenas são provavelmente mais influenciadas pelos hábitos de sono diurno que aqueles das crianças em idade pré-escolar.6

Contexto da pesquisa

Foi feita uma revisão da literatura relativa aos estudos que avaliaram os níveis de atividade física e os comportamentos sedentários de bebês e crianças pequenas saudáveis (isto é, de crianças com menos de três anos).

Resultados de pesquisa

Foram encontrados somente dois estudos avaliando os níveis de atividade física das crianças nessa faixa de idade. Gubbels e colegas7 observaram 75 crianças de dois anos e 100 crianças de três anos em nove serviços de creches nos Países Baixos, utilizando o Observational System for Recording Physical Activity in Children - Preschool Version (Sistema de observação e de registro da atividade física das crianças – versão pré-escolar).8 Uma larga proporção das atividades observadas (59,4% das observações dentro das instalações e 31,2% daquelas feitas ao ar livre) foram classificadas como atividades sedentárias, enquanto que somente 5,5% das observações internas e 21,3% das observações externas foram classificadas como atividades físicas de intensidade média a forte. Não se constatou nenhuma diferença significativa entre os níveis médios de intensidade da atividade física dos meninos e das meninas, nem entre aqueles das crianças de dois anos e de três anos.

No estudo GENESIS,9 realizado na Grécia, dados relativos à atividade física de 207 crianças com idade entre um e dois anos e de 500 crianças de dois a três anos foram coletados a partir de relatórios preenchidos por seus pais. Esses relataram que os bebês de sexo masculino praticavam atividades físicas de intensidade baixa a forte durante 1,45 horas por semana e os bebês de sexo feminino, durante 1,05 horas por semana. No caso das crianças pequenas, foram relatadas 1,51 horas por semana em atividades físicas de intensidade baixa a forte para os meninos e 1,21 horas por semana para as meninas. As atividades físicas típicas eram brincadeiras praticadas em playgrounds e passeios com os pais.

Considerando que somente dois estudos foram encontrados e que os relatórios dos pais têm uma precisão relativamente baixa no tocante à medição da atividade física de crianças pequenas,6 não se pode tirar nenhuma conclusão fundamentada em evidências. Todavia, pode-se concluir que existem alguns sinais indicando que os baixos níveis de atividade observados em crianças em idade pré-escolar existem também para as crianças de menos de três anos.

Da mesma maneira, só foram encontrados alguns estudos relativos aos comportamentos sedentários dos bebês e das crianças pequenas. Zimmerman e colegas10 fizeram uma pesquisa por telefone com 1.009 pais de crianças americanas com idade entre dois e 24 meses no intuito de conhecer seus hábitos de assistir televisão, DVD e vídeos. Aos três meses de idade, cerca de 40 % das crianças assistiam regularmente (em média 40 minutos por dia) televisão, DVD ou vídeos. Aos 24 meses, essa proporção chegava a 90%. A idade média a partir da qual as crianças começavam a passar algum tempo em frente da tela de forma regular era de nove meses. Vandewater e colegas11 realizaram uma pesquisa em 2005 com uma amostra representativa de pais americanos de crianças entre zero e seis anos de idade (N = 1.051). Eles constataram que 63% das crianças de zero a dois anos assistiam televisão em média por cerca de 1,25 horas durante um “dia típico”. Aproximadamente 4% das crianças entre zero e dois anos utilizavam um computador durante um “dia típico”, passando em média 50 minutos no teclado.

Certain e colegas12 fizeram uma pesquisa com uma grande amostra de pais americanos (N = 3.556). De acordo com os relatórios desses pais, 17% das crianças entre zero e 11 meses e 48% das crianças entre de 12 e 23 meses assistiam televisão, apesar da American Academy of Pediatrics (Academia Americana de Pediatria) recomendar que as crianças com menos de dois anos de idade não assistam televisão.13 Além disso, 41% das crianças entre 24 e 35 meses assistiam televisão mais de duas horas por dia, apesar da recomendação da American Academy of Pediatrics (Academia Americana de Pediatria) de limitar a utilização das mídias de diversão (televisão, jogos, vídeos e Internet) a duas horas por dia.13

O uso regular das mídias de diversão em uma idade muito baixa foi também confirmado por uma pesquisa realizada com pessoas não residentes nos Estados Unidos. O estudo GENESIS14 mostrou que 11,1% das crianças de um a dois anos de idade assistiam televisão mais de duas horas por dia.

Dos diversos estudos aqui examinados, pode-se concluir que assistir televisão já é muito comum para bebês e crianças pequenas. Pode ser que o tempo dispendido em frente à televisão substitua aquele dedicado a atividades físicas de baixa intensidade; além disso, a programação da televisão é muitas vezes associada a lanchinhos, apresentando assim um risco duplo para as crianças.15

Lacunas da pesquisa

Para entender com maior profundidade a atividade física e os comportamentos sedentários de crianças pequenas e bebês, é preciso realizar mais pesquisas com crianças de menos de três anos de idade.

Considerando que as crianças ficam ativas de maneira repentina, intermitente e durante curtos períodos de tempo,6,16 somente a observação direta e medições objetivas, com acelerômetros por exemplo, podem ser utilizadas para definir os níveis de atividade física de bebês e crianças pequenas. Entretanto, ainda que a validade e a viabilidade do uso de acelerômetros tenham sido comprovadas para crianças em idade pré-escolar, ainda faltam estudos similares com crianças pequenas e bebês.6 Dois estudos pilotos analisaram a utilização de acelerômetros com crianças de um ano. Cardon e colegas17 mostraram que já é possível medir a atividade física de crianças com um ano de idade com a ajuda de um acelerômetro. Trost e colegas18 estabeleceram pontos de corte nas medições feitas com os acelerômetros Actical e ActiGraph para quantificar os níveis de sedentarismo e de atividade física de intensidade baixa e média a forte de crianças pequenas. Para tanto, eles filmaram 22 crianças pequenas num centro de educação infantil (8 meninos e 14 meninas) enquanto elas usavam um acelerômetro durante um período de 15 minutos de brincadeira livre, escolhido ao acaso. Estudos comparativos sobre a precisão de diversos tipos de acelerômetros, as diferentes posições para a colocação dos aparelhos de medição, os pontos de corte nas medições com acelerômetros e os melhores intervalos de amostragem são também muito importantes para poder determinar a melhor maneira de medir os movimentos de crianças pequenas. Essas análises poderiam também tentar caracterizar os tipos de movimentos em função das diferentes etapas de desenvolvimento (bebê, primeira infância e período pré-escolar).6 Além disso, a utilidade dos sistemas de acelerometria que permitem detectar a posição do corpo (por exemplo, o tempo passado em posição vertical ou sentada) tem que ser explorada com crianças pequenas. Esses equipamentos de monitoramento podem ajudar a avaliar os comportamentos sedentários de bebês e crianças menores, uma vez que fornecem mais informações que os acelerômetros tradicionais.19

Conclusões

Embora a pesquisa indique que a atividade física é importante para os bebês e as crianças pequenas, temos que concluir que sabemos muito pouco a respeito dos seus níveis de (in) atividade física. Os poucos resultados disponíveis mostram que as crianças pequenas passam grande parte do seu tempo em comportamentos sedentários, que o fato de assistir televisão já é muito comum para crianças com menos de três anos de idade e que elas passam pouco tempo na prática de atividades físicas de intensidade média a forte.

Recomendamos realizar novas pesquisas para melhorar os conhecimentos sobre os aspectos fundamentais da atividade física e dos comportamentos sedentários de bebês e crianças pequenas. Por enquanto, recomenda-se promover a atividade física dos bebês e das crianças pequenas e limitar seus comportamentos sedentários (por exemplo, o uso das mídias).

Implicações para os pais, os serviços e as políticas

É preciso elaborar e adotar políticas em larga escala para aumentar os níveis de atividade física e reduzir os níveis de sedentarismo observados em bebês e crianças pequenas. Contudo, essas políticas devem ser elaboradas a partir de uma melhor compreensão dos aspectos fundamentais da (in) atividade física nessas faixas de idade.

As crianças pequenas passam a maior parte de seu tempo em casa com seus pais, consequentemente os pais podem exercer uma grande influência sobre a saúde e os comportamentos de seus filhos. Os pais controlam as oportunidades de praticar atividades físicas, podem servir de modelos positivos e podem também adotar práticas parentais específicas, por exemplo, fixando regras para assistir televisão.

Além do ambiente familiar, os serviços de cuidadores e de creche podem desempenhar um papel importante para conseguir alcançar níveis de atividade física adequados para as crianças menores. De fato, em muitos países, a maioria das crianças passa um tempo considerável em creches e serviços de cuidadores. Recentemente, Gubbels e colegas20 mostraram um relação positiva entre o fato de frequentar um serviço de cuidadores com um e dois anos e um maior índice de massa corporal (IMC) aos dois anos, assim como um maior aumento do IMC entre um e dois anos de idade. Benjamin e colegas21 constataram também que os bebês que ficavam na guarda de outra pessoa ao longo dos seis primeiros meses de vida apresentavam níveis mais altos de gordura com um ano e três anos.

Além disso, Gubbels e colegas7 mostraram que crianças de dois e de três anos que tinham oportunidades de praticar atividades físicas no seu ambiente - ou que eram oferecidas pelos cuidadores - apresentavam uma relação positiva no tocante à intensidade da atividade física. Eles constataram também uma relação negativa entre o tamanho do grupo e a intensidade da atividade. Esses resultados indicam que é preciso fazer mais pesquisas sobre a prática de atividades físicas em serviços de cuidadores para identificar as possibilidades de intervenção.

Referências

  1. World Health Organization. Obesity and overweight. Geneva, Switzerland: World Heath Organization; 2006.
  2. Timmons BW, Naylor PJ, Pfeiffer KA. Physical activity for preschool children -- how much and how? Canadian Journal of Public Health 2007;98:S122-S134.
  3. Janz KF, Burns TL, Levy SM. Tracking of Activity and Sedentary Behaviors in Childhood. The Iowa Bone Development Study. American Journal of Preventive Medicine 2005;29:171-178.
  4. Reilly JJ. Physical activity, sedentary behaviour and energy balance in the preschool child: opportunities for early obesity prevention. Proceedings of the Nutrition Society 2008;67:317-325.
  5. Gallahue DL, Ozmun JC. Understanding motor development: infants, children, adolescents, adults. 5th ed. New York, NY: McGraw-Hill; 2002.
  6. Cliff DP, Reilly JJ, Okely AD. Methodological considerations in using accelerometers to assess habitual physical activity in children aged 0-5 years. Journal of Science and Medicine in Sport 2009;12:(5):557-567.
  7. Gubbels JS, Kremers SPJ, van Kann DHH et al. Interaction between environmental factors determining physical activity of children at child-care. Health Psychology. In press.
  8. Brown WH, Pfeiffer KA, McLver KL, Dowda M, Almeida MJ, Pate RR. Assessing preschool children's physical activity: the Observational System for Recording Physical Activity in children-preschool version. Research Quarterly for Exercise and Sport 2006;77:(2):167-176.
  9. Manios Y. Design and descriptive results of the "Growth, Exercise and Nutrition Epidemiological Study In preSchoolers": The GENESIS Study. BMC Public Health 2006;6:32.
  10. Zimmerman FJ, Christakis DA, Meltzoff AN. Television and DVD/Video Viewing in Children Younger Than 2 Years. Archives of Pediatrics & Adolescent Medicine 2007;161:473-479.
  11. Vandewater EA, Rideout VJ, Wartella EA, Huang X, Lee JH, Shim M. Digital Childhood: Electronic Media and Technology Use Among Infants, Toddlers, and Preschoolers. Pediatrics 2007;119;e1006-e1015.
  12. Certain LK, Kahn RS. Prevalence, correlates, and trajectory of television viewing among infants and toddlers. Pediatrics 2002;109:4.
  13. American Academy of Pediatrics. Committee on Public Education. Children, adolescents, and television. Pediatrics 2001;107:423-426.
  14. Kourlaba G, Kondaki K, Liarigkovinos T, Manios Y. Factors associated with television viewing time in toddlers and preschoolers in Greece: the GENESIS study. Journal of Public Health 2009;31:2:222-230.
  15. Rennie KL, Johnson L, Jebb SA. Behavioural determinants of obesity. Best Practrice & Research Clinical Endocrinology and Metabolism 2002;19:3:343-358.
  16. Bailey R, Olson J, Pepper S, Porszasz J, Barstow T, Cooper D. The level and tempo of children’s physical activities: an observational study. Medicine & Science in Sports & Exercice 1995;27:1033-1041.
  17. Cardon G, Van Cauwenberghe E, De Bourdeaudhuij I. Physical activity measurements and observations in 1-year olds: a pilot study. Paper presented at: The ISBNPA 2009 annual meeting. June 17-20, 2009. Lisbon, Portugal.
  18. Trost S, Loprinzi P, Fees B. Identification of accelerometer cut-points for toddlers. Paper presented at: The ISBNPA 2010 annual meeting. June 9-12, 2010. Minnesota, MN.
  19. Davies G. Validation of the Dynaport Movemonitor and ActivPAL against direct observation for measurement of posture and fidgeting in young children. The ISBNPA 2010 annual meeting. June 9-12, 2010. Minnesota, MN.
  20. Gubbels JS, Kremers SP, Stafleu A, Dagnelie PC, de Vries NK, van Buuren S, Thijs C. Child-care use and the association with body mass index and overweight in children from 7 months to 2 years of age. International Journal of Obesity 2010;1-7.
  21. Benjamin SE, Rifas-Shiman SL, Taveras EM, Haines J, Finkelstein J, Kleinman K, Gillman MW. Early Child Care and Adiposity at Ages 1 and 3 Years. Pediatrics 2009;124;555-562.

Para citar este artigo:

Cardon G, Van Cauwenberghe E. A atividade física para bebês e crianças pequenas. Em: Tremblay RE, Boivin M, Peters RDeV, eds. Reilly JJ, ed. tema. Enciclopédia sobre o Desenvolvimento na Primeira Infância [on-line]. https://www.enciclopedia-crianca.com/atividade-fisica/segundo-especialistas/atividade-fisica-para-bebes-e-criancas-pequenas. Publicado: Janeiro 2011 (Inglês). Consultado em 28 de março de 2024.

Texto copiado para a área de transferência ✓