Serviços ou programas que influenciam o sucesso acadêmico e a conclusão escolar de crianças pequenas


University of Michigan, EUA
, Ed. rev. (Inglês). Tradução: março 2012

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Introdução e do que se trata

Já foi demonstrado que programas/intervenções de educação e cuidados na primeira infância melhoram as perspectivas da criança em relação ao sucesso acadêmico, reduzindo a probabilidade de encaminhamento para programas de educação especial e diminuindo as taxas de repetência e de abandono escolar antes da conclusão do ensino médio, principalmente para crianças em risco de atingirem um baixo nível educacional.1-3 Entre outros aspectos, os fatores de risco incluem pobreza, deficiências de desenvolvimento e de aprendizagem, pertencimento a minorias étnicas e inglês como segundo idioma.4,5 Além disso, de acordo com análises da relação custo/benefício, os programas para a primeira infância demonstram retornos significativos do investimento ao longo da vida da criança.6 Talvez uma das funções mais importantes dos programas destinados à primeira infância seja prover uma base sólida para o desenvolvimento da alfabetização, tendo em mente que competências acadêmicas fracas estão fortemente associadas com evasão escolar e delinquência.7,8 No entanto, há uma advertência importante a ser feita em relação a essas constatações de pesquisas: resultados positivos de programas de educação e cuidados na primeira infância só estão associados a tais programas quando são de boa qualidade. Aparentemente, programas de má qualidade estão associados a resultados negativos para as crianças9 e, infelizmente, as crianças que poderiam obter maiores benefícios de programas para a primeira infância são justamente aquelas com menor probabilidade de participarem de programas de boa qualidade.10 Novas pesquisas vêm revelando que programas de boa qualidade podem apoiar o desenvolvimento da linguagem e da alfabetização das crianças e que o impacto de atividades pré-escolares específicas nessas duas áreas pode depender das habilidades da criança em relação à linguagem e a suas habilidades emergentes de alfabetização.11,12

Problemas, contexto de pesquisa e questões de pesquisa

Ao considerarem a conveniência de se implementarem programas de educação e cuidados na primeira infância e de como fazê-lo, educadores e formuladores de políticas públicas devem ter em mente duas questões importantes:

  1. Para compreender o impacto potencial dos programas de educação e cuidados  na primeira infância, é necessário compreender os múltiplos fatores que afetam o sucesso acadêmico e a conclusão escolar.
  2. Com base na compreensão desses múltiplos fatores, é importante determinar os elementos da educação infantil e da intervenção que estão associados a efeitos positivos sobre o sucesso acadêmico da criança no longo prazo.

Há um consenso crescente sobre os benefícios de programas para a primeira infância, embora haja considerável controvérsia sobre a definição do que seja um programa de educação e cuidados na primeira infância de boa qualidade e sobre o que deve ser ensinado a crianças tão pequenas. Pesquisas recentes fornecem percepções e diretrizes importantes em relação a essas questões.

Resultados de pesquisas recentes

Diversos estudos longitudinais, alguns dos quais utilizam amostras representativas em termos nacionais, contribuem para nosso conjunto de conhecimentos sobre:

  1. os múltiplos fatores que afetam o sucesso da criança na escola;
  2. os aspectos dos programas para a primeira infância que causam impacto sobre esses múltiplos fatores.

Nos Estados Unidos, esses programas incluem estudos dos programas Head Start, Abecedarian e Highscope/Perry Preschool2, NICHD Early Childcare Research Network (NICHD-ECRN, http://secc.rti.org/home.cfm) e Early Childhood Longitudinal Study (ECLS, http://nces.ed.gov/ecls/), além de estudos menores, como o Home-School Study.14 Estudos sobre intervenções específicas, como o Dialogic Reading (Leitura Dialógica),15 também fornecem informações. Novos estudos de atividades de educação infantil em sala de aula são igualmente reveladores.16 A seguir, são apresentados resumos de conclusões relevantes dessas pesquisas. 

Múltiplas influências sobre o sucesso acadêmico da criança

Fatores relativos à criança

Talvez as variáveis mais consistentes para a predição do sucesso escolar da criança sejam suas habilidades iniciais de linguagem oral, entre as quais vocabulário, utilização de sentenças complexas e consciência metalinguística, a qual inclui a consciência fonológica.4 Habilidades iniciais de alfabetização, que incluem o conhecimento das letras, o conhecimento sobre a correspondência letra-som e a compreensão dos objetivos de ler e escrever, também estão associadas ao sucesso escolar posterior.17 Novas evidências indicam que as habilidades de autorregulação da criança (sua capacidade para manter a atenção, permanecer concentrada na tarefa, inibir comportamentos inadequados e postergar a gratificação) também são variáveis importantes de predição do sucesso escolar posterior.18-20,21,22 Em termos gerais, há evidências consistentes de que pais e professores, assim como os ambientes familiar e escolar, podem influenciar o desenvolvimento dessas habilidades infantis.14,16,18,20,23-26 Portanto, programas para a primeira infância que enfocam o fortalecimento da linguagem, da alfabetização e da autorregulação da criança em todos os múltiplos contextos são comprovadamente os mais eficazes na promoção do sucesso escolar.

Fatores socioculturais

Os efeitos de pobreza, raça/etnia e comunidade são fatores distais que, de acordo com as pesquisas, estão associados ao sucesso escolar da criança.26,27 No entanto, nem sempre é clara a forma como esses fatores distais operam através de fatores mais proximais, como práticas parentais e escolarização. Sem dúvida, a saúde e o bem-estar da criança, que são afetados pelo status socioeconômico, podem influenciar sua capacidade de prestar atenção em sala de aula e de interagir com pais, professores e colegas.26 Há evidências também de que a diferença de desempenho educacional entre minorias étnicas/raciais e estudantes pertencentes a grupos majoritários tem início antes que a criança ingresse no ensino fundamental e pode estar relacionada ao modo como os pais conversam com seus filhos e à quantidade de tempo que passam com eles, assim como ao ambiente de aprendizagem em casa.5,8,14,28 Infelizmente, há também evidências consistentes de que o nível educacional e o status socioeconômico (SSE) dos pais estão associados de maneira positiva à qualidade do programa de educação infantil no qual seus filhos estão matriculados (estudos NICHD-ECCRN) e à escolarização subsequente que recebem.8,27 Crianças provenientes de famílias com SSE mais alto tendem a participar de programas de melhor qualidade e crianças de famílias com SSE mais baixo tendem a frequentar programas de qualidade inferior.11

Práticas parentais

De maneira geral, a influência das práticas parentais sobre o sucesso escolar da criança é maior do que a influência de programas para a primeira infância. De fato, a qualidade das práticas parentais com crianças pequenas contribui quatro vezes mais para a variabilidade dos resultados acadêmicos da criança quando comparada ao efeito independente dos programas de educação infantil.29 Fatores distais, como status socioeconômico e cultura/etnia/raça, tendem a funcionar por meio de dimensões mais proximais das práticas parentais,30 que incluem ambiente de aprendizagem em casa,14 afetuosidade-responsividade dos pais31,32 e controle e disciplina por parte dos pais.33 Assim sendo, em termos teóricos, programas para a primeira infância centrados na promoção de habilidades parentais e no enriquecimento de ambientes de aprendizagem em casa devem ser – e são – muito eficazes na promoção do sucesso escolar da criança, embora alguns estudos indiquem que programas centrados unicamente nos pais – ou seja, sem foco na criança e não baseados em instituições – talvez não sejam tão eficazes.34 Os programas de educação e cuidados na primeira infância mais eficazes e que apresentam as relações custo/benefício mais consistentes são aqueles que fornecem intervenções voltadas diretamente à criança e que favorecem ligações estreitas com os pais, que estimulam práticas parentais eficazes e condutas parentais que promovem habilidades cognitivas, de linguagem e de alfabetização.26,35 Por exemplo, o Title 1 Chicago Child-Parents Centers, que forneceram intervenções baseadas em centros direcionadas a crianças e à educação parental, produziram um benefício social total de mais de US$7 por dólar investido, considerando a redução de gastos com educação e justiça criminal e os impostos mais altos pagos pelos participantes que recebem salários mais altos.6

Educação e cuidados na primeira infância

Mais de 60% dos quase 20 milhões de crianças menores de 5 anos de idade que vivem nos Estados Unidos passarão algum tempo em algum programa regular de cuidados infantis.36 Assim sendo, a qualidade dos cuidados recebidos pelas crianças enquanto seus pais estão no trabalho vem se tornando cada vez mais importante para provedores de serviços e formuladores de políticas públicas. Embora os efeitos de práticas parentais sejam maiores do que os efeitos de programas para a primeira infância, a qualidade desses programas ainda é uma variável significativa para a predição do sucesso escolar da criança, mesmo após o controle do efeito das práticas parentais.29 Na próxima seção são discutidas as definições de programas de educação infantil de “boa qualidade” e seus efeitos sobre o sucesso escolar da criança. As implicações sociais e de políticas centradas nos pais que trabalham fora de casa – tais como licença familiar e políticas do local de trabalho, que facilitam aos pais associar trabalho e responsabilidades familiares – merecem debates mais aprofundados do que aquele que podemos oferecer neste artigo. Os leitores são orientados a consultar os artigos desta Enciclopédia37 e outras fontes a esse respeito.13

Definição: o que se entende por “boa qualidade” em relação a programas e intervenções de educação e cuidados  na primeira infância

Um dos dilemas da concepção de programas eficazes para primeira infância é a grande variedade de definições sobre a qualidade dos programas.3 Para alguns, a qualidade está relacionada a instalações físicas, credenciais de professores e quociente crianças/equipe. Entretanto, esses fatores isoladamente não explicam por que alguns programas para a primeira infância são eficazes no apoio ao sucesso acadêmico da criança e outros não. Segundo os estudos mais rigorosos, a qualidade está estreitamente relacionada às definições de sucesso infantil. Quando os objetivos dos programas para a primeira infância são diferentes, o significado de “sucesso infantil” e os resultados medidos são diferentes. Por exemplo, sucesso tem sido definido segundo vários parâmetros: conclusão escolar, delinquência, encaminhamento para educação especial, habilidades linguísticas, capacidade cognitiva, desempenho acadêmico e desenvolvimento social, inclusive responsividade do bebê, relações entre pares e comportamento em sala de aula.9,10,38-44 Recentemente, após a aprovação nos Estados Unidos da lei No Child Left Behind (www.nclb.gov), os programas para a primeira infância desenvolvidos com financiamento público foram estimulados a intensificar o foco sobre o desenvolvimento de habilidades de linguagem e de alfabetização. Além disso, dependendo das definições de sucesso infantil, há também evidências de uma interação entre as características infantis e a instrução, de tal forma que atividades para a primeira infância promovidas pelos programas como, por exemplo, a alfabetização, podem ser eficazes para determinada criança, mas não para outra que apresente pontos fortes e fracos diferentes em relação a suas competências.45,46

Assim sendo, para elaborar programas de educação infantil de boa qualidade, provedores de serviços e formuladores de políticas públicas devem ter muita clareza de quais seriam os objetivos do programa. Se o objetivo é apoiar o sucesso acadêmico posterior da criança e favorecer a conclusão escolar, programas de boa qualidade devem combinar elementos que estão associados à “prontidão escolar”3 da criança, que inclui desenvolvimento de linguagem, alfabetização e autorregulação, assim como apoio aos pais, uma vez que, conforme discutido anteriormente, as pesquisas indicam que todos esses fatores constituem os alicerces do sucesso escolar. Além disso, sempre que haja evidências de habilidades específicas em uma criança, estas devem ser consideradas nas estratégias educacionais e desenvolvidas por meio de interações instrucionais.

Como observado anteriormente, programas de educação e cuidados na primeira infância que incluem forte apoio aos pais e cuidadores são os mais eficazes e geram retorno social consistente sobre o investimento. As práticas parentais constituem uma forte variável de predição do sucesso escolar da criança e os programas para a primeira infância fornecem uma oportunidade de apoiar os pais em seus esforços em casa e, simultaneamente, de apoiar a criança diretamente na sala de aula. Programas eficazes incluem visitas domiciliares e esforços para alcançar os menos favorecidos – como o Head Start e os centros Title I Chicago Parent-Child6 – programas de alfabetização de pais,47 fornecimento de livros que podem ser levados para casa e intervenções específicas, como o Dialogic Reading (Leitura Dialógica).15 Com frequência, esses programas de práticas parentais apoiam igualmente as comunidades às quais as famílias pertencem.3 

Uma das observações mais consistentes em salas de aula para a primeira infância, onde as crianças desenvolvem habilidades acadêmicas mais consistentes, é o ambiente linguístico, que inclui interações professor-criança, responsividade do professor e estilos de interação dos professores com as crianças. Nesses estudos,14,48,51 as interações verbais entre professor e estudantes foram variáveis consistentes de predição das competências de comunicação e de alfabetização da criança. Frequentemente, esses programas melhoraram a linguagem da criança e suas habilidades pré-leitura e foram associados a níveis mais altos de habilidades de leitura nos anos posteriores. Por exemplo, crianças que frequentavam aulas de educação infantil nos programas Head Start e Title I – nos quais os professores utilizavam mais questões do tipo quem, o quê, onde, quando e porquê, e não questões cujas respostas seriam sim ou não ou formas imperativas (ou seja, comandos como “sente-se”) – tendiam a alcançar escores mais altos em medidas que predizem o sucesso posterior em leitura.45 Uma avaliação das interações verbais em sala de aula revelou que, quando utilizam questões do tipo quem, o quê, onde, quando e porquê, os professores tendem a induzir conversas mais estimulantes do ponto de vista cognitivo14 – incluindo previsões, inferências e enriquecimento de vocabulário – do que quando utilizam questões com respostas sim-não e questões imperativas (comandos). Nas salas de aula em que os professores interagiram com as crianças utilizando conversas estimulantes em termos cognitivos, estas mostraram vocabulário e habilidades de compreensão de leitura mais consistentes a partir do primeiro ano do ensino fundamental do que crianças em salas de aula nas quais as interações eram proporcionalmente mais didáticas e diretivas.14,52

Um dos motivos pelos quais o ambiente linguístico de programas para a primeira infância pode ter uma influência importante sobre o desenvolvimento da alfabetização é que crianças pequenas devem aprender a falar e a se tornar usuários competentes da linguagem em diversos contextos.52 Além disso, é possível que a criança chegue à escola com as práticas de discurso aprendidas em sua comunidade, que podem ser diferentes daquelas utilizadas na sala de aula.53 A educação infantil pode oferecer a essas crianças uma oportunidade para aprender o idioma inglês (nos Estados Unidos) caso falem outro idioma em casa e para aprender as formas e as maneiras de falar que normalmente são preferidas nas escolas, incluindo as interações mais formais que ocorrem na sala de aula. 

Alguns educadores54 sugerem que ensinar explicitamente as crianças que não têm possibilidade de aprender em casa as rotinas discursivas da sala de aula – tais como responder a questões do tipo quem, o quê, onde, quando e porquê e utilizá-las de acordo com a gramática escolar – pode ser mais eficaz no apoio ao sucesso escolar posterior da criança do que ignorar ou aceitar formas do idioma inglês que possam prejudicar seu desempenho educacional em andamento.55 Isto não significa que utilizar um dialeto diferente das formas escolares do idioma inglês deve ser considerado um fator de risco de fracasso escolar. Novas pesquisas indicam que para crianças afro-americanas em idade pré-escolar nos Estados Unidos há uma relação em forma de U entre a frequência de utilização de características do inglês afro-americano (IAA) e a linguagem e a alfabetização emergente, incluindo consciência fonológica.56,21,22 Crianças que utilizavam características de IAA com maior ou menor frequência demonstraram evidências de alfabetização emergente mais consistentes do que crianças em idade pré-escolar que utilizavam características de IAA com frequência moderada.

Além de habilidades de linguagem, novas evidências indicam que a autorregulação precoce da criança prediz o sucesso escolar,21,22 e que as práticas parentais podem influenciar seu desenvolvimento.5,18 A importância da autorregulação já é reconhecida para crianças mais velhas.57 No entanto, não está claro o papel desempenhado por programas de educação e cuidados na primeira infância e quais estratégias podem favorecer seu desenvolvimento. Entretanto, crianças em idade pré-escolar que alcançaram escores mais altos em uma tarefa de autorregulação que exigia mudanças de tarefas demonstraram crescimento mais consistente em termos de vocabulário, alfabetização emergente e matemática do que crianças com escores mais baixos.21,22 Essa área demanda novas pesquisas, que enfoquem principalmente a forma de melhorar a autorregulação de crianças em idade pré-escolar na sala de aula.

Embora sejam recentes as pesquisas que abordam especificamente por que e como ensinar os elementos de alfabetização a crianças pequenas, ficou claramente estabelecido ao longo da última década o que as crianças devem aprender:1,17 

  1. Letras e a correspondência letra-som em associação com consciência fonológica, inclusive rimas, segmentação e fusão fonêmica; 
  2. Leitura emergente; 
  3. Escrita emergente; 
  4. Conceitos básicos de matemática; 
  5. Aspectos metacognitivos da alfabetização.

As crianças que iniciam o primeiro ano com habilidades consistentes nessas áreas aprendem a ler mais facilmente do que crianças com habilidades mais frágeis. Por exemplo, em uma amostra representativa em nível nacional, crianças que iniciaram a pré-escola já conhecendo suas letras tornaram-se melhores leitores ao final do primeiro ano do que crianças que não tinham esse conhecimento58 – uma vantagem importante que as acompanhará ao longo de seus estudos.59 A consciência fonológica (por exemplo, rimas) é uma das variáveis mais importantes para a predição da capacidade posterior de leitura e é uma habilidade que pode ser ensinada. Quando ensinada explicitamente em associação com letras, essa competência favorece habilidades de leitura mais consistentes.60 Fazer de conta que lê histórias, leitura emergente4,61 e fazer de conta que escreve – atividade também denominada soletração inventada ou escrita emergente – são atividades que também estão associadas de maneira positiva com a alfabetização emergente da criança, assim como a leitura dialógica. De fato, a leitura dialógica – professores ou pais leem histórias com as crianças de forma estimulante em termos cognitivos – pode ser ensinada de maneira eficaz para pais e professores e resulta em habilidades de alfabetização precoce mais consistentes.63

Ainda é pouco compreendido o papel da instrução explícita na alfabetização emergente, principalmente o conhecimento das letras, a consciência fonológica e outros conceitos impressos. No entanto, novas pesquisas indicam que uma combinação de estratégias baseadas na criança64 e de instrução explícita pode produzir resultados mais consistentes do que cada um desses elementos separadamente.12 Além disso, o conteúdo dessa instrução explícita parece causar um impacto diferencial sobre a alfabetização emergente e sobre o aumento de vocabulário de crianças em idade pré-escolar, dependendo de suas habilidades no momento em que ingressam na educação infantil.16 Neste estudo, crianças em idade pré-escolar que apresentavam baixo nível de alfabetização emergente e de habilidades de vocabulário demonstraram maior crescimento quando interagiram com seus professores em atividades especificamente direcionadas para a alfabetização emergente – consciência fonológica, leitura compartilhada de livros. Para crianças com habilidades mais desenvolvidas, uma ampla variedade de atividades explicitas e implícitas apoiaram a alfabetização emergente e o aumento de vocabulário. Além disso, quanto maior o tempo que essas crianças passavam envolvidas com tais atividades, mais consistente era o desenvolvimento de sua alfabetização emergente e vice-versa. A quantidade de tempo que crianças em idade pré-escolar passam brincando (dramatizações, blocos, etc.) foi um preditor positivo de desenvolvimento de vocabulário, principalmente para aquelas com níveis mais baixos de habilidades de vocabulário. No entanto, as brincadeiras não foram associadas com o crescimento da alfabetização emergente, o que foi observado em interações pais-criança e também em leitura compartilhada.65,66

Os elementos de alfabetização emergente e de linguagem (conhecimento de letras, consciência fonológica, etc.) podem ser ensinados às crianças por meio de atividades lúdicas – como fazer de conta que escrevem histórias, jogos com palavras e rimas, leitura compartilhada de livros de história, jogos com números, quebra-cabeças e poesia – e por meio do atendimento das expectativas de comportamento autorregulado em sala de aula. Crianças que ingressam na escola em situação de desvantagem, com níveis baixos de habilidades de vocabulário e sem experiências com letras, leitura e jogos de palavras podem ser especialmente beneficiadas com essas atividades.16 Por exemplo, crianças que participavam do Head Start e que haviam iniciado o ano escolar com vocabulário mais limitado geralmente desenvolviam habilidades consistentes de alfabetização precoce quando seus professores falavam com mais frequência sobre letras, sons das letras, faziam rimas, brincavam com jogos de palavras, estimulavam as crianças a escrever seus nomes45 e utilizavam soletração inventada.62 No entanto, esse tipo de conversa teve efeito muito menor sobre o desenvolvimento dessas habilidades para crianças que começaram o ano escolar com habilidades de vocabulário mais consistentes. Para elas, o foco mais frequente sobre aspectos metacognitivos da alfabetização – tais como falar sobre livros de histórias, o objetivo de ler e de escrever, autores e o ato de escrever – parecia estar relacionado ao desenvolvimento de habilidades mais consistentes de alfabetização precoce.45 Portanto, a eficácia de estratégias instrucionais específicas pode depender dos níveis iniciais de habilidades da criança e do resultado que se espera dela.16

Esse tipo de interação criança/instrução é evidente também nos anos iniciais do ensino fundamental.67,68 Isto posto, a expressão programa de “boa qualidade” pode ser enganosa, uma vez que o que pode ser de boa qualidade para uma criança pode ser ineficaz – e, portanto, de baixa qualidade – para outra, dependendo dos objetivos do programa. A utilização do termo “eficaz” pode ser mais útil do que a expressão “boa qualidade”, o que favoreceria o foco sobre os resultados da criança e não sobre uma abordagem de “tamanho único” para elaborar programas eficazes de educação e cuidados na primeira infância. 

Conclusões e implicações

Programas de educação e cuidados na primeira infância fornecem apoio significativo para o sucesso acadêmico da criança, retornos sociais mensuráveis para investimentos e uma estratégia clara para apoiar a conclusão escolar, principalmente para crianças em risco de fracasso na escola. No entanto, embora a eficácia de programas para a primeira infância esteja estreitamente associada a cada um desses benefícios, programas ineficazes podem, na prática, ter impacto negativo sobre o desempenho acadêmico da criança. Programas de educação infantil eficazes levam em consideração os múltiplos fatores que influenciam o sucesso escolar da criança, incluindo pais, professores, o contexto familiar e de sala de aula. Foi constatado de forma consistente que programas que fornecem apoio às duas gerações – incluindo a criança e os pais/cuidadores – estão associados ao sucesso escolar. Estratégias específicas, como inclusão dos pais, leitura dialógicas e visitas domiciliares, são bastante eficazes no apoio às habilidades parentais, favorecendo a sensibilidade dos pais e as práticas disciplinares e melhorando o ambiente de aprendizagem em casa. Aparentemente, os programas para a primeira infância mais eficazes no apoio ao desenvolvimento da linguagem e da alfabetização, e que fornecem as habilidades básicas essenciais para o sucesso escolar, são aqueles que fornecem um ambiente de aprendizagem rico em termos linguísticos, são explicitamente centrados no desenvolvimento da alfabetização emergente, encorajam um discurso estimulante em termos cognitivos e oferecem instrução para alfabetização emergente ajustada às necessidades das crianças. As habilidades fundamentais para o sucesso escolar incluem o conhecimento de letras e das relações letras-sons, a consciência fonológica, conceitos básicos de matemática, leitura e escrita emergentes e uma compreensão dos objetivos da leitura, da escrita e da matemática. Novas pesquisas indicam que favorecer as habilidades de autorregulação da criança pode fornecer outra estratégia importante para seu sucesso escolar. De modo geral, programas eficazes de educação e cuidados na primeira infância constituem um dos meios mais poderosos para apoiar as famílias e suas crianças no caminho para o sucesso acadêmico e para a conclusão escolar.

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Para citar este artigo:

Connor CM, Morrison FJ. Serviços ou programas que influenciam o sucesso acadêmico e a conclusão escolar de crianças pequenas . Em: Tremblay RE, Boivin M, Peters RDeV, eds. Vitaro F, ed. tema. Enciclopédia sobre o Desenvolvimento na Primeira Infância [on-line]. https://www.enciclopedia-crianca.com/sucesso-escolaracademico/segundo-especialistas/servicos-ou-programas-que-influenciam-o-sucesso. Atualizada: Janeiro 2006 (Inglês). Consultado em 19 de abril de 2024.

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