Consumo de tabaco durante a gravidez e seu impacto sobre o desenvolvimento psicossocial da criança


Emory University, EUA
, Ed. rev. (Inglês). Tradução: julho 2012

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Introdução

Há um conjunto crescente de artigos sugerindo que o tabagismo materno durante a gravidez pode ter efeitos negativos específicos sobre o futuro comportamento da criança.1-5 Dada a constatação de que metade das mulheres fumantes continuará a fumar durante a gravidez,6 essas associações entre tabaco e comportamento podem ter implicações duradouras sobre o desenvolvimento e a saúde mental das crianças.

Do que se trata

Os estudos têm relacionado o consumo materno de tabaco durante a gravidez a uma série de desfechos adversos sobre a saúde. O tabagismo materno pré-natal foi associado, por exemplo, a baixo peso ao nascer, isquemia crônica, hipoxia, hipertonia, aumento de tremores e aumento de respostas de sobressalto em bebês.6-9 Recentemente foi sugerido que os efeitos deletérios do tabagismo materno pré-natal sobre o desenvolvimento da criança podem estender-se também ao âmbito psicossocial. Este relato faz uma revisão sobre as evidências de conexão entre o tabagismo materno e o desenvolvimento psicossocial da criança e discute as implicações relevantes para intervenções e políticas de saúde pública.

Problemas

O estudo sobre o tabagismo materno e seus efeitos sobre os desfechos comportamentais ou psicossociais das crianças está repleto de problemas metodológicos. A preocupação metodológica mais séria refere-se à dificuldade de estabelecer um nexo causal, dado o papel potencial de fatores de confusão nesse processo.10 A pesquisa nesta área é quase-experimental. Por razões éticas óbvias, as mulheres não podem ser aleatoriamente designadas a fumar ou não fumar durante a gravidez. Entretanto, os fatores tipicamente identificados em mulheres que fumam diferem dos identificados em mulheres que não fumam em diversas áreas, incluindo histórico de comportamento antissocial na infância, status socioeconômico, saúde mental, traços de personalidade, estilos de cuidado parental e exposição a eventos vitais estressantes. Esses fatores, por sua vez, estão associados a riscos maiores de desenvolvimento psicossocial infantil problemático. Entretanto, nenhum estudo foi capaz de controlar todos estes possíveis fatores de confusão. Uma outra preocupação metodológica refere-se à utilização corriqueira de relatos retrospectivos em vez de prospectivos sobre o tabagismo materno. A descoberta recente de que relatos maternos espontâneos sobre tabagismo durante a gravidez estão altamente correlacionados com medidas bioquímicas diretas11 reduz a preocupação quanto ao uso exclusivo de autorrelatos sobre tabagismo materno nesta área de pesquisa.

Contexto de pesquisa

O tabagismo materno pré-natal e sua relação com os desfechos psicossociais da criança foram examinados tanto em estudos transversais como em estudos longitudinais, tanto em amostras clínicas como em amostras da comunidade. Os estudos com animais examinaram o efeito da exposição à nicotina sobre desfechos comportamentais e funcionamento do cérebro.12 Um trabalho mais recente com populações humanas examinou desfechos do tabagismo materno pré-natal sobre jovens adultos, particularmente quanto a atividades criminosas persistentes e violentas.13,14 Uma hipótese sugere que déficits neurobiológicos eram mediados pelos efeitos do tabagismo materno pré-natal em jovens com problemas comportamentais e em adultos criminosos, porém nenhuma pesquisa com seres humanos investigou ou testou diretamente este modelo hipotético de mediação. 

Questões-chave de pesquisa 

As questões-chave de pesquisa nesta área são as seguintes:

  1. O tabagismo materno durante a gravidez está associado a desfechos comportamentais deletérios na juventude? E, se for assim:
  2. Essa associação pode ser explicada por possíveis fatores metodológicos de confusão? E, em caso contrário: 
  3. Esses riscos são específicos para desfechos comportamentais em particular? 
  4. Esses riscos são moderados por outros fatores como a genética, o gênero da criança ou o contexto ambiental de desenvolvimento?

Resultados de pesquisas recentes 

O tabagismo materno pré-natal foi associado a aumento do risco de desfechos como Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade, comportamento desafiador, distúrbios de conduta e abuso de drogas na juventude.3,5,15,16 Evidências de estudos com gêmeos sugerem que a relação entre o tabagismo materno durante a gravidez e problemas de comportamento da criança não pode ser totalmente atribuída a influências genéticas.17,18 Além disso, o controle estatístico de uma variedade de fatores de confusão – entre os quais criminalidade paterna/materna, saúde mental materna, comportamento paterno/materno, status socioeconômico, exposição pré-natal a drogas e ao álcool e outras complicações perinatais – não mudam o padrão geral de resultados. Entretanto, dois estudos recentes sugerem que um histórico materno de problemas de conduta na infância não apenas está fortemente relacionado à persistência do tabagismo durante a gravidez,19 mas também é um fator de confusão negligenciado, porém significativo, para a relação entre tabagismo pré-natal e comportamento infantil agressivo subsequente.17 

Os efeitos do tabagismo materno pré-natal parecem ser específicos para comportamentos externalizados ou representados: não parece haver uma associação entre o tabagismo materno pré-natal e um risco aumentado de problemas internalizados como a depressão.20 Além disso, o gênero parece moderar os efeitos do tabagismo materno pré-natal quanto aos desfechos psicossociais da criança. Esses resultados são, especificamente, mais fortes entre os homens em termos de distúrbios de conduta, e mais fortes nas mulheres quanto a abuso de drogas.16,21 Foi demonstrado também que o contexto familiar modera o efeito do tabagismo materno pré-natal sobre as consequências para a criança.22 Embora até o momento nenhum estudo tenha examinado se determinados fatores genéticos moderam a associação entre o tabagismo materno pré-natal e os desfechos subsequentes da criança, um estudo recente destacou que fatores genéticos moderam o efeito do tabagismo materno pré-natal sobre o peso do bebê ao nascer,23 sugerindo que esta pode ser uma área promissora para pesquisas futuras. 

Conclusões 

Há vários mecanismos ou explicações possíveis para a relação observada entre o tabagismo materno pré-natal e problemas comportamentais dos filhos. Uma explicação possível é que existem fatores potenciais de confusão, ambientais ou genéticos, mas ainda não foram adequadamente abordados ou controlados pelos estudos. Por exemplo, um fator de confusão potencial de difícil controle é o efeito teratogênico do uso materno de álcool ou de drogas ilícitas durante a gravidez. Embora muitos estudos que controlaram estatisticamente esses fatores tenham estabelecido que eles não explicam os efeitos do tabagismo materno pré-natal sobre os desfechos da criança,3,24 todos esses estudos basearam-se exclusivamente em auto-relatos sobre uso de drogas pela mãe. Devido a preocupações com a aceitabilidade social, essas medidas podem não ter validade e, muito provavelmente, refletem um sub-registro. 

Alternativamente, o tabagismo materno pré-natal pode servir como um marcador para outros efeitos ambientais que aumentam o risco de problemas externalizados nas crianças. O tabagismo materno pré-natal pode, por exemplo, ser um indicador de um estilo de cuidado parental passivo, negligente. Pode não refletir abuso ou hostilidade parental explícita, mas sim uma sutil ruptura no relacionamento pais/criança, que é difícil de ser quantificada por meio de questionários ou de observações em curto prazo, mas que, não obstante, aumenta os riscos de problemas externalizados pela criança. O tabagismo materno pré-natal pode desencadear um encadeamento de fatores biológicos e ambientais transacionais que atuam conjuntamente para aumentar o risco de desenvolvimento infantil deletério. Nossa compreensão desse processo transacional é, até o momento, rudimentar.

Implicações 

Nem todas as crianças cujas mães fumaram durante a gravidez manifestarão desfechos deletérios de comportamento ou de desenvolvimento. Estudos futuros objetivando determinar os fatores potencialmente preventivos desse processo seriam úteis para o planejamento de programas efetivos de prevenção e intervenção. Uma abordagem de saúde pública pede estratégias de prevenção e intervenção delineadas para reduzir os fatores de risco já conhecidos para esses desfechos psicossociais deletérios em crianças. O tabagismo materno pré-natal é um fator de risco perinatal relativamente modificável. Programas para abandonar o tabagismo para mulheres grávidas25 – até mesmo intervenções leves de aconselhamento por clínicos gerais26 – mostraram-se capazes de reduzir ou eliminar o tabagismo materno durante a gravidez. Um exame dos perfis comportamentais das crianças cujas mães completaram com sucesso esses programas ajudaria a fornecer evidências experimentais importantes a respeito do papel potencialmente causal do tabagismo materno pré-natal em problemas comportamentais das crianças.

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Para citar este artigo:

Brennan P. Consumo de tabaco durante a gravidez e seu impacto sobre o desenvolvimento psicossocial da criança . Em: Tremblay RE, Boivin M, Peters RDeV, eds. Wakschlag LS, ed. tema. Enciclopédia sobre o Desenvolvimento na Primeira Infância [on-line]. https://www.enciclopedia-crianca.com/tabagismo-e-gravidez/segundo-especialistas/consumo-de-tabaco-durante-gravidez-e-seu-impacto-sobre-o. Atualizada: Setembro 2005 (Inglês). Consultado em 19 de abril de 2024.

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