Maturação do cérebro dos recém-nascidos e dos bebês


1ScientificComputing and Imaging Institute (SCI), University of Utah, EUA 2Departments of Psychiatry and Radiology, University of North Carolina, EUA
(Inglês). Tradução: agosto 2013

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Introdução

Nos últimos anos, deu-se muita atenção aos estudos de imagens relativas ao desenvolvimento humano na primeira infância, uma vez que as melhorias dos métodos de modelagem permitem uma compreensão mais clara da origem, da cronologia e da natureza dos diferentes transtornos neurodesenvolvimentais. A imagiologia por ressonância magnética (IRM) não invasiva pode fornecer imagens tridimensionais do cérebro do bebê em menos de 20 minutos, assim como detalhes e contrastes da anatomia do cérebro, das estruturas corticais e subcorticais e da conectividade do cérebro jamais obtidos antes.1,2,3 Repetindo a IRM em diferentes etapas do desenvolvimento, por exemplo uma vez por ano após o nascimento, permite aos cientistas estudar a trajetória do crescimento do cérebro e comparar as trajetórias individuais de crescimento com os modelos normativos. Essas comparações se tornaram bastante relevantes na medicina personalizada, onde o diagnóstico precoce constitui um elemento crucial para decidir o momento da intervenção e os tipos de terapias a aplicar.

Do que se trata

As questões de pesquisa clínica relativas à neuroimagiologia pediátrica se concentram em uma melhor compreensão da variabilidade e da plasticidade do desenvolvimento precoce, bem como nas diferenças entre as trajetórias de crescimento típicas e atípicas. Da mesma forma, outras questões são também essenciais para o atendimento dos pacientes: atrasos de maturação, crescimento acelerado, desenvolvimento atípico eventualmente alcançando trajetórias típicas, possíveis efeitos em diferentes momentos da maturação do cérebro, melhor compreensão dos processos desenvolvimentais levando-se em conta os riscos de doença mental e as possibilidades de diagnóstico precoce. Finalmente, uma melhor compreensão dos processos dinâmicos de desenvolvimento do cérebro em crianças doentes e saudáveis levará a melhores cuidados preventivos e mais opções de tratamento.

Problemas

A utilização da neuroimagiologia em bebês apresenta múltiplos desafios relativos à preparação dos sujeitos para a imagem e à escolha dos parâmetros ótimos de escaneamento, considerando as grandes limitações impostas pelo menor tempo possível de exposição (de preferência de 15 a 20 minutos). Em regra geral, os bebês não são sedados para os estudos sobre o desenvolvimento precoce do cérebro, de modo que uma preparação ótima dos sujeitos e dos pais é essencial para conseguir imagens de alta qualidade que não sejam alteradas pelos movimentos do sujeito.

A análise das imagens trata de extrair informações quantitativas a partir dos dados fornecidos pelas imagens, incluindo medições do volume do cérebro e do líquido cefalorraquidiano, mas também medições mais detalhadas das estruturas subcorticais e das áreas corticais localizadas. Por causa das grandes diferenças de formas e tamanhos dos cérebros e das propriedades de contraste do tecido cerebral entre os bebês, os laboratórios de pesquisa desenvolveram programas de análise especializados4,5,6 para levar em conta as mudanças regionais de contraste nos cérebros em rápido crescimento.

Contexto da pesquisa

A IRM de ponta e as possibilidades de tratamento das imagens permitiram aperfeiçoar os estudos de visualização relativos à análise do cérebro dos bebês e aprofundar nossa compreensão do crescimento do cérebro na primeira infância.7 Os dados quantitativos detalhados sobre o crescimento individual das estruturas e da conectividade do cérebro, obtidas por escaneamentos cerebrais rápidos e não invasivos, vão beneficiar um diagnóstico precoce e uma tomada de decisão quanto a intervenções precoces e à orientação dos pacientes, permitir uma melhor comparação entre grupos de bebês saudáveis e de bebês sofrendo de transtornos psiquiátricos ou de doenças neurológicas. De modo que a neuroimagiologia tornou-se uma nova ferramenta para fornecer medições in vivo de propriedades anatômicas e funcionais detalhadas ao longo dos primeiros anos do desenvolvimento do cérebro humano, informações que até agora somente puderam ser conseguidas por estudos de cérebros post-mortem. Mais importante ainda, o fato de poder obter imagens do cérebro dos sujeitos individuais ao longo do tempo fornece trajetórias de medições do cérebro clinicamente relevantes. Trata-se também de um desenvolvimento bem recente que possibilita novas pesquisas clínicas para estudar o processo dinâmico do desenvolvimento precoce.

Perguntas-chave para a pesquisa

Uma das perguntas-chave sobre o progresso da ciência da IRM diz respeito à maneira de aplicar estatísticas às informações das imagens, que é o campo da anatomia computacional. Ainda que saibamos como analisar e comparar medições padronizadas (por exemplo, altura, peso, circunferência da cabeça) e como calcular uma regressão longitudinal para prever a mudança dessas características ao longo do tempo, aplicar estatísticas semelhantes às informações das imagens requer esforços de pesquisa significativos. Os sucessos iniciais foram conseguidos graças a conceitos inovadores que permitem calcular uma imagem tridimensional média a partir de um grupo de dados de imagens8 e de extrapolá-la em diferentes idades por regressão,9 resultando em um modelo contínuo de imagens do cérebro em função da idade. Da mesma maneira, uma regressão longitudinal sobre formas de estruturas do cérebro mostrou como quantificar um crescimento demorado ou acelerado.10

Essas pesquisas são essenciais para responder as perguntas sobre o desenvolvimento do cérebro dos bebês saudáveis e sobre desvios no desenvolvimento em caso de doença. Novas metodologias permitindo examinar as mudanças na anatomia do cérebro e na conectividade da substância branca possibilitaram estudar a maturação da substância branca do cérebro através de análises longitudinais dos tratos fibrosos, estruturas fortemente correlacionadas com o desenvolvimento da função cognitiva.11 

Resultados recentes da pesquisa

Um estudo realizado com 84 crianças com idade entre duas e quatro semanas, 35 crianças de um ano e 26 crianças de dois anos12 mostrou que o volume total do cérebro aumentou em 101% ao longo do primeiro ano, e em 15% no decorrer do segundo ano. A maior parte desse aumento ao longo do primeiro ano foi atribuída à substância cinzenta (149%) e, em menor medida, à substância branca (11%). O volume do cerebelo aumentou em 240% durante o primeiro ano, enquanto que os hemisférios cerebrais aumentaram em 90%. Esse tipo de análise descritiva do crescimento registrado no primeiro e no segundo ano de vida melhorou consideravelmente o conhecimento da cronologia e das taxas de crescimento das estruturas do cérebro que são intimamente ligadas à função cerebral cognitiva.

Em uma análise similar por neuroimagiologia de recém-nascidos, incluindo gêmeos monozigóticos (MZ) e dizigóticos (DZ), os pesquisadores encontraram diferenças significativas de volume intracraniano entre grupos nas imagens IRM de recém-nascidos, os gêmeos DZ apresentando uma diferença muito maior que os gêmeos MZ.13 Uma modelagem por equação estrutural foi utilizada para avaliar os efeitos genéticos adicionais, de ambiente comum e de ambiente único, sobre a estrutura do cérebro.14 A hereditariedade encontrada para o volume intracraniano foi de 0,73, a da substância branca sendo maior (0,85) que aquela da substância cinzenta (0,56). Comparando esses estudos com os estudos existentes sobre crianças mais velhas, podemos começar a responder as perguntas relativas à influência do ambiente sobre as trajetórias de crescimento do cérebro dos bebês.

Levando em conta fatores de risco de doença mental, os pesquisadores descobriram que uma ventriculomegalia pré-natal branda pode prenunciar um desenvolvimento precoce anormal do cérebro em recém-nascidos15 e constituir um sintoma de transtornos neuropsiquiátricos associados ao aumento dos ventrículos. Um estudo semelhante foi realizado durante os períodos pré-natal e neonatal para identificar anomalias cerebrais estruturais associadas aos riscos genéticos de esquizofrenia.16 Os resultados não mostraram anomalias importantes em recém-nascidos de risco, sugerindo que as anomalias cerebrais estruturais aparecem durante o desenvolvimento pós-natal do cérebro.

Esses estudos mostram a importância da neuroimagiologia e da análise de imagens para avaliar as diferenças no desenvolvimento do cérebro entre faixas etárias específicas, bem como a necessidade de estender a análise longitudinal de dados aos estudos transversais. Esse tipo de análise inclui informações sobre o desenvolvimento precoce de sujeitos individuais.

Lacunas da pesquisa

Enquanto que o progresso em neuroimagiologia avançada e em metodologia de análise das imagens avança rapidamente, ainda existem grandes lacunas na compreensão da relação entre as informações das imagens observadas e a neurobiologia e o funcionamento subjacente do cérebro. Os pesquisadores conseguem fazer mais medições e fornecer mais dados do que podemos atualmente entender, e são necessárias novas metodologias bioinformáticas e estatísticas para compreender melhor quais informações são mais relevantes para cuidar dos pacientes. Essas medições incluem informações muito heterogêneas como dados de imagens, informações genéticas, observações comportamentais, antecedentes familiares, análises de sangue, e muito mais. Essa abundância de informações cria uma lacuna muito grande entre os progressos tecnológicos na coleta de dados e nossa capacidade de interpretação e de compreensão dessas mesmas informações.

Conclusões

A comunidade científica vê progressos relevantes na tecnologia da neuroimagiologia relativa aos estudos sobre o desenvolvimento do cérebro. Enquanto que os primeiros esforços de pesquisa visavam melhorar as imagens para a faixa etária correspondendo aos primeiros anos de vida, as pesquisas atuais se concentram mais nos aspectos longitudinais do crescimento precoce do cérebro. Imagens repetidas ao longo da faixa etária de interesse só se tornaram possíveis com as novas tecnologias de escaneamento, que fornecem imagens não invasivas em curtos espaços de tempo e aumentam a resolução espacial e o contraste. O fato de poder obter trajetórias de crescimento do cérebro, além de permitir avaliações cognitivas regulares, permitirá que os clínicos tenham uma melhor compreensão da maturação individual do cérebro. Uma comparação entre trajetórias de crescimento individuais é muito diferente de uma avaliação transversal em momentos específicos, uma vez que a análise longitudinal de dados inclui naturalmente a correlação entre medições repetidas e permite assim preservar as mudanças temporais sutis versus a variabilidade transversal. 

Implicações para os pais, os serviços e as políticas

Os progressos nas técnicas de neuroimagiologia pediátrica e a análise de imagens associada vão melhorar nossa compreensão do desenvolvimento saudável e dos eventuais riscos de doença mental e de transtorno cerebral. Há muita esperança que essas informações adicionais conduzirão a um diagnóstico precoce mais acertado, para que uma intervenção terapêutica ótima possa ser aplicada o mais cedo possível, no intuito de alinhar um percurso de desenvolvimento eventualmente atípico com uma trajetória típica. Por exemplo, a pesquisa sobre o autismo17,18 constitui um dos principais campos de pesquisa clínica no qual estão sendo envidados grandes esforços para estudar o desenvolvimento precoce do cérebro. Acompanhando a prática da medicina personalizada, planos de tratamento individuais podem ser elaborados para atender o paciente da melhor maneira possível. Por isso, a neuroimagiologia não invasiva vai se tornar um instrumento importante para coletar informações valiosas sobre a variabilidade do desenvolvimento do cérebro humano, avaliar padrões individuais de crescimento e, talvez, estabelecer correlações estruturais com períodos críticos do desenvolvimento cognitivo humano. Por fim, um diagnóstico e uma intervenção precoces podem, com um pouco de sorte, levar a uma melhoria no atendimento dos pacientes, uma prevenção bem-sucedida e uma redução dos custos relativos aos atendimentos em saúde.

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Para citar este artigo:

Gerig G, Gilmore JH, Lin W. Maturação do cérebro dos recém-nascidos e dos bebês. Em: Tremblay RE, Boivin M, Peters RDeV, eds. Paus T, ed. tema. Enciclopédia sobre o Desenvolvimento na Primeira Infância [on-line]. https://www.enciclopedia-crianca.com/cerebro/segundo-especialistas/maturacao-do-cerebro-dos-recem-nascidos-e-dos-bebes. Publicado: Maio 2011 (Inglês). Consultado em 18 de abril de 2024.

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