Os conceitos e as competências de base vinculados aos números (aprendizado dos números) surgem geralmente antes da entrada na escola e constituem o fundamento do futuro aprendizado das matemáticas. As diferenças individuais entre as crianças de idade pré-escolar em relação a esses conceitos e competências predizem, frequentemente, seu sucesso escolar no ensino fundamental (educação primária).

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Síntese

Editor do Tema: Jeff Bisanz, PhD, University of Alberta, Canadá 

Tema financiado por:

CONASS - Conselho Nacional de Secretários de Saúde - Brasil

Qual é sua importância?

Às vezes, a numeracia é definida como a compreensão de como os números representam grandezas específicas. Essa compreensão se traduz em uma variedade de habilidades e de conhecimentos (por exemplo, saber contar, fazer a distinção entre conjuntos com quantidades diferentes, fazer operações como somas e subtrações), de modo que a palavra “numeracia” é muitas vezes utilizada para se referir a uma ampla gama de conceitos e de habilidades relacionados a números. Em geral, essas habilidades aparecem sob uma forma qualquer muito antes da entrada na escola. A ideia de expor as crianças pequenas ao ensino da matemática na primeira infância (EMPI) existe há mais de um século, porém as discussões atuais giram em torno dos objetivos do ensino precoce das operações numéricas e dos métodos a utilizar para alcançar esses objetivos. O aprendizado precoce da matemática pode e deve fazer parte integrante das atividades diárias das crianças por meio de contatos com motivos geométricos, quantidades e espaços. Oferecer às crianças muitas oportunidades, adaptadas a seu desenvolvimento, para exercer suas competências em matemática pode fortalecer a ligação entre as habilidades precoces das crianças em matemática e a aquisição de conhecimentos em matemática na escola. Infelizmente, nem todas as crianças têm as mesmas oportunidades para exercer essas competências, daí a importância do EMPI. As pesquisas sobre a numeracia e as habilidades precoces em matemática desempenham um papel importante na elaboração do programa e dos objetivos do EMPI.

As dificuldades em matemática são relativamente comuns nas crianças em idade escolar. Quase 1 criança em 10 receberá um diagnóstico de distúrbio de aprendizado relativo à matemática ao longo de sua escolaridade. Uma das formas mais graves é a discalculia desenvolvimental, que se refere à incapacidade de contar ou de somar os elementos de um conjunto e de distinguir os números uns dos outros.

O que sabemos?

Os conhecimentos básicos em matemática aparecem na primeira infância. Aos 6 meses, os bebês são capazes de perceber a diferença entre pequenos conjuntos de elementos com quantidades diferentes (conjuntos de dois e três elementos) e até conseguem fazer a distinção entre quantidades maiores, desde que a razão entre os dois conjuntos seja grande o bastante (por exemplo, entre 16 e 32, mas não entre 8 e 12). Essas representações pré-verbais se tornam mais apuradas com o tempo e constituem os fundamentos, embora insuficientes, de seu futuro aprendizado da matemática.

Uma das realizações relativas à numeracia é a aquisição do domínio das operações. O domínio das operações se refere ao conhecimento necessário para fazer somas e subtrações de forma flexível, oportuna e precisa. Até os 3 anos, as crianças pequenas adquirem progressivamente as competências necessárias para dominar as operações, muitas vezes começando por números intuitivos (por exemplo, saber o significado de um, dois e três), ficando aos poucos capazes de perceber que, por exemplo, qualquer conjunto de três elementos tem mais elementos que um conjunto de dois elementos.

À medida que vão crescendo, as crianças desenvolvem mais habilidades com os números. Aos três anos, elas começam a serem capazes de realizar tarefas não verbais com os objetos, como compreender o processo de adição e de subtração, e de avaliar que um conjunto tem mais elementos que outro. Embora as crianças em idade pré-escolar possam associar conjuntos de dois, três e quatro elementos se os objetos tiverem um tamanho ou uma forma semelhante, elas ainda têm dificuldades quando os objetos são muito diferentes (por exemplo, combinar duas miniaturas de animais e dois pontos pretos). As crianças em idade pré-escolar são também propensas a se deixar facilmente distrair pelas características superficiais do conjunto (por exemplo, achar que um conjunto tem mais elementos que outro de mesmo tamanho porque os elementos estão colocados em uma fila maior). Pesquisas estão sendo realizadas para determinar como os conhecimentos relativos a quantidades na primeira infância estão ligados às habilidades numéricas na idade pré-escolar e ao sucesso posterior na escola.

Embora a maioria das crianças seja naturalmente capaz de descobrir conceitos matemáticos, as experiências ambientais e culturais desempenham um papel importante na promoção de seus conhecimentos sobre números. Por exemplo, a aquisição da linguagem permite à criança resolver problemas verbais e desenvolver sua percepção dos números (por exemplo, compreender os números cardinais, o número total de elementos em um conjunto). As crianças que não tiveram experiências precoces com os números tendem a ficar para trás em relação a seus pares. Por exemplo, as crianças de famílias de baixa renda tendem a ter poucas competências para operações numéricas na primeira infância e essas deficiências se traduzem mais tarde na escola por dificuldades em matemática. O desempenho em matéria de problemas numéricos e os tipos de estratégias cognitivas utilizadas pelas crianças variam muito de uma criança para outra. Até a série de respostas de uma mesma criança pode variar muito de um teste para outro.

É importante promover o desenvolvimento das competências para operações numéricas na primeira infância, devido a sua relação com a preparação das crianças em matemática na hora de sua entrada na escola e depois. As crianças em idade pré-escolar capazes de contar, dar o nome dos números e fazer a distinção entre diferentes quantidades tendem a se sair melhor nas tarefas numéricas na pré-escola. Além disso, as boas habilidades numéricas das crianças predizem o sucesso escolar posterior, até mais que as competências de leitura, de concentração e as habilidades sócio emocionais.

O que pode ser feito?

Levando em conta as aptidões naturais das crianças no tocante ao aprendizado dos números, deve-se estimulá-las a explorar e praticar livremente suas habilidades em uma variedade de atividades não estruturadas. Essas experiências de aprendizado devem ser prazerosas e apropriadas ao desenvolvimento, para que as crianças continuem praticando essas atividades e não fiquem desestimuladas. Os jogos de tabuleiro e outras atividades envolvendo experiências com números podem ajudar as crianças a desenvolver suas competências com operações numéricas. Materiais como cubos, quebra-cabeças e formas estimulam também o desenvolvimento da numeracia.

Os pais podem também estimular o desenvolvimento das habilidades numéricas de seus filhos elaborando experiências enriquecedoras com números dentro de um contexto apropriado (por exemplo, perguntar à criança quantos pés ela tem e utilizar sua resposta para lhe explicar por que ela precisa de dois sapatos e não apenas um). Os pais e professores devem também oferecer momentos educativos espontâneos que incentivam as crianças a pensar em números e a falar deles. Os números podem ser introduzidos em várias áreas, incluindo as brincadeiras (jogos de dados), a arte (desenhar certa quantidade de estrelinhas) e a música (manter um ritmo de duas ou três batidas).

Enxergar as coisas do ponto de vista das crianças e entender que sua interpretação dos problemas matemáticos é diferente daquela dos adultos constituem também aspectos importantes de uma educação eficiente. Os professores devem entender que a aquisição de competências para as operações numéricas segue um processo desenvolvimental e que, portanto, as atividades numéricas devem ser elaboradas em consequência. Para otimizar as intervenções focadas nas operações numéricas, é preciso fazer uma detecção logo na pré-escola para assegurar-se de que as crianças sejam capazes de reconhecer a quantidade de objetos em um pequeno conjunto (2 ou 3 objetos) e de fazer a distinção entre esses conjuntos e conjuntos maiores (4 ou 5 objetos).

As intervenções precoces em matemática têm implicações importantes para a preparação para a escola. Um programa de EMPI bem-sucedido inclui um ambiente estimulante com objetos e brinquedos que incentivem o raciocino matemático (por exemplo, com cubos e quebra-cabeças), oportunidades de brincadeiras onde as crianças podem desenvolver e ampliar suas habilidades matemáticas naturais, e momentos reservados ao ensino onde os educadores da pré-escola fazem perguntas a respeito das descobertas matemáticas das crianças.

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Leitura adicional

Como as crianças pequenas fazem o aprendizado dos números?

As competências no aprendizado dos números emergem ao longo da infância e dos anos pré-escolares, quando as crianças são expostas a diferentes relações quantitativas e espaciais em suas atividades cotidianas. 

  • Aos 6 meses, os bebês podem, geralmente, detectar a diferença entre os conjuntos de objetos de quantidades variadas (por exemplo, um recipiente com dois cubos e um recipiente com três cubos) e eles podem até fazer essa distinção entre grupos mais numerosos de objetos, se a proporção entre os dois conjuntos for suficientemente grande (por exemplo, entre 16 e 32). 
  • As crianças pequenas assimilam gradualmente o nome dos números ao desenvolver sua linguagem. Desde a idade de 3 anos, inúmeras crianças já memorizaram os números de 1 a 10 e começam a contar grupos pequenos de objeto com sucesso. 
  • Por volta dos 6 anos, as crianças aprendem a contar os números de cada dezena (ou seja, de 10 a 19, de 20 a 29, etc.), entendem o significado dos números, aprendem a contar conjuntos de objetos cada vez maiores, entendem que o último número contado corresponde ao número de objetos de um conjunto e compreendem como adicionar e subtrair. 

Muitas crianças em idade escolar têm problemas em aprender os conceitos e as competências matemáticas. Entender o desenvolvimento precoce do aprendizado dos números pode fornecer às educadoras da creche e aos professores as ferramentas necessárias para cultivar o raciocínio matemático. 

Publicações

Conhecimento numérico na primeira infância

Habilidades iniciais em operações com números: a transição dos primeiros meses de vida até a primeira infância

Trajetórias de aprendizado da matemática na primeira infância: sequências de aquisição e de ensino