Socialização de pares de gênero em meninos e meninas mais jovens


T. Denny Sanford School of Social and Family Dynamics, Arizona State University, EUA

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Introdução

Por volta dos 3 anos de idade, as crianças já começaram a formar sua identidade de gênero.1 Em outras palavras, elas têm consciência do fato de que são meninos ou meninas e que existem certos interesses, comportamentos, atividades e brinquedos que são desempenhados ou preferidos por meninos e meninas. As diferenças de comportamentos e padrões interativos de gênero das crianças também começam a se tornar aparentes nessa idade. Por exemplo, os meninos são mais ativos, físicos e brincam em espaços maiores do que as meninas. Em contraste, as meninas são mais dóceis, sociáveis e brincam mais perto dos adultos do que os meninos.2 Uma forma importante pela qual as crianças aprendem sobre papeis de gênero e desenvolvem comportamentos e atitudes tipificadas por gênero é através das interações com seus pares.3

Problemas

À medida que as crianças passam tempo com outras crianças, elas se tornam mais parecidas entre si. Com o tempo, as crianças que são amigas tendem a se tornam muito mais parecidas entre si do que se poderia prever se estivessem sozinhas. Isso é verdade em relação ao desenvolvimento de gênero –as crianças que se comportam em conformidade com o gênero se tornam mais parecidas com aquelas com quem passam seu tempo.4 Utilizou-se dois processos para explicar essa similaridade. Primeiramente, as crianças preferem brincar com pares que lhe são similares. Assim, as meninas podem selecionar outras meninas porque compartilham interesses e atividades similares. Em segundo lugar, as crianças podem se tornar similares aos seus amigos devido à influência, ou à tendência dos comportamentos e interesses distribuídos através de vínculos sociais ao longo do tempo. A distinção entre a seleção e os efeitos da influência exige a identificação exata de quem são os companheiros de brincadeiras das crianças e de como suas interações com seus pares afetam seu comportamento e desenvolvimento. Isso não é fácil, porque precisamos de dados longitudinais detalhados sobre os relacionamentos sociais e as características individuais – algo muito trabalhoso, caro e difícil de obter.

Principais questões de estudo

Há diversas questões importantes de pesquisa nessa área. Elas são:

  1. Como as crianças socializam os comportamentos em meninas e meninos? O que as crianças fazem para encorajar ou desencorajar o comportamento conforme o gênero?
  2. O que torna as crianças suscetíveis à socialização de pares de gênero?
  3. Quais são os benefícios e os custos da socialização de pares de gênero?

Resultados de pesquisas

Desde a primeira infância, as crianças se interessam pelos seus pares, reagem a eles, e formam relacionamentos importantes com eles.5 À medida que as crianças passam mais tempo interagindo com seus pares, elas têm oportunidades de se socializar mutuamente, incentivando ou desencorajando comportamentos específicos, moldando ou criando normas que orientam os comportamentos das crianças. O gênero é notável para as próprias identidades e percepções mútuas das crianças pequenas e elas socializam entre si os comportamentos orientados por gênero. Isso pode acontecer de forma direta. Por exemplo, uma criança pode dizer a outra criança que uma atividade específica é apropriada para um gênero ou outro (por exemplo, “as bonecas são para meninas” ou “nenhum menino pode entrar em nosso forte”). Ou, pode ocorrer de forma indireta. Por exemplo, quanto mais tempo as crianças passam com seus pares, mais similares elas se tornam em matéria de interesses, comportamentos e estilos de interação.4

Para ilustrar isso, ao estudar crianças dos EUA, os pesquisadores descobriram que quanto mais tempo os meninos passam brincando com outros meninos, mais ‘parecidos com meninos’ eles se tornam. Ou seja, os meninos que brincam frequentemente com outros meninos se tornam mais ativos, mais dominantes e mais agressivos. De forma similar, as meninas que brincam frequentemente com outras meninas, apresentam comportamentos mais típicos de meninas.6 E isso acontece em um período razoavelmente curto, em apenas alguns meses. Por exemplo, no começo do ano escolar, os pesquisadores observaram poucas e pequenas diferenças no comportamento dos meninos e meninas durante as brincadeiras (idade média = 53 meses). Porém, no final do ano escolar, alguns meses mais tarde, os meninos e as meninas apresentavam diferenças muito maiores e mais tipificadas conforme o gênero em suas atividades de brincadeira e comportamento. Isso foi relacionado ao tempo que as crianças passaram brincando com pares do mesmo sexo: quanto maior a quantidade de brincadeiras realizadas desde o início do ano, mais tipificadas por gênero elas eram no final do ano.6

Os meninos e as meninas passam longos períodos brincando com pares do mesmo sexo e relativamente pouco tempo brincando com pares do sexo oposto.6,7 Esse padrão é conhecido como segregação de gênero.8 A segregação de gênero começa aos 2,5 a 3 anos de idade e aumenta em força e intensidade durante os anos do ensino fundamental.9 Como consequência, as crianças têm mais probabilidade de serem socializadas por pares do mesmo gênero. Isso significa também que os meninos e as meninas têm experiências diferentes e aprendem habilidades, competências e interesses em suas interações com pares do mesmo sexo. Os meninos aprendem como ter um bom relacionamento e brincar eficazmente com outros meninos. Por outro lado, as meninas aprendem como influenciar e brincar colaborando mais com outras meninas.10 Com o tempo, essas preferências por pares do mesmo gênero se tornam mais fortes, aumentando a segregação de gênero e a promoção de comportamentos e interesses tipificados por gênero. Esse ciclo de segregação de gênero torna menos provável que os meninos e meninas interajam e aprendam uns com os outros, e estimula crenças, atitudes e preconceitos estereotipados por gênero sobre o outro sexo e contra ele.11

Lacunas da pesquisa

Ainda sabemos pouco sobre como exatamente os pares socializam os comportamentos das meninas e meninos na primeira infância. Entretanto, sabe-se muito mais sobre a socialização entre pares do mesmo gênero do que sobre como as crianças socializam com pares do gênero oposto. Para compreender como os pares socializam os comportamentos de meninos e meninas pequenos, é possível treinar observadores independentes para determinar quando as crianças estão interagindo umas com as outras, quem está interagindo com quem e o que elas estão fazendo em conjunto.12 Por exemplo, os observadores podem anotar os ambientes ou circunstâncias que facilitaram as interações com os pares, se as crianças brincaram com meninas ou meninos ou ambos e quais foram as meninas e meninos envolvidos. Eles também podem anotar se as crianças estão envolvidas em atividades típicas de gêneros (por exemplo, brincar com bonecas ou carrinhos) ou comportamentos (por exemplo, atividades mais frequentes ao seu gênero, como brincar com bonecas, no caso das meninas, ou com carrinhos, no caso dos meninosou comportamentos tipificados por gênero (por exemplo, comportamentos fisicamente ativos ou calmos), se os pares incentivam ou desencorajam os comportamentos das crianças, e como as crianças respondem às reações de seus pares (por exemplo, aumento ou diminuição do comportamento, discussões, etc.). É necessário realizar estudos longitudinais, nos quais as crianças são observadas e acompanhadas ao longo do tempo, para compreender melhor a socialização de pares de mesmo gênero e de gênero oposto.

Conclusões

Sempre que as crianças se reúnem, criam-se oportunidades para que socializem umas com as outras junto às linhas de gêneros. A pesquisa e as constatações relacionadas à socialização de pares do desenvolvimento de gênero de crianças menores sugerem que os meninos e as meninas crescem  em mundos sociais separados, tendo raramente a chance de aprender sobre os outros e aprender uns com os outros.2,4,8 Além disso, alguns especulam de que essa separação e falta de compreensão é transmitida para os relacionamentos posteriores entre homem-mulher na adolescência e idade adulta.2 Basicamente, as crianças desenvolvem habilidades para interagir com membros de seu próprio gênero, mas as oportunidades para desenvolver habilidades para interagir confortável e eficazmente com o gênero oposto são mais limitadas. A segregação de gênero, tanto motivada por crianças quanto por adultos, pode se tornar problemática, porque as crianças crescem em uma sociedade onde os gêneros estão integrados. As famílias, escolas, ambientes do bairro e locais de trabalho incluem membros de ambos os gêneros. Para serem bem sucedidas em todos os diversos ambientes que conhecerão e viverão, as crianças devem ser capazes de interagir e se relacionar de forma eficaz tanto com indivíduos do sexo masculino como feminino.

Implicações para os Pais, Fornecedores de Serviços e Elaboradores de Políticas

Sugerimos que os pais, os prestadores de serviços e os elaboradores de políticas ajudem as crianças de menor idade a estruturarem e organizarem suas interações com os pares para maximizar os benefícios da socialização de pares. Isso é particularmente importante para as interações com pares do gênero oposto, porque as crianças necessitam de apoio para a compreensão das diferenças de gênero e para se sentirem confortáveis com pares do gênero oposto. Uma maneira de fazer isso é oferecer oportunidades para que as crianças brinquem de forma positiva tanto com meninos como com meninas, em grupos de gêneros mistos. Os grupos de gêneros mistos podem representar um ambiente seguro para aprender sobre as similaridades e diferenças entre os gêneros e para o desenvolvimento de habilidades que permitam que as crianças interajam eficazmente tanto com meninos quanto com meninas.

Também é importante reconhecer que as influências dos pares associadas à segregação de gênero contribuem para as diferenças de gênero nos comportamentos e atitudes das crianças. A separação dos meninos das meninas exagera essas diferenças, mas algumas pessoas não entendem muito bem esse fato. Por exemplo, alguns autores sugerem que os meninos e as meninas são tão diferentes uns dos outros que devem ser ensinados em salas de aula separadas, uma para os meninos e outra para as meninas.13,14 Infelizmente, esses indivíduos não entendem que, em primeiro lugar, é a socialização dos pares dentro dos grupos segregados por gênero que contribui para as diferenças entre meninos e meninas e que a determinação de uma separação entre eles nas salas de aula somente fortalecerá e reforçará os comportamentos e as diferenças tipificadas por gênero.11,15,16 Mais ainda, as salas de aula segregadas por gênero em si não resultam em melhorias no aprendizado e no desempenho.17 Os esforços devem ser dirigidos para encontrar maneiras de aproximar os meninos e as meninas para que eles tenham experiências positivas uns com os outros e desenvolvam uma maior compreensão, apreciação e respeito mútuo.18

Referências

  1. Ruble DN, Martin CL, Berenbaum S. Gender development. In: Damon W, ed. Handbook of child psychology. Vol 3. New York: Wiley; 2006:858-932.
  2. Maccoby EE. The two sexes: Growing up apart, coming together. Cambridge, MA: Belknap Press; 1998.
  3. Fabes RA, Hanish LD, Martin CM. The next 50 years: Considering gender as a context for understanding young children's peer relationships. Merrill-Palmer Quarterly. 2004;50:260-273.
  4. Martin CL, Kornienko O, Schaefer D, Hanish LD, Fabes RA, Goble P. The role of peers and gender-typed activities in young children’ peer affiliative networks: A longitudinal analyses of selection and influence. Child Development. 2013;84:921-937.
  5. Rubin KH, Bukowski WM, Parker JG. Peer interactions, relationships, and groups. In: Damon W, ed. Handbook of child psychology. Vol 3. New York: Wiley; 2006:619-700.
  6. Martin CL, Fabes RA. The stability and consequences of young children’s same-sex peer interactions. Developmental Psychology. 2001;37:431-446.
  7. Fabes RA, Martin CL, Hanish LD. Young children's play qualities in same-, other-, and mixed-sex peer groups. Child Development. 2003;74(3):921-932.
  8. Mehta CM, Strough J. Sex segregation in friendships and normative contexts across the life span. Developmental Review. 2009;29(3):201-220.
  9. Maccoby EE, Jacklin CN. Gender segregation in childhood. In: Reese HW, ed. Advances in child development and behavior. Vol 20. Orlando, FL: Academic Press; 1987:239-287.
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  11. Fabes RA, Martin CL, Hanish LD, Galligan K, Pahlke E. Gender segregated schooling: A problem disguised as a solution. Educational Policy. In press.
  12. Hanish LD, Martin CL, Fabes RA, Leonard S, Herzog M. Exposure to externalizing peers in early childhood: Homophily and peer contagion processes. Journal of Abnormal Child Psychology. 2005;33(3):267-281.
  13. Gurian M, Henley P, Trueman T. Boys and girls learn differently!: A guide for teachers and parents. New York, NY: Jossey-Bass; 2001.
  14. Sax L. Why gender matters: What parents and teachers need to know about the emerging science of sex differences. New York, NY: Doubleday; 2005.
  15. Halpern DF, Eliot L, Bigler RS, et al. The pseudoscience of single-sex schooling. Science. 2011;333:1706-1707.
  16. Galligan KM, Fabes RA, Martin CL, Hanish LD. Gender differences in young children’s play qualities in gender-segregated and gender-integrated peer interactions. Paper presented at: biennial meeting of the Society for Research in Child Development; April, 2011; Montreal, Quebec, Canada.
  17. Bigler RS, Signorella ML. Single-sex education: New perspectives and evidence on a continuing controversy. Sex Roles. 2011;65(9-10):659-669.
  18. Martin CL, Fabes RA, Hanish L, et al. The sanford harmony program: Program description and preliminary findings. Gender Development Research Conference,. San Francisco, CA2012, April.

Para citar este artigo:

Hanish LD, Fabes RA. Socialização de pares de gênero em meninos e meninas mais jovens. Em: Tremblay RE, Boivin M, Peters RDeV, eds. Martin CL, ed. tema. Enciclopédia sobre o Desenvolvimento na Primeira Infância [on-line]. https://www.enciclopedia-crianca.com/genero-socializacao-inicial/segundo-especialistas/socializacao-de-pares-de-genero-em-meninos-e. Publicado: Setembro 2014 (Inglês). Consultado em 24 de abril de 2024.

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