Serviços e programas comprovadamente efetivos na prevenção de maus-tratos na infância e seus impactos sobre o desenvolvimento social e emocional de crianças pequenas (0-5)


University Of Toronto, Canadá
(Inglês). Tradução: julho 2011

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Introdução

Maus-tratos na infância cobram um preço muito alto à sociedade, tanto em termos de sofrimento humano quanto de perdas econômicas. Apenas nos Estados Unidos, os custos de serviços médicos, legais, educacionais e de bem-estar da criança relacionados a maus-tratos são estimados em espantosos US$94 bilhões por ano. Portanto, há um sentimento de urgência quanto à abordagem dessa questão em todos os níveis de prevenção e de intervenção.

Do que se trata

O reconhecimento crescente sobre maus-tratos na infância gerou interesse global em estratégias destinadas à sua documentação e redução de sua incidência. Atualmente, 32 países têm políticas governamentais oficiais relativas a abuso e negligência na infância, e cerca de um terço da população mundial vive em países que realizam um levantamento anual sobre casos de abuso e negligência na infância.2 Esses esforços constituem os primeiros passos críticos para a identificação do alcance do problema, e para justificar a implementação de mudanças sociais, comunitárias e culturais para combatê-lo. 

Problemas

A prestação de serviços adequados de intervenção e de prevenção para famílias que praticam maus-tratos envolve muitas dificuldades: (1) aqueles que mais necessitam desses serviços são os menos propensos a procurar ajuda por iniciativa própria; (2) os perpetradores de maus-tratos chegam à atenção dos profissionais em consequência da preocupação de alguma outra pessoa, em geral depois de já terem violado normas ou leis em vigor; e 3) os pais não querem admitir os problemas por medo de perder os filhos ou de serem acusados de prática criminosa. Apesar desses obstáculos, crianças e jovens que cresceram em meio à violência podem mudar significativamente sua forma de se relacionarem com os outros, principalmente se o tratamento de intervenção for iniciado precocemente.3 

Contexto de pesquisa

A prevenção de maus-tratos na infância é frequentemente estudada no contexto do estresse cotidiano dos cuidados infantis, de pressões geradas pela pobreza, e de expectativas culturais que podem ignorar certos atos de violência contra crianças. Famílias em risco de maus-tratos podem ser encaminhadas aleatoriamente para serviços “padrão” de intervenção, tais como visitas de proteção à criança, ou para uma nova intervenção voltada a questões mais específicas. 

Questões-chave de pesquisa

As questões-chave relativas à prevenção envolvem formas de garantir o desenvolvimento de capacidades positivas de criação dos filhos desde os primeiros anos de vida. Os pesquisadores procuram maneiras de fortalecer a estrutura inicial da relação pais-filhos; melhorar a capacidade dos pais para lidar com estresse, por meio de sua exposição ao sistema de saúde mental ou de assistência social; e fortalecer os comportamentos adaptativos da criança, que contribuirão para seu ajustamento emocional e psicológico subsequente. No entanto, são desafios importantes para os programas de intervenção a identificação e a seleção de objetivos adequados, desejáveis e viáveis, que possam ser alcançados por meio de programas de ação comunitária, esforços de capacitação individual de habilidades e atividades semelhantes.4 

Resultados de pesquisas recentes

Programas de longo alcance que visam à prevenção do abuso na infância concentram-se no aumento da conscientização do público em geral e da compreensão sobre maus-tratos na infância, bem como em maneiras de acessar recursos comunitários importantes. Esses métodos incluem uma variedade de formatos de aplicação, tais como campanhas nos meios de comunicação, serviços baseados no domicílio para as famílias, e redes comunitárias que oferecem apoio e retroalimentação para as famílias. 

As estratégias de prevenção de maus-tratos na infância foram pesquisadas por países membros da International Society for Prevention of Child Abuse and Neglect (Sociedade Internacional para a Prevenção de Abuso e Negligência na Infância).2 Com base em relatórios de 58 países de todas as partes do mundo, acredita-se que as estratégias mais eficazes envolveram educação pública, como campanhas de conscientização e campanhas nos meios de comunicação, para informar o público sobre indícios de abuso e como reagir em caso de suspeita de abuso e negligência na infância; melhorias ambientais para as famílias, como habitação; educação profissionalizante; e aprimoramento dos métodos de identificação de casos, como instrumentos de triagem e comunicação entre agências. 

As intervenções variam desde a utilização de mensagem breves nos meios de comunicação até intervenções intensivas nas famílias, para genitores que apresentam mais fatores de risco e fontes de adversidade.5 Esses esforços frequentemente têm como alvo populações vulneráveis – como genitores solteiros e adolescentes, famílias de nível socioeconômico baixo ou isoladas, e genitores que estão passando por crises –, e visam a oferecer assistência a esses subgrupos nos períodos pré e pós-natal e em momentos de estresse excessivo. 

Nos níveis individual e familiar, a necessidade de apoio, instrução e disponibilização de recursos para novos pais é mais bem-atendida por meio de uma estratégia personalizada de busca ativa das famílias-alvo – como as visitas domiciliares –, que é relativamente adaptável a diferentes culturas e localidades. Para famílias que apresentam problemas múltiplos, as visitas domiciliares oferecem orientação em termos de acesso a serviços, monitoramento e cuidados com a saúde física da criança, melhoria das relações pais-filhos e prevenção de abuso físico e de negligência.

Os programas podem dar assistência a famílias de alto risco identificadas durante períodos de transição, oferecendo ajuda de auxiliares que modelam métodos eficazes de cuidados parentais no lar, oferecendo apoio para a criação dos filhos, e envolvendo visitadores capacitados na área da saúde, que conscientizam os pais sobre a saúde e as necessidades psicológicas de seus filhos.6,7 Em um estudo bem-planejado, realizado 15 anos depois de terminado o programa, os participantes evidenciaram planejamento familiar mais adequado em termos de número de filhos e espaçamento entre nascimentos, menor necessidade de assistência social, menos ocorrências de maus-tratos aos filhos, e menor número de detenções policiais dos filhos na adolescência. Mães que participaram do programa desenvolveram ou mudaram sua compreensão sobre saúde e desenvolvimento infantil, suas expectativas sobre seu próprio desenvolvimento, e suas características pessoais positivas (isto é, sua eficácia pessoal).8 Dados adicionais de acompanhamento revelaram também que os jovens que tinham recebido visitas domiciliares na infância tiveram menos problemas comportamentais precoces na adolescência.9 

O Healthy Families America é outro exemplo promissor de programa de visitas domiciliares que enfatiza a prevenção de abuso na infância no contexto de assistência e apoio a famílias. Esta rede de programas – que atualmente vem sendo avaliada em 29 de seus 270 locais de funcionamento nos EUA – oferece uma avaliação abrangente dos pontos fortes e das necessidades de famílias por ocasião de um nascimento, alcance para construir relações de aceitação e de confiança com os serviços, ensino de habilidades de resolução de problemas, expansão do sistema de apoio e promoção de desenvolvimento infantil saudável e de relações pais-filhos positivas.10

Conclusões

Está evidente que os esforços para a promoção de experiências positivas em um estágio inicial do desenvolvimento de relações pais-filhos são muito promissores para a prevenção de maus-tratos na infância e a redução de suas consequências. Os programas de prevenção de abuso e negligência na infância baseados na comunidade também são considerados altamente promissores, uma vez que atingem mais famílias e visam a atacar os problemas antes que se tornem graves. Programas que oferecem uma abordagem personalizada – como visitas domiciliares por uma pessoa com quem a família já está acostumada – resultam em sucesso considerável na ajuda a famílias e crianças de alto risco, que podem ser elegíveis para esses serviços devido a suas circunstâncias econômicas, condições de vida e fatores semelhantes identificados pelas comunidades locais. Aparentemente, a necessidade dos pais em relação a apoio, instrução sobre cuidados parentais e acesso a recursos é atendida pela característica mais personalizada e pelo alcance da abordagem de visitação domiciliar. O desenvolvimento de programas deve focalizar o provimento de informações facilmente compreensíveis, práticas e acessíveis sobre desenvolvimento infantil e cuidados parentais a todos os pais e mães atuais e potenciais.

Implicações  

No nível mais básico, a prevenção das diversas formas de abuso e negligência na infância deve encorajar a diversidade e a oportunidade de desenvolvimento de recursos singulares para as crianças e os genitores. As influências sociais que desempenham um papel no abuso e na negligência na infância exigem esforços articulados, particularmente em circunstâncias nas quais as famílias estão expostas a efeitos importantes da pobreza, a riscos de saúde e a conflitos ambientais. Os riscos e os pontos fortes que caracterizam os diversos grupos étnicos e culturais precisam ser considerados, com maior sensibilidade a questões étnicas e culturais no planejamento dos serviços. Essa perspectiva intercultural sobre a intervenção e a prevenção em casos de abuso e negligência na infância reorientaria seu foco, desviando-o dos indivíduos e das famílias, e explorando condições sociais e culturais que agravam ou amenizam esses problemas. 

Referências

  1. Prevent Child Abuse America. Total estimated cost of child abuse and neglect in the United States: Statistical evidence. Available at: http://www.preventchildabusenj.org/documents/index/cost_analysis.pdf Accessed Octobre 25, 2007.
  2. Kempe Children's Center. World Perspectives on Child Abuse: The Fifth International Resource Book 2002.  Carol Stream, Ill: International Society for the Prevention of Child Abuse; 2002. 
  3. Saunders BE, Berliner L, Hanson RF, eds. Child physical and sexual abuse: Guidelines for Treatment (Final Report: January 15, 2003). Charleston, SC: National Crime Victims Research and Treatment Center; 2003. 
  4. Wolfe DA. Child abuse: Implications for child development and psychopathology. Thousand Oaks, Calif: Sage;1999.
  5. Sanders MR, Cann W, Markie-Dadds C. The triple P-positive parenting programme: A universal population-level approach to the prevention of child abuse. Child Abuse Review 2003;12(3):155-171.
  6. Peterson L, Tremblay G, Ewigman B, Saldana L. Multilevel selected primary prevention of child maltreatment. Journal of Consulting & Clinical Psychology 2003;71(3):601-612.
  7. Olds D, Eckenrode J, Henderson CR, Kitzman H, Powers J, Cole R, Sidora K, Morris P, Pettit LM. Long-term effects of home visitation on maternal life course and child abuse and neglect: Fifteen-year follow-up of a randomized trial. JAMA - Journal of the American Medical Association 1997;278(8):637–643.
  8. Olds D, Henderson CR Jr, Cole R, Eckenrode J, Kitzman H, Luckey D, Pettitt L, Sidora K, Morris P, Powers J. Long-term effects of nurse home visitation on children's criminal and antisocial behavior: 15-year follow-up of a randomized controlled trial. JAMA - Journal of the American Medical Association 1998;280(14):1238-1244.
  9. Eckenrode J, Zielinski D, Smith E, Marcynyszyn LA, Henderson CR Jr, Kitzman H, Cole R, Powers J, Olds DL. Child maltreatment and the early onset of problem behaviors: Can a program of nurse home visitation break the link? Development & Psychopathology 2001;13(4):873-890.
  10. Daro D, Donnelly AC. Child abuse prevention: Accomplishments and challenges. In: Myers JEB, Berliner L, Briere J, Hendrix CT, Jenny C, Reid TA, eds.  The APSAC handbook on child maltreatment. 2nd Ed. Thousand Oaks, Calif: Sage; 2001:55-78.

Para citar este artigo:

Wolfe DA. Serviços e programas comprovadamente efetivos na prevenção de maus-tratos na infância e seus impactos sobre o desenvolvimento social e emocional de crianças pequenas (0-5). Em: Tremblay RE, Boivin M, Peters RDeV, eds. MacMillan HL, ed. tema. Enciclopédia sobre o Desenvolvimento na Primeira Infância [on-line]. https://www.enciclopedia-crianca.com/maus-tratos-na-infancia/segundo-especialistas/servicos-e-programas-comprovadamente-efetivos-na. Publicado: Abril 2004 (Inglês). Consultado em 18 de abril de 2024.

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