Licença parental, uma questão complexa: comentários sobre Ruhm, Lero e Kamerman


Carleton University, Canadá
(Inglês). Tradução: março 2012

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Introdução

Os artigos de Ruhm, Lero e Kamerman focalizam os efeitos de políticas da licença maternidade e da licença parental sobre as crianças e suas famílias. Descrevem o que se sabe atualmente sobre esse tema, sugerem pesquisas necessárias na área e oferecem sugestões sobre as formas de desenvolvimento de políticas desse tipo.  

Pesquisas e conclusões

Os três autores chegam a conclusões semelhantes em seus trabalhos:

  • A licença parental é uma acomodação importante, destinada a aumentar a capacidade da família de equilibrar as necessidades do trabalho e do lar.

– Ruhm

  • As licenças parentais são políticas modestas em termos orçamentários, uma parte essencial das políticas da criança e da família em qualquer país, e um componente essencial das políticas nacionais de educação e cuidados na primeira infância.

– Kamerman

  • As licenças paternidade e os benefícios são referidos de formas variáveis: como políticas da família que protegem a saúde materna e infantil; como políticas de emprego que promovem equidade de gênero e respeitam o direito dos trabalhadores de combinar responsabilidades familiares e do trabalho; e como um ingrediente essencial de políticas de educação e cuidados na primeira infância.

– Lero

Entretanto, para que essas afirmações fossem verdadeiras, seria preciso que homens e mulheres tivessem possibilidades iguais de utilizar essas políticas (– ou estaríamos estudando licenças maternidade –) e que não houvesse nenhuma consequência negativa em termos de trabalho associada à sua utilização (– consequências negativas em termos de trabalho implicam falta de equilíbrio). 

Infelizmente, a pesquisa documentada na literatura empresarial indica que nenhuma dessas suposições é verdadeira. 

Homens e mulheres têm a mesma probabilidade de utilizar licenças parentais? Embora haja muito pouca pesquisa sobre licenças paternidade, a resposta a essa questão parece ser um sonoro “Não!” Aparentemente, são muito poucos os homens que tiram licença paternidade. Ao invés disso, quando os filhos nascem, tiram alguns dias de férias ou outro tipo de afastamento remunerado opcional – a que Peck se refere como “licença paternidade informal”.1  

Além disso, amplas evidências empíricas demonstram que as mulheres que tiram licença maternidade sofrem consequências negativas no trabalho. Em um estudo recente, Budig e England2 relatam uma penalização salarial de cerca de 7% por filho para mulheres jovens nos Estados Unidos.  

Um estudo recente realizado pela Statistics Canadá3 indica que a maternidade também está associada a diferenças salariais no Canadá. Utilizando dados do Survey of Labour and Income Dynamics (Pesquisa sobre a dinâmica do trabalho e dos salários), de 1998, Drolet verificou que mães que tiveram filhos mais tarde ganhavam 6% mais do que mães que tiveram filhos cedo. Embora tenha sido constatado que essa diferença ocorria para mulheres de qualquer idade, descobriu-se que sua incidência era maior entre as mulheres canadenses mais jovens. Drolet nota também que os diferenciais de salário são maiores em relação à época de nascimento dos filhos do que à época do casamento. Por um lado, mães que adiam a gravidez ganham salários médios por hora 17,1% mais altos do que aquelas que optam por ter filhos cedo; por outro lado, mulheres que adiam o casamento ganham 7,8% mais do que aquelas que se casam cedo. Resultados similares foram relatados por Andrew et al.,4 que encontraram uma relação inversa entre sucesso de mulheres na carreira e número de filhos que optaram por ter. 

Pesquisas recentes sustentam a ideia de que a população de mulheres que está atualmente em seus melhores anos reprodutivos apresenta uma falta acentuada de entusiasmo pela maternidade. Esta conclusão baseia-se em estudos recentes, que observaram o aumento da tendência a não ter filhos ou a adiar a maternidade por parte de mulheres profissionais.3-5 Dados publicados em 2002 pela Statistics Canadá indicam que a taxa total de fertilidade no Canadá vem diminuindo drasticamente nas últimas décadas. Entre 1979 e 1999, a fertilidade de mulheres canadenses de 20 a 24 anos diminuiu em quase 40%, ao passo que a fertilidade entre as de 25 a 29 anos diminuiu em cerca de 25%. Em 1999, a taxa de fertilidade baixou ao recorde de 1,52 filho por mulher. Drolet observa também que “as tendências atuais dos padrões de casamento e de fertilidade sugerem que as mulheres canadenses jovens estão adiando a constituição de família e concentrando-se no desenvolvimento de suas carreiras.”3 

Pode-se utilizar a teoria do capital humano6 para explicar por que a maternidade está se tornando menos atraente para mulheres que estão em cargos administrativos e desempenham atividades profissionais. Segundo essa teoria, as pessoas fazem investimentos tais como adquirir educação ou experiência para melhorar sua posição e ganhar salários mais altos. Quanto maior o investimento feito por um empregado, maior o custo potencial de sair da força de trabalho e, portanto, menos provável que o faça.1 A teoria do capital humano poderia prever que as mulheres que investiram mais em sua carreira – isto é, com mais educação, mais experiência e mais tempo de trabalho – seriam menos propensas a ter filhos caso sentissem que tirar a licença maternidade reduziria seu capital humano.7 

Esse fenômeno não é novo. Em um estudo que constituiu um marco na área, Goldin8 examinou a relação entre carreira, casamento e filhos rastreando as taxas de participação de cinco grupos etários de americanas que concluíram o ensino superior durante o último século. Esse estudo verificou que combinar carreira e família sempre foi uma tarefa desestimulante para as mulheres e que, no decorrer do século, uma proporção significativa de mulheres com educação superior enfrentou as demandas conflitantes da carreira e da família optando por não ter filhos.

Um estudo recente realizado por Sylvia Ann Hewlett9 também explorou essa questão. O estudo focalizou dois grupos etários de mulheres profissionais: a geração pioneira, com idade entre 42 e 55 anos, e a geração mais jovem, com idade entre 28 e 40 anos. Segundo seu levantamento, 33% das mulheres profissionalmente bem-sucedidas – definidas no grupo mais jovem como aquelas que ganhavam pelo menos US$55 mil por ano, e no grupo mais velho, como aquelas que ganhavam pelo menos US$65 mil por ano – não tinham filhos aos 40 anos. Entre as mulheres do grupo mais bem-sucedido – definido como aquelas que ganhavam US$ 100 mil por ano –, 50% não tinham filhos. Hewlett concluiu seu estudo apontando que o sucesso na carreira tinha uma correlação negativa com a probabilidade de ter uma família com filhos. Esse conjunto de trabalhos da literatura sugere que, se quiserem facilitar a tarefa enfrentada por mulheres profissionais ao ter filhos, os formuladores de políticas devem considerar mais do que a licença maternidade. 

A pesquisa na área de licença maternidade é limitada também porque as questões relativas ao ciclo da carreira para mulheres muitas vezes são tratadas de forma independente de questões relativas ao ciclo de vida, ou não são consideradas relevantes para essas questões – isto é, quando ter filhos, quanto tempo ficar em casa com um filho. Infelizmente, esses dois elementos não são isolados. Os melhores anos para ter filhos coincidem com os melhores anos para a progressão e o desenvolvimento na carreira. Para ilustrar este paradoxo, Hewlett apresenta uma excelente citação do economista Lester Turrow:

A fase entre 25 e 35 anos de idade representa os melhores anos para o estabelecimento de uma carreira bem-sucedida. É nesses anos que o trabalho duro produz o melhor retorno. Esses são também os melhores anos para a constituição de uma família. Mulheres que saem do mercado de trabalho durante esse período – isto é, tirando uma licença maternidade – podem descobrir que nunca mais vão recuperar sua posição no mercado.10

O efeito da carreira das mulheres sobre sua ambivalência em relação à maternidade pode ser atribuído a uma mudança nas expectativas de carreira que levou muitas mulheres a estabelecer padrões profissionais semelhantes aos de seus pares homens.11 Os anos de progressão e desenvolvimento na carreira caracterizam-se frequentemente por demandas intensas, por longas horas no trabalho e por árduas viagens a trabalho. Essas demandas são incompatíveis com a tarefa de ter e criar um filho. Uma vez que a maternidade tardia oferece um caminho melhor de carreira para as mulheres, tanto em termos de salário como de estabilidade, muitas delas parecem estar adiando a constituição de uma família. Esse atraso resulta frequentemente em famílias menores ou sem filhos.

Conclusões

O que sabemos sobre o impacto da licença parental sobre os resultados para a criança e a família? Com base nesses artigos, parece que sabemos pouco. Os autores identificam nessa área uma série de problemas da pesquisa que limitam muito nossa capacidade de tirar conclusões significativas sobre os efeitos das políticas de licença parental para as crianças e os pais. As falhas observadas pelos autores incluem a inexistência de pesquisas sobre diversos fatores importantes que podem intervir entre a infância e fases posteriores da vida, entre os quais estrutura da família e disponibilidade de creches de boa qualidade, achados inconsistentes e o tamanho relativamente reduzido dos efeitos. Notam também que, até o momento, não são conhecidos os mecanismos pelos quais os investimentos parentais em cuidados da criança podem produzir melhores resultados. Ruhm aponta que é difícil determinar de que forma a utilização de licença parental afeta as crianças, uma vez que as mães que tiram licença quando seus filhos são pequenos provavelmente são diferentes daquelas que não o fazem. Essas limitações indicam que é necessário muito cuidado na aplicação das pesquisas disponíveis. O que acaba ocorrendo é que essa literatura em particular deixa o leitor com a impressão inadequada de que o emprego materno tem impacto negativo sobre a criança. 

Implicações

Os três autores discutem as políticas de licença maternidade e de licença parental. No entanto, a maior parte da pesquisa nessa área focaliza os impactos da decisão de mães que optam por trabalhar em vez de ficar em casa nos primeiros anos de vida de seus filhos, ou o impacto da decisão daquelas que optam por tirar a licença maternidade. Simplesmente dar a essas políticas a denominação de “licença parental” não mudou a forma como são vistas. Continuam a ser basicamente políticas para as mulheres. Como apontam Budig e England: 

Embora os benefícios dos cuidados maternos sejam muito extensivos – para os empregadores, os vizinhos, os amigos, os cônjuges e os filhos dos adultos que receberam esses cuidados –, os custos da criação de filhos são desproporcionalmente assumidos pelas mães.2

Há uma necessidade real de conciliar as demandas da sociedade – isto é, o crescimento populacional e o desenvolvimento das crianças – com as demandas das mulheres profissionais – isto é, suas necessidades de carreira e a opção por ter filhos. Na verdade, é necessário que os pesquisadores considerem em suas análises mais do que a licença parental, uma vez que mudanças políticas por si só não determinam mudanças culturais.

A meu ver, o foco atual da pesquisa e das políticas sobre licença parental propõe uma solução demasiadamente simples para o que os três autores (mas particularmente Lero) entendem ser uma questão muito complexa. Este é apenas um dos componentes de um conjunto de políticas e apoios que devem ser desenvolvidos para ajudar os pais a equilibrar as demandas do trabalho e da família. Para tratar dessa questão de forma significativa, precisamos examinar como podemos reduzir a carga de custos da mulher para ter e criar filhos. Ao fazê-lo, não devemos limitar nosso exame a políticas sociais tais como a licença parental. Devemos, antes, examinar de que forma os empregos estão estruturados e de que forma os empregados são recompensados – por exemplo, atualmente as recompensas estão associadas a anos de experiência, tempo de trabalho e capacidade de trabalhar muitas horas. As políticas fiscais também poderiam ser uma área útil de investigação – por exemplo, como podemos encorajar os pais, tanto quanto as mães, a tirar licença parental?

Outras áreas que merecem mais investigação (como identificado pelos autores) incluem as seguintes:

  • Por que as mulheres voltam logo ao trabalho?

  • Por que os homens não tiram licença paternidade?

  • O que determina por quanto tempo uma mãe deve permanecer em licença maternidade?

  • O que determina quando tempo um pai deve permanecer em licença paternidade?

  • De que forma podemos normatizar a opção pela licença para mães e pais?

  • Por que as mulheres estão decidindo não ter filhos, ou ter menos filhos?

  • O que as organizações podem fazer para ajudar os pais que trabalham a ser eficientes tanto em casa quanto no trabalho? O que os governos podem fazer?

Somente encontrando respostas para essas questões poderemos desenvolver políticas e serviços que deem apoio àqueles a quem pretendem beneficiar.

Referências

  1. Lyness KS, Judiesch MK. Are female managers quitters? The relationships of gender, promotions, and family leaves of absence to voluntary turnover. Journal of Applied Psychology 2001;86(6):1167-1178.
  2. Budig MJ, England P. The wage penalty for motherhood. American Sociological Review 2001;66(2):204-225.
  3. Drolet M. Wives, mothers and wages: does timing matter? Ottawa, Ontario: Analytical Studies, Statistics Canada; 2002.
  4. Andrew C, Coderre C, Denis A. A women in management: The Canadian experience. In: Adler NJ, Izraeli DN, eds. Competitive frontiers: Women managers in a global economy. Cambridge, Mass: Blackwell Publishers; 1994:377-387.
  5. Hajnal VJ. Can I do a good job of both family and work? Decisions regarding offspring. In: Reynold C, Young B, eds. Women and leadership in Canadian education. Calgary, Alberta: Detselig Enterprises Ltd; 1995:145-155.
  6. Blau FD, Ferber MA, Winkler AE.The economics of women, men, and work. 3rd ed. Upper Saddle River, NJ: Prentice Hall; 1998.
  7. Lehrer EL. The impact of children on married women’s labor supply: black-white differentials revisited. Journal of Human Resources 1992;27(3):422-444.
  8. Goldin CD. Understanding the gender gap: an economic history of American women. New York, NY: Oxford University Press; 1990.
  9. Hewlett SA. Creating a life: professional women and the quest for children. New York, NY: Talk Miramax Books; 2002.
  10. Thurow LC. 63 cents to the dollar: the earnings gap doesn’t go away. Working Mothers 1984;October:42.
  11. Faux M. Childless by choice: choosing childlessness in the eighties. Garden City, NY: Anchor Press/Doubleday; 1984.

Para citar este artigo:

Duxbury L. Licença parental, uma questão complexa: comentários sobre Ruhm, Lero e Kamerman. Em: Tremblay RE, Boivin M, Peters RDeV, eds. Enciclopédia sobre o Desenvolvimento na Primeira Infância [on-line]. https://www.enciclopedia-crianca.com/licenca-parental/segundo-especialistas/licenca-parental-uma-questao-complexa-comentarios-sobre-ruhm. Publicado: Maio 2003 (Inglês). Consultado em 25 de abril de 2024.

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