Comentários sobre artigos referentes a “Agressão como resultado do desenvolvimento na primeira infância”
Daniel S. Shaw, PhD
University of Pittsburgh, EUA
(Inglês). Tradução: abril 2010
Introdução
Os três artigos sobre o tema da agressão como resultado do desenvolvimento na primeira infância, de Tremblay , Keenan, Ishikawa e Raine, oferecem perspectivas importantes a respeito do desenvolvimento da agressividade na primeira infância. Tremblay apresenta uma justificativa convincente para focalizar os cinco primeiros anos de vida, observando que as taxas de agressão física diminuem a partir dos primeiros anos até a adolescência. É importante notar que se crianças não mostram taxas altas de comportamento agressivo nos três primeiros anos, muito poucas passarão a apresentar taxas altas a partir dos 5 anos de idade. Este ponto foi corroborado em um estudo longitudinal que acompanhou o percurso da agressividade na faixa etária de 2 a 5 anos em uma amostra de 300 meninos de baixa renda.1 Entre as crianças que, aos 2 anos de idade, apresentaram escores iguais ou acima do 90o percentil nos itens de comportamento agressivo de bater do Child Behavior Checklist (CBCL), 88% permaneceram acima desse limiar aos 5 anos de idade, sendo relativamente pequeno o número de novas crianças ingressando nesse grupo extremo aos 5 anos de idade (22%). Portanto, a grande maioria das crianças que exibem níveis altos de agressividade por ocasião do ingresso na escola, provavelmente começou a apresentar esse padrão na primeira infância.
Alternativamente, comportamentos aparentemente agressivos, seus correlatos e sua estabilidade ainda podem ser avaliados de forma a examinar empiricamente essa questão. Keenan apontou também de que forma a trajetória de comportamentos agressivos pode ser modulada por fatores relacionados à criança e aos cuidados parentais. Os fatores relacionados à criança incluem maturação em capacidades cognitivas que permitem o uso de estratégias mais sofisticadas de resolução de conflitos a partir do segundo ano de vida (por exemplo, uso de argumentação). A qualidade dos cuidados parentais também é crítica, sob a forma de responsividade contingente no decorrer da infância3,4 e de respostas consistentes e não rejeitadoras a expressões de emotividade negativa nos primeiros anos de vida.5, 6
Ishikawa e Raine reveem fatores de risco biologicamente orientados que estão associados a desajustamentos da criança e que estão presentes antes do nascimento. Essas questões merecem atenção neste contexto. Em primeiro lugar, a análise enfatiza que estudos sobre risco biológico estão sub-representados em relação aos estudos de risco ambiental.7 Em particular, é relativamente pequeno o número de estudos de risco biológico que focalizaram a agressão propriamente na primeira infância.8,9,10 Em segundo lugar, a revisão deixa evidente que fatores como abuso de drogas pelos pais, deficiências nutricionais, AFS e complicações no parto colocam algumas crianças em risco de manifestar comportamento antissocial posteriormente. Em terceiro lugar, e como apontado acima, os fatores de risco biológico são frequentemente modulados pela presença de risco ambiental. Na verdade, diversos estudos verificaram que danos biológicos, quando ocorrem isoladamente, não se relacionam a comportamento antissocial posterior.
Pesquisa e conclusões
As proposições e conclusões de cada artigo estão firmemente amparadas em fundamentos teóricos e/ou empíricos. No entanto, tenho alguns poucos alertas relativos a pontos específicos. Quanto à “surpresa” de Tremblay, por exemplo: não deveria causar tanta surpresa que atos de agressão física diminuam ao longo da infância. Como apontado anteriormente, a maturação cognitiva oferece às crianças repertórios mais flexíveis para lidar com conflitos interpessoais, permitindo-lhes maior seletividade na utilização da agressão física. Esse fator é consistente também com o declínio mais rápido de ocorrências de agressão física em meio a meninas, com base em sua melhor fluência verbal entre a primeira infância e os anos pré-escolares. Na verdade, à medida que o tempo passa, as forças de socialização no lar e na escola tornam a agressão física uma estratégia cada vez menos atraente para ambos os sexos, apresentando consequências cada vez mais dramáticas para crianças de 8 anos de idade em comparação com as de 3 anos de idade que cometem atos agressivos similares. Os estudos de desenvolvimento iniciados por Goodenough (em 1931)13 e Fawls (em 1963)14 (ainda que nenhum deles tenha acompanhado a progressão da agressão propriamente) documentaram o decréscimo na frequência de episódios de raiva/conflito em função de aumento de idade no decorrer da infância. Assim sendo, embora talvez seja surpreendente na perspectiva da teoria de aprendizagem, a trajetória descendente da agressão física não é uma surpresa recente. Quanto às crianças que continuam a apresentar taxas altas de agressão física na idade escolar, é importante notar que mesmo essas crianças persistentemente agressivas apresentam ligeiros declínios entre 2 e 10 anos de idade,15 mas tendem a aprender a envolver-se em formas progressivamente mais encobertas de comportamento antissocial no decorrer do tempo, como demonstrou um estudo realizado recentemente por Patterson e Yoerger.16
O artigo de Keenan levanta também alguns pontos que merecem discussão. Em primeiro lugar, embora a agressividade possa ser observada mesmo em bebês de apenas 5 meses de idade, de maneira geral o comportamento agressivo em si não perturba os pais antes do segundo ano de vida, com a capacidade recém-descoberta da criança de deslocar-se mais rapidamente e com maior segurança. Este fato tem implicações para a programação temporal de estudos de intervenção precoce, nos quais a observação de taxas frequentes do comportamento em questão é considerada um fator importante. Em segundo lugar, estudos documentaram que a agressão entre crianças de um ano e meio a 2 anos de idade é preditiva de problemas de conduta posteriores;17 no entanto, o nível de estabilidade frequentemente é modesto, refletindo mais uma vez a natureza mutante da criança em desenvolvimento e as diferenças individuais em termos de ambiente de cuidados. Em terceiro lugar, embora exista consenso sobre o fato de que comportamentos parentais que envolvem maus tratos físicos ou emocionais tendem a promover agressividade em crianças, é fundamental que avaliemos as consequências de estilos parentais prescritos por diferentes culturas antes de fazer suposições sobre sua adequação, como a utilização de estilos parentais autoritários adotada por famílias afro-americanas.18
O artigo de Ishikawa e Raine levanta a questão da necessidade de pesquisas interdisciplinares. São extremamente necessários estudos que avaliem prospectivamente a qualidade do ambiente pré-natal e observem o desenvolvimento da relação inicial entre os pais e a criança. Sem esses dados, é provável que continuem desconhecidos os mecanismos pelos quais danos físicos no período pré-natal afetam o desenvolvimento e a persistência de comportamentos agressivos precoces. Como aponta Tremblay, grande parte da “aprendizagem” da agressividade ocorre no terceiro ano de vida; são recomendáveis esforços intensivos para captar seu surgimento.
Implicações para perspectivas de políticas e serviços
Os três artigos sugerem que a identificação precoce seja uma preocupação primária de políticas sociais. A título de exemplo, Tremblay19 demonstrou que pais que começam a criar filhos antes dos 20 anos de idade e que não concluem o ensino médio correm maior risco de apresentar trajetórias de comportamento agressivo. A identificação de fatores de risco antes do nascimento também é recomendada por Keenan, e sugerida pelo artigo de Ishikawa e Raine sobre danos no período pré-natal. Esses esforços evidentemente merecem apoio; no entanto, é provável que sejam necessários diversos pontos de intervenção e diferentes abordagens para identificar adequadamente crianças pequenas com padrões emergentes de agressividade.20, 21 Particularmente no primeiro ano de vida (antes que se evidenciem altas taxas de comportamento agressivo) e no segundo ano (quando a agressão se torna estatisticamente normativa), será necessário focalizar os esforços na forma pela qual a trajetória do comportamento infantil é modulada pelo ambiente de cuidados e conduz, em última instância, a padrões mais estáveis de agressividade nas idades pré-escolar e escolar.
Referências
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Para citar este artigo:
Shaw DS. Comentários sobre artigos referentes a “Agressão como resultado do desenvolvimento na primeira infância”. Em: Tremblay RE, Boivin M, Peters RDeV, eds. Tremblay RE, ed. tema. Enciclopédia sobre o Desenvolvimento na Primeira Infância [on-line]. https://www.enciclopedia-crianca.com/agressividade-agressao/segundo-especialistas/comentarios-sobre-artigos-referentes-agressao-como. Publicado: Abril 2003 (Inglês). Consultado em 4 de outubro de 2024.
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