Comentários sobre artigos referentes a “Agressão como resultado do desenvolvimento na primeira infância”


University of Pittsburgh, EUA
(Inglês). Tradução: abril 2010

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Introdução

Os três artigos sobre o tema da agressão como resultado do desenvolvimento na primeira infância, de Tremblay , Keenan, Ishikawa e Raine, oferecem perspectivas importantes a respeito do desenvolvimento da agressividade na primeira infância. Tremblay apresenta uma justificativa convincente para focalizar os cinco primeiros anos de vida, observando que as taxas de agressão física diminuem a partir dos primeiros anos até a adolescência. É importante notar que se crianças não mostram taxas altas de comportamento agressivo nos três primeiros anos, muito poucas passarão a apresentar taxas altas a partir dos 5 anos de idade. Este ponto foi corroborado em um estudo longitudinal que acompanhou o percurso da agressividade na faixa etária de 2 a 5 anos em uma amostra de 300 meninos de baixa renda.1 Entre as crianças que, aos 2 anos de idade, apresentaram escores iguais ou acima do 90o percentil nos itens de comportamento agressivo de bater do Child Behavior Checklist (CBCL), 88% permaneceram acima desse limiar aos 5 anos de idade, sendo relativamente pequeno o número de novas crianças ingressando nesse grupo extremo aos 5 anos de idade (22%). Portanto, a grande maioria das crianças que exibem níveis altos de agressividade por ocasião do ingresso na escola, provavelmente começou a apresentar esse padrão na primeira infância.

Alternativamente, comportamentos aparentemente agressivos, seus correlatos e sua estabilidade ainda podem ser avaliados de forma a examinar empiricamente essa questão. Keenan apontou também de que forma a trajetória de comportamentos agressivos pode ser modulada por fatores relacionados à criança e aos cuidados parentais. Os fatores relacionados à criança incluem maturação em capacidades cognitivas que permitem o uso de estratégias mais sofisticadas de resolução de conflitos a partir do segundo ano de vida (por exemplo, uso de argumentação). A qualidade dos cuidados parentais também é crítica, sob a forma de responsividade contingente no decorrer da infância3,4 e de respostas consistentes e não rejeitadoras a expressões de emotividade negativa nos primeiros anos de vida.5, 6

Ishikawa e Raine reveem fatores de risco biologicamente orientados que estão associados a desajustamentos da criança e que estão presentes antes do nascimento. Essas questões merecem atenção neste contexto. Em primeiro lugar, a análise enfatiza que estudos sobre risco biológico estão sub-representados em relação aos estudos de risco ambiental.7 Em particular, é relativamente pequeno o número de estudos de risco biológico que focalizaram a agressão propriamente na primeira infância.8,9,10 Em segundo lugar, a revisão deixa evidente que fatores como abuso de drogas pelos pais, deficiências nutricionais, AFS e complicações no parto colocam algumas crianças em risco de manifestar comportamento antissocial posteriormente. Em terceiro lugar, e como apontado acima, os fatores de risco biológico são frequentemente modulados pela presença de risco ambiental. Na verdade, diversos estudos verificaram que danos biológicos, quando ocorrem isoladamente, não se relacionam a comportamento antissocial posterior.

Pesquisa e conclusões

As proposições e conclusões de cada artigo estão firmemente amparadas em fundamentos teóricos e/ou empíricos. No entanto, tenho alguns poucos alertas relativos a pontos específicos. Quanto à “surpresa” de Tremblay, por exemplo: não deveria causar tanta surpresa que atos de agressão física diminuam ao longo da infância. Como apontado anteriormente, a maturação cognitiva oferece às crianças repertórios mais flexíveis para lidar com conflitos interpessoais, permitindo-lhes maior seletividade na utilização da agressão física. Esse fator é consistente também com o declínio mais rápido de ocorrências de agressão física em meio a meninas, com base em sua melhor fluência verbal entre a primeira infância e os anos pré-escolares. Na verdade, à medida que o tempo passa, as forças de socialização no lar e na escola tornam a agressão física uma estratégia cada vez menos atraente para ambos os sexos, apresentando consequências cada vez mais dramáticas para crianças de 8 anos de idade em comparação com as de 3 anos de idade que cometem atos agressivos similares. Os estudos de desenvolvimento iniciados por Goodenough (em 1931)13 e Fawls (em 1963)14 (ainda que nenhum deles tenha acompanhado a progressão da agressão propriamente) documentaram o decréscimo na frequência de episódios de raiva/conflito em função de aumento de idade no decorrer da infância. Assim sendo, embora talvez seja surpreendente na perspectiva da teoria de aprendizagem, a trajetória descendente da agressão física não é uma surpresa recente. Quanto às crianças que continuam a apresentar taxas altas de agressão física na idade escolar, é importante notar que mesmo essas crianças persistentemente agressivas apresentam ligeiros declínios entre 2 e 10 anos de idade,15 mas tendem a aprender a envolver-se em formas progressivamente mais encobertas de comportamento antissocial no decorrer do tempo, como demonstrou um estudo realizado recentemente por Patterson e Yoerger.16

O artigo de Keenan levanta também alguns pontos que merecem discussão. Em primeiro lugar, embora a agressividade possa ser observada mesmo em bebês de apenas 5 meses de idade, de maneira geral o comportamento agressivo em si não perturba os pais antes do segundo ano de vida, com a capacidade recém-descoberta da criança de deslocar-se mais rapidamente  e com maior segurança. Este fato tem implicações para a programação temporal de estudos de intervenção precoce, nos quais a observação de taxas frequentes do comportamento em questão é considerada um fator importante. Em segundo lugar, estudos documentaram que a agressão entre crianças de um ano e meio a 2 anos de idade é preditiva de problemas de conduta posteriores;17 no entanto, o nível de estabilidade frequentemente é modesto, refletindo mais uma vez a natureza mutante da criança em desenvolvimento e as diferenças individuais em termos de ambiente de cuidados. Em terceiro lugar, embora exista consenso sobre o fato de que comportamentos parentais que envolvem maus tratos físicos ou emocionais tendem a promover agressividade em crianças, é fundamental que avaliemos as consequências de estilos parentais prescritos por diferentes culturas antes de fazer suposições sobre sua adequação, como a utilização de estilos parentais autoritários adotada por famílias afro-americanas.18

O artigo de Ishikawa e Raine levanta a questão da necessidade de pesquisas interdisciplinares. São extremamente necessários estudos que avaliem prospectivamente a qualidade do ambiente pré-natal e observem o desenvolvimento da relação inicial entre os pais e a criança. Sem esses dados, é provável que continuem desconhecidos os mecanismos pelos quais danos físicos no período pré-natal afetam o desenvolvimento e a persistência de comportamentos agressivos precoces. Como aponta Tremblay, grande parte da “aprendizagem” da agressividade ocorre no terceiro ano de vida; são recomendáveis esforços intensivos para captar seu surgimento.

Implicações para perspectivas de políticas e serviços

Os três artigos sugerem que a identificação precoce seja uma preocupação primária de políticas sociais. A título de exemplo, Tremblay19 demonstrou que pais que começam a criar filhos antes dos 20 anos de idade e que não concluem o ensino médio correm maior risco de apresentar trajetórias de comportamento agressivo. A identificação de fatores de risco antes do nascimento também é recomendada por Keenan, e sugerida pelo artigo de Ishikawa e Raine sobre danos no período pré-natal. Esses esforços evidentemente merecem apoio; no entanto, é provável que sejam necessários diversos pontos de intervenção e diferentes abordagens para identificar adequadamente crianças pequenas com padrões emergentes de agressividade.20, 21 Particularmente no primeiro ano de vida (antes que se evidenciem altas taxas de comportamento agressivo) e no segundo ano (quando a agressão se torna estatisticamente normativa), será necessário focalizar os esforços na forma pela qual a trajetória do comportamento infantil é modulada pelo ambiente de cuidados e conduz, em última instância, a padrões mais estáveis de agressividade nas idades pré-escolar e escolar. 

Referências

  1. Shaw DS, Gilliom M, Giovannelli J. Aggressive behavior disorders. In: Zeanah CH Jr., ed. Handbook of Infant Mental Health. 2nd ed . New York, NY: Guilford Press; 2000:397-411.
  2. Maccoby EE. Social development: Psychological growth and the parent-child relationship. New York, NY: Harcourt Brace Jovanovich; 1980.
  3. Erickson MF, Sroufe LA, Egeland B. The relationship between quality of attachment and behavior problems in preschool in a high-risk sample. Monographs of the Society for Research in Child Development 1985;50(1-2):147-166.
  4. Shaw DS, Keenan K, Vondra JI. Developmental precursors of externalizing behavior: Ages 1 to 3. Developmental Psychology 1994;30(3):355-364.
  5. Campbell SB, Pierce EW, Moore G, Marakovitz S, Newby K. Boys' externalizing problems at elementary school age: Pathways from early behavior problems, maternal control, and family stress. Development and Psychopathology 1996;8(4):701-719.
  6. Shaw DS, Winslow EB, Owens EB, Vondra JI, Cohn JF, Bell RQ. The development of early externalizing problems among children from low-income families: A transformational perspective. Journal of Abnormal Child Psychology 1998;26(2):95-107.   
  7. Raine A. Biosocial studies of antisocial and violent behavior in children and adults: A review. Journal of Abnormal Child Psychology 2002;30(4):311-326.
  8. Calkins SD. Origins and outcomes of individual differences in emotion regulation. Monographs of the Society for Research in Child Development 1994;59(2-3):53-72,250-283.
  9. Fox NA, Schmidt LA, Calkins SD, Rubin KH, Coplan RJ. The role of frontal activation in the regulation and dysregulation of social behavior during the preschool years. Development and Psychopathology 1996;8(1):89-102.
  10. Raine A, Venables PH, Mednick SA. Low resting heart rate at age 3 years predisposes to aggression at age 11 years: Evidence from the Mauritius Child Health Project. Journal of the American Academy of Child and Adolescent Psychiatry 1997;36(10):1457-1464.
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  12. Raine A, Brennan P, Mednick SA. Birth complications combined with early maternal rejection at age 1 year predispose to violent crime at age 18 years. Archives of General Psychiatry 1994;51(12):984-988.
  13. Goodenough FL. Anger in young children. Minneapolis, MI: University of Minnesota Press; 1931.
  14. Fawls CL. Disturbances experienced by children in their natural habitats. In: Barker RG, ed. The stream of behavior: explorations of its structure & content. New York, NY: Appleton-Century-Crofts; 1963:99-126.
  15. Shaw DS, Lacourse E, Nagin D. Trajectories of ADHD and Conduct Problems in Early Childhood. Paper presented at: XV World Meeting of the International Society for Research on Aggression; July 28-31, 2002; Montreal, Quebec.
  16. Patterson G, Yoerger K. In intra-individual search for growth in overt antisocial behavior. Paper presented at: 2001 Biennial Meeting of the Society for Research in Child Development; 2001; Minneapolis, MI.
  17. Keenan K, Shaw D, Delliquadri E, Giovannelli J, Walsh B. Evidence for the continuity of early problem behaviors: Application of a developmental model. Journal of Abnormal Child Psychology 1998;26(6):441-452.
  18. Deater-Deckard K, Bates JE, Dodge KA, Pettit GS. Physical discipline among African American and European American mothers: Links to children’s externalizing behaviors. Developmental Psychology 1996;32(6):1065-1072.
  19. Nagin D, Tremblay RE. Parental and early childhood predictors of persistent physical aggression in boys from kindergarten to high school. Archives of General Psychiatry 2001;58(4):389-394.
  20. Olds DL. Prenatal and infancy home visiting by nurses: From randomized trials to community replication. Prevention Science 2002;3(3):153-172.
  21. Webster-Stratton C, Reid MJ, Hammond M. Preventing conduct problems, promoting social competence: A parent and teacher training partnership in head start. Journal of Clinical Child Psychology 2001;30(3):283-302.

Para citar este artigo:

Shaw DS. Comentários sobre artigos referentes a “Agressão como resultado do desenvolvimento na primeira infância”. Em: Tremblay RE, Boivin M, Peters RDeV, eds. Tremblay RE, ed. tema. Enciclopédia sobre o Desenvolvimento na Primeira Infância [on-line]. https://www.enciclopedia-crianca.com/agressividade-agressao/segundo-especialistas/comentarios-sobre-artigos-referentes-agressao-como. Publicado: Abril 2003 (Inglês). Consultado em 19 de abril de 2024.

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