Complicações obstétricas e agressão


University of Southern California, EUA
(Inglês). Tradução: abril 2010

Versão em PDF

Introdução

Complicações obstétricas referem-se a interrupções e distúrbios da gravidez, no trabalho de parto e no nascimento, e no período neonatal inicial. Exemplos dessas complicações são exposição pré-natal a drogas, nutrição materna deficiente, anomalias físicas secundárias (ou AFS: indicadores de malformação neural no feto, que ocorrem por volta do final do primeiro trimestre) e complicações no parto. As complicações obstétricas podem ter efeitos de longo prazo para a criança, inclusive aumento na ocorrência de comportamentos problemáticos. As pesquisas identificaram relações entre complicações obstétricas e agressividade humana posterior, e sugerem que complicações obstétricas podem eliciar agressão por afetarem o desenvolvimento do cérebro.

Constatações recentes de pesquisa

Exposição pré-natal a substâncias

Já está bastante documentado que a exposição pré-natal a álcool e outras drogas tem efeitos de longo prazo sobre as crianças. Além de deficits cognitivos,1 a exposição fetal ao álcool está associada a deficits sociais, tais como perturbações no apego e na regulação das emoções na primeira infância;1 exacerbação de raiva, agressão e desatenção na primeira infância;2 comportamento sexual inadequado, problemas com a lei, depressão, suicídio e, na idade adulta, incapacidade de cuidar de crianças.1Deficits semelhantes têm sido observados em crianças expostas a metadona3 e cocaína.4 Embora de início não estivesse claro se esses efeitos ocorriam independentemente de exposição pré-natal a álcool e outros fatores de risco,4 as constatações preliminares de um estudo muito bem planejado indicam que a exposição pré-natal à cocaína, independentemente de outros fatores, relaciona-se a maior externalização de problemas comportamentais (em comparação à internalização de problemas) em crianças de 6 anos de idade.5 Crianças que durante a gestação foram expostas à fumaça de cigarro também apresentam maior risco de problemas de conduta e comportamento criminoso,6-9 e algumas pesquisas sugerem que esse risco é específico para agressão.10-12

Experimentos em animais indicam que a exposição pré-natal a substâncias está relacionada à agressividade por interferir com o desenvolvimento de neurônios (isto é, corpos celulares) e/ou com o funcionamento de diferentes neurotransmissores (isto é, mensageiros químicos do cérebro que regulam funções comportamentais, cognitivas e fisiológicas). No entanto, uma vez que a exposição pré-natal a drogas resulta em muitos deficits cognitivos e comportamentais, é provável que o aumento da agressividade observado especificamente em crianças expostas dependa da presença de outros fatores sociais e biológicos de risco.  Esses fatores incluem complicações no parto,10 maternidade na adolescência, ambiente familiar uniparental, gravidez indesejada e/ou atrasos no desenvolvimento motor.11

Deficiências de nutrição da mãe

Embora pesquisas por grupo representativo tenham-se mostrado inconsistentes, um estudo singular e importante ilustra o possível papel causal da desnutrição durante a gravidez como fator de risco para comportamento antissocial. Próximo ao final da Segunda Guerra, a Alemanha impôs à Holanda um bloqueio de alimentos. Depois de adultos, os filhos do sexo masculino de mulheres que tinham e que não tinham sido expostas a desnutrição severa durante a gravidez foram avaliados em relação a distúrbios de personalidade antissocial na vida adulta. Os filhos adultos de mulheres que tinham sofrido deficits nutricionais significativos durante o primeiro e/ou segundo trimestres de gestação apresentaram taxas de comportamento antissocial 2,5 vezes mais altas do que os controles (aqueles que não tinham sofrido nenhum deficit nutricional).13

Em particular, a deficiência de zinco na mãe também tem sido associada a prejuízos na síntese de proteínas, DNA e RNA no processo de desenvolvimento cerebral do feto, e a anomalias cerebrais congênitas.14,15 Embora se desconheça o mecanismo exato pelo qual a deficiência de zinco possa estar relacionada a comportamentos humanos agressivos, pesquisas extensivas com animais demonstraram que ratas alimentadas durante a gestação e a lactação com uma dieta deficiente em zinco (ou proteína) produzem filhotes com desenvolvimento cerebral prejudicado.16,17 Curiosamente, a amígdala – que regula certos processos emocionais humanos e que funciona anormalmente em delinquentes violentos18,19  – é densamente inervada por neurônios que contêm zinco.20

Anomalias Físicas Secundárias

Anomalias Físicas Secundárias (AFS), tais como orelhas posicionadas de forma atípica, lobos das orelhas aderentes ou língua enrugada, estão associadas ao aumento de comportamento antissocial e agressivo em meninos de pré-escola e da escola primária21-23 e em rapazes de 17 anos.24 Aparentemente, as AFS têm maior probabilidade de eliciar comportamentos antissociais na presença de outro fator psicossocial negativo (por exemplo, adversidade familiar, lar instável25,26). No entanto, há indícios de que as AFS sejam um fator geral de risco para distúrbios de comportamento, e não um fator específico para comportamento agressivo, antissocial.27

Complicações no parto

Diversos estudos demonstraram que a combinação de complicações no parto e deficits psicossociais, tais como rejeição materna precoce,28 ambiente familiar menos favorecido29 ou cuidados parentais precários,30 aumenta significativamente o risco de comportamentos criminosos ou violentos graves na vida adulta. Embora não tenha sido testada diretamente a conexão entre complicações no parto e anormalidades cerebrais em indivíduos agressivos, em pacientes esquizofrênicos, a hipoxia (isto é, falta de oxigênio) fetal está associada a redução da matéria cinzenta cortical.31 Assim sendo, complicações no parto, tais como anoxia-hipoxia, pré-eclâmpsia (hipertensão que leva à anoxia) e partos com fórceps, também podem ser uma fonte de disfunções cerebrais observadas em grupos antissociais. Quando combinadas com um ambiente de risco que não consegue promover a socialização da criança por meio de práticas parentais adequadas, essas complicações podem aumentar substancialmente a predisposição da criança para envolvimento em agressões.

Conclusões

De maneira geral, pesquisas fundamentam a noção de que complicações obstétricas, como exposição pré-natal a álcool, drogas e cigarro, nutrição materna deficiente, complicações no parto e AFS, contribuem para o desenvolvimento de agressividade em diferentes momentos da trajetória de vida. Assim sendo, melhores cuidados de saúde nos períodos pré-natal e perinatal, que reduzem essas complicações, podem ajudar também a reduzir o desenvolvimento de problemas de comportamento agressivo. Para crianças que mesmo assim venham a sofrer essas complicações, a melhoria dos estressores psicossociais coexistentes pode reduzir o risco de agressividade, uma vez que, aparentemente, complicações obstétricas só aumentam o risco de violência posterior quando estão presentes também estressores como rejeição materna, práticas inadequadas de cuidados parentais e um ambiente familiar menos favorecido.

Deve-se notar também que o impacto dessas diversas complicações obstétricas sobre o comportamento posterior é variável. Por exemplo, até agora as constatações relativas à exposição pré-natal ao álcool são muito mais extensas do que aquelas relativas à nutrição materna. Além disso, muitas complicações obstétricas (por exemplo, síndrome alcoólica fetal, exposição pré-natal a cocaína e AFS) estão associadas a outros problemas cognitivos e comportamentais, tais como retardo mental, deficits significativos de atenção e esquizofrenia. Portanto, esses fatores de risco não devem ser considerados específicos para agressividade.

Pesquisas futuras

Apesar de observações gerais de pesquisas indicando que complicações obstétricas estão relacionadas com agressividade posterior em crianças afetadas, muitas questões continuam sem resposta. Em primeiro lugar, experimentos com animais sugerem que a exposição pré-natal a drogas, desnutrição materna e complicações no parto afetam o desenvolvimento cerebral, e que esta disfunção cerebral, por sua vez, resulta em comportamento agressivo. Assim sendo, orientações promissoras para pesquisas futuras em seres humanos incluem investigar:

  1. se complicações obstétricas efetivamente resultam em anormalidades cerebrais identificáveis; 
  2. se anormalidades cerebrais resultantes de complicações obstétricas são subjacentes a formas persistentes ou graves de comportamentos agressivos subsequentes;
  3. se complicações obstétricas associadas a problemas de comportamento agressivo e não agressivo estão associada individualmente a diferentes padrões de anormalidade cerebral.

Além disso, nas diversas áreas de complicações obstétricas, a pesquisa verificou que uma complicação obstétrica (por exemplo, exposição pré-natal a cigarro e AFS) frequentemente requer a presença de um estressor adicional para que seja observado aumento de agressividade. Assim, estudos futuros podem ter como objetivo a busca de uma compreensão mais aprofundada de como complicações obstétricas e a qualidade do ambiente em que a criança é criada interagem para produzir maior risco de agressividade. Maior especificidade na compreensão desses processos biológicos e sociais pode servir para orientar melhor a formulação de políticas e os padrões de cuidados médicos, de maneira que, ao final, ajude a reduzir comportamentos agressivos. 

Refêrencias 

  1. Kelly SJ, Day N, Streissguth AP. Effects of prenatal alcohol exposure on social behavior in humans and other species. Neurotoxicology and Teratology 2000;22(2):143-149.
  2. Cohen S, Erwin EJ. Characteristics of children with prenatal drug exposure being served in preschool special education programs in New York City. Topics in Early Childhood Special Education 1994;14(2):232-253.
  3. de Cubas MM, Field T. Children of methadone-dependent women: developmental outcomes. American Journal of Orthopsychiatry 1993;63(2):266-276.
  4. Neuspiel DR. The problem of confounding in research on prenatal cocaine effects on behavior and development. In: Lewis M, Bendersky M, eds. Mothers, Babies, and Cocaine: the Role of Toxins in Development Hillsdale, NJ: Lawrence Erlbaum Associates; 1995:95-110.
  5. Delaney-Black V, Covington C, Templin T, Ager J, Nordstrom-Klee B, Martier S, Leddick L, Czerwinski RH, Sokol RJ. Teacher-assessed behavior of children prenatally exposed to cocaine. Pediatrics 2000;106(4):782-791.
  6. Weissman MM, Warner V, Wickramaratne PJ, Kandel DB. Maternal smoking during pregnancy and psychopathology in offspring followed to adulthood. Journal of the American Academy of Child and Adolescent Psychiatry 1999;38(7):892-899.
  7. Wakschlag LS, Lahey BB, Loeber R, Green SM, Gordon RA, Leventhal BL. Maternal smoking during pregnancy and the risk of conduct disorder in boys. Archives of General Psychiatry 1997;54(7):670-676.
  8. Fergusson DM, Woodward LJ, Horwood J. Maternal smoking during pregnancy and psychiatric adjustment in late adolescence. Archives of General Psychiatry 1998;55(8):721-727.
  9. Rantakallio P, Läärä E, Isohanni M, Moilanen I. Maternal smoking during pregnancy and delinquency of the offspring: an association without causation? International Journal of Epidemiology 1992;21(6):1106-1113.
  10. Brennan PA, Grekin ER, Mednick SA. Maternal smoking during pregnancy and adult male criminal outcomes. Archives of General Psychiatry 1999;56(3):215-219.
  11. Räsänen P, Hakko H, Isohanni M, Hodgins S, Järvelin MR, Tiihonen J. Maternal smoking during pregnancy and risk of criminal behavior among adult male offspring in the Northern Finland 1966 birth cohort. American Journal of Psychiatry 1999;156(6):857-862.
  12. Orlebeke JF, Knol DL, Verhulst FC. Child behavior problems increased by maternal smoking during pregnancy. Archives of Environmental Health 1999;54(1):15-19.
  13. Neugebauer R, Hoek HW, Susser E. Prenatal exposure to wartime famine and development of antisocial personality disorder in early adulthood. JAMA-Journal of the American Medical Association 1999;282(5):455-462.
  14. Pfeiffer CC, Braverman ER. Zinc, the brain, and behavior. Biological Psychiatry 1982;17(4):513-532.
  15. King JC. Determinants of maternal zinc status during pregnancy. American Journal of Clinical Nutrition 2000;71(5 suppl):1334S-1343S.
  16. Oteiza PI., Hurley LS, Lonnerdal B, Keen CL. Effects of marginal zinc deficiency on microtubule polymerization in the developing rat brain. Biological Trace Element Research 1990;24(1):13-23.
  17. Bennis-Taleb N, Remacle C, Hoet JJ, Reusens B. A low-protein isocaloric diet during gestation affects brain development and alters permanently cerebral cortex blood vessels in rat offspring. Journal of Nutrition 1999;129(8):1613-1619.
  18. Raine A, Buchsbaum M, LaCasse L. Brain abnormalities in murderers indicated by positron emission tomography. Biological Psychiatry 1997;42(6):495-508.
  19. Davidson RJ, Putnam KM, Larson CL. Dysfunction in the neural circuitry of emotion regulation: a possible prelude to violence. Science 2000;289(5479):591-594.
  20. Christensen MK, Frederickson CJ. Zinc-containing afferent projections to the rat corticomedial amygdaloid complex: a retrograde tracing study. Journal of Comparative Neurology 1998;400(3):375-390.
  21. Paulhus DL, Martin CL. Predicting adult temperament from minor physical anomalies. Journal of Personality and Social Psychology 1986;50(6):1235-1239.
  22. Waldrop MF, Bell RQ, McLaughlin B, Halverson CF Jr. Newborn minor physical anomalies predict short attention span, peer aggression, and impulsivity at age 3. Science 1978;199(3):563-564.
  23. Halverson CF Jr, Victor JB. Minor physical anomalies and problem behavior in elementary school children. Child Development 1976;47(1):281-285.
  24. Arseneault L, Tremblay RE, Boulerice B, Séguin JR, Saucier JF. Minor physical anomalies and family adversity as risk factors for violent delinquency in adolescence. American Journal of Psychiatry 2000;157(6):917-923.
  25. Brennan PA, Mednick SA, Raine A. Biosocial interactions and violence: a focus on perinatal factors. In: Raine A, Brennan PA, Farrington DP, Mednick SA, eds. Biosocial Bases of Violence. New York, NY: Plenum Press; 1997:163-174. NATO ASI Series. Series A, Life Sciences, Vol. 292.
  26. Pine DS, Wasserman G, Coplan J, Fried J, Sloan R, Myers M, Greenhill L, Shaffer D, Parsons B. Serotonergic and cardiac correlates of aggression in children. Annals of the New York Academy of Sciences 1996;794(1):391-393.
  27. Pomeroy JC, Sprafkin J, Gadow KD. Minor physical anomalies as a biologic marker for behavior disorders. Journal of the American Academy of Child and Adolescent Psychiatry 1988;27(4):466-473.
  28. Raine A, Brennan P, Mednick SA. Birth complications combined with early maternal rejection at age 1 year predispose to violent crime at age 18 years. Archives of General Psychiatry 1994;51(12):984-988.
  29. Piquero A, Tibbetts S. The impact of pre/perinatal disturbances and disadvantaged familial environment in predicting criminal offending. Studies on Crime and Crime Prevention 1999;8(1):52-70.
  30. Hodgins S, Kratzer L, McNeil TF. Obstetric complications, parenting, and risk of criminal behavior. Archives of General Psychiatry 2001;58(8):746-752.
  31. Cannon TD, van Erp TGM, Rosso IM, Huttunen M, Lönnqvist J, Pirkola T, Salonen O, Valanne L, Poutanen VP, Standertskjöld-Nordenstam CG. Fetal hypoxia and structural brain abnormalities in schizophrenic patients, their siblings, and controls. Archives of General Psychiatry 2002;59(1):35-41.

Para citar este artigo:

Ishikawa S, Raine A. Complicações obstétricas e agressão. Em: Tremblay RE, Boivin M, Peters RDeV, eds. Tremblay RE, ed. tema. Enciclopédia sobre o Desenvolvimento na Primeira Infância [on-line]. https://www.enciclopedia-crianca.com/agressividade-agressao/segundo-especialistas/complicacoes-obstetricas-e-agressao. Publicado: Abril 2003 (Inglês). Consultado em 19 de abril de 2024.

Texto copiado para a área de transferência ✓