Programas e serviços que se mostraram eficazes na redução da agressividade em crianças pequenas Comentários sobre Webster-Stratton , Domitrovich e Greenberg, e Lochman


Pennsyvania State University, EUA
(Inglês). Tradução: abril 2010

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Introdução

Os artigos sobre agressividade destacam três aspectos-chave. Em primeiro lugar, problemas de comportamento agressivo-disruptivo são o motivo mais comum de encaminhamento de crianças para serviços de saúde mental. Em segundo lugar, afetam desproporcionalmente crianças em condições de desvantagem socioeconômica, somando-se às privações educacionais e sociais vividas por essas crianças. Em terceiro lugar, são altamente estáveis e, caso não sejam tratados, aumentam o risco de delinquência, uso de drogas, depressão e fracasso escolar no futuro, resultando em custos extremamente altos para os indivíduos e as famílias em questão e para a sociedade em geral. Existem algumas intervenções preventivas que se mostraram eficazes, mas são necessárias estratégias para melhorar a difusão em bases amplas e a implementação com máxima fidelidade das práticas já baseadas em evidências. Além disso, mais pesquisas são necessárias para subsidiar práticas e políticas nesta área significativamente importante.

Questão

Os artigos oferecem um argumento convincente para a aplicação de uma perspectiva de desenvolvimento no planejamento de programas de prevenção para reduzir a agressividade precoce. Cada um dos autores aponta de que maneira, na falta de prevenção, os fatores precoces de risco tendem a se acumular e a aumentar no decorrer do tempo, de modo que as crianças que chegam ao final dos anos pré-escolares sem ter aprendido a controlar sua agressividade ingressam na escola sob alto risco de continuidade e agravamento de problemas de ajustamento.1 As consequências negativas incluem rejeição e vitimização2 por parte dos colegas, bem como falta de estímulo acadêmico e frustração crescente,3 criando as condições para problemas na adolescência: falta de vínculo, fracasso escolar, uso de álcool e outras drogas e atividade criminosa.4,5

Problemas

Como já foi apontado, múltiplos fatores interagem para colocar a criança sob risco de violência, entre os quais estão características de temperamento da criança, práticas parentais e processos familiares, experiências na escola e influência de colegas. Esses fatores certamente merecem atenção em programas de prevenção.

No entanto, ao focalizar a redução de comportamentos agressivos precoces de forma isolada, esses artigos consideram que comportamentos agressivos podem ser tratados sem que seja dada atenção simultaneamente à “criança como um todo” e às habilidades da criança em outras áreas de desenvolvimento socioemocional e cognitivo. Muitos dos fatores de risco associados a comportamentos agressivos são preditivos também de atrasos no desenvolvimento de habilidades de linguagem, habilidades cognitivas e compreensão socioemocional.6,7 Em termos de desenvolvimento, a maioria das crianças exibe comportamentos agressivos quando estão começando a aprender a conviver com outras crianças (em torno dos 2 ou 3 anos de idade). As habilidades verbais, emocionais e sociais que desenvolvem durante os anos pré-escolares permitem que inibam seus impulsos iniciais, que aceitem o protocolo social, e que “usem suas palavras” para expressar insatisfação e resolver divergências. Portanto, intervenções preventivas durante a primeira infância precisam não só focalizar a agressividade decrescente, mas também promover o desenvolvimento de um amplo conjunto de competências que permitem que as crianças passem a ser membros positivos de suas famílias, de grupos de colegas e de comunidades escolares.

Contexto de pesquisas 

Como foi apontado nos artigos, muitos programas de prevenção da agressividade baseados em evidências empíricas focalizaram crianças em idade escolar, e relativamente poucos estudos tiveram como alvo o período entre o nascimento e os 5 anos de idade. A maioria dos estudos com crianças mais novas focalizou capacitação de pais – redução da agressividade da criança por meio da promoção de relações positivas entre pais e filhos e de práticas disciplinares eficazes, não punitivas.8 Mais recentemente, têm sido planejados programas semelhantes visando à capacitação de professores na utilização de estratégias positivas de gestão do comportamento, entre as quais o estabelecimento claro de limites e consequências não punitivas (por exemplo, time-outsa) para reduzir a agressividade em sala de aula.8

Além dos programas que focalizam especificamente a agressividade, alguns programas eficazes de educação infantil planejados para a promoção de competências sociais, emocionais e cognitivas da criança também evidenciaram redução de agressividade infantil.9,10 Habilidades adaptativas nas áreas de linguagem, autorregulação e interação social promovem controle da agressividade.11-14 Se combinadas com oportunidades múltiplas de prática, capacitação pelos professores e um ambiente de apoio em sala de aula, instruções conduzidas por professores podem promover de maneira eficaz a compreensão emocional, o autocontrole e a competência social da criança, levando dessa forma a uma redução sustentada do comportamento agressivo.15-16

Questões-chave de pesquisas

Há claro consenso em relação às questões-chave para pesquisas:

  1. Quais são as intervenções preventivas mais eficientes, mais eficazes e com melhor relação custo/benefício, baseadas em ensaios clínicos aleatórios?  
  2. Quais são os mecanismos ativos e os resultados proximais visados por esses programas que parecem ser importantes para a prevenção de resultados negativos de mais longo prazo?
  3. Quais são os fatores de risco relacionados à criança, à família ou à escola que restringem a eficácia dessas intervenções e demandam ajustes no planejamento da prevenção?

É preciso também que as pesquisas identifiquem estratégias e fatores associados à difusão de práticas que tenham sustentação empírica de forma ampla e com máxima fidelidade.

Resultados de pesquisas recentes

Os artigos descrevem programas de capacitação de pais sustentados por evidências empíricas e com efeitos comprovados na redução da agressividade em crianças pequenas (entre 2 e 5 anos de idade), bem como intervenções recentes baseadas na escola, tais como o Incredible Years Teacher Training Program, planejado para ensinar estratégias eficazes de gestão da sala de aula.17 Intervenções focalizadas na criança são promissoras, porém ainda não foram suficientemente investigadas no nível pré-escolar. Essas intervenções tentam reduzir o risco por meio da promoção de habilidades sociais, emocionais e cognitivas, e entre elas estão Incredible Years Dinosaur Curriculum,17-18I can problem solve,19 e  o programa pré-escolar Promoting Alternative Thinking Strategies.20-22

No nível da escola primária, as abordagens eficazes para a prevenção da agressividade envolvem, cada vez mais, intervenções multifacetadas, que integram componentes focalizados em pais, crianças e professores.23 No entanto, neste momento precisamos desenvolver e avaliar abordagens preventivas no nível da pré-escola que apliquem intervenções coesas e coordenadas, que associem o atendimento baseado na escola para crianças, com componentes de capacitação dos pais e com consulta a professores.24,16

Conclusões

Embora a maioria das intervenções preventivas que focalizam a agressão tenham sido planejadas para crianças em idade de frequentar a escola primária, e não para crianças em idade pré-escolar, a pesquisa sobre desenvolvimento sugere que os esforços para prevenir a agressividade e outros problemas de desenvolvimento correlatos devem começar na primeira infância, quando aprender a controlar a agressividade é uma tarefa normativa de desenvolvimento, ao invés de esperar até a idade escolar, quando os problemas se manifestam em níveis significativos em termos clínicos.

A capacidade de controlar a agressividade está estabelecida em uma base de desenvolvimento que envolve competências de apoio, entre as quais habilidades sociais, de linguagem e de autorregulação. Assim sendo, estratégias para promover o controle da agressividade devem ser integradas a estratégias para promover competências em habilidades sociais, de linguagem e de autorregulação.

Embora a atual base de pesquisas ofereça uma forte sustentação para programas focalizados nos pais durante os anos pré-escolares, os resultados mais positivos e consistentes têm sido encontrados em idades mais avançadas, por meio de programas que utilizam componentes múltiplos focalizando diversas áreas, entre as quais práticas parentais, habilidades da criança e práticas de ensino.

Implicações

Difusão estratégica de práticas comprovadas

São necessários esforços para desenvolver estratégias para a difusão de intervenções de capacitação de pais que estejam validadas empiricamente e comprovadamente eficazes na redução da agressividade em crianças pequenas. Tendo em vista a importância da implementação com o máximo de fidelidade para que se obtenha o melhor resultado possível, a pesquisa deve ser focalizada na determinação de estratégias ótimas para a educação e a capacitação de profissionais, e nos métodos de disponibilização de apoio e assistência técnica continuados.

Extensão e avaliação de programas que utilizam componentes múltiplos

É preciso que sejam realizadas pesquisas para avaliar novos programas de intervenção com crianças em idade pré-escolar. São particularmente importantes os modelos que associam componentes focalizados nos pais, nos professores e na construção de habilidades da criança que já se mostraram eficazes no nível da escola primária.

Integração da educação infantil com programas de promoção da saúde mental

Tendo em vista a significativa interdependência entre controle da agressividade e desenvolvimento positivo nas áreas socioemocional e da linguagem, os programas pré-escolares devem incluir esforços no sentido de promover as competências da criança nas áreas de aprendizagem cognitiva e socioemocional. Os esforços podem ser mais eficazes quando agências e profissionais trabalham em conjunto, articulando disciplinas educacionais e de saúde mental, associando estrategicamente serviços universais de prevenção educacional (como os oferecidos pelas escolas) a níveis selecionados e recomendados de apoio preventivo (como intervenções de cuidados parentais por parte de agências de saúde mental e outras agências comunitárias), de forma a oferecer uma rede coordenada e flexível de apoio preventivo para as crianças e para as famílias.

Referências

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aNT: A expressão time-out, ainda não traduzida consensualmente para o português, designa um procedimento desenvolvido pela Análise Experimental do Comportamento como forma de controle de comportamento inadequado. Consiste essencialmente em retirar o indivíduo do contexto em que o comportamento ocorre, e colocá-lo durante um breve espaço de tempo em outro contexto ambiental onde estejam ausentes as condições que provocaram o comportamento inadequado.

Para citar este artigo:

Bierman KL. Programas e serviços que se mostraram eficazes na redução da agressividade em crianças pequenas Comentários sobre Webster-Stratton , Domitrovich e Greenberg, e Lochman. Em: Tremblay RE, Boivin M, Peters RDeV, eds. Tremblay RE, ed. tema. Enciclopédia sobre o Desenvolvimento na Primeira Infância [on-line]. https://www.enciclopedia-crianca.com/agressividade-agressao/segundo-especialistas/programas-e-servicos-que-se-mostraram-eficazes-na. Publicado: Maio 2003 (Inglês). Consultado em 20 de abril de 2024.

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