Promoção do aleitamento materno e desenvolvimento na primeira infância: Comentários sobre Woodward e Liberty, Pérez-Escamilla, Lawrence e Greiner
Michael S. Kramer, MD
McGill University Faculty of Medicine, the Institute of Human Development and Child and Youth Health, Canadian Institutes of Health Research, Canadá
(Inglês). Tradução: abril 2011
Introdução
Que o aleitamento materno traz uma série de vantagens em termos de saúde tanto para a mãe quanto para a criança, algumas das quais mais solidamente estabelecidas do que outras é fato amplamente reconhecido. Evidências de que o aleitamento materno protege contra infecções gastrointestinais e respiratórias são firmes e consistentes, e têm implicações importantes para a morbidade e até para a mortalidade, particularmente nos países em desenvolvimento. No entanto, tendo em vista que essas infecções raramente são fatais nos países industrializados, estes se concentram no papel potencial do aleitamento materno para a proteção de longo prazo contra doenças crônicas – entre as quais obesidade, doença coronária cardíaca e diabetes dos tipos 1 e 2 – e, especificamente, nos benefícios relacionados ao comportamento e ao desenvolvimento neurocognitivo. Devido a dificuldades práticas e éticas da designação aleatória de bebês humanos saudáveis ao aleitamento materno ou à alimentação com leite em pó em diferentes períodos e níveis de exclusividade do aleitamento materno, evidências científicas relacionadas a esses resultados baseiam-se quase que exclusivamente em estudos observacionais (não experimentais). É nesse contexto que os artigos de Woodward e Liberty, Pérez-Escamilla, Lawrence e Greiner tentaram rever as evidências disponíveis. Os três primeiros sintetizaram a literatura que associa a alimentação do bebê ao desenvolvimento infantil inicial, ao passo que o quarto focalizou serviços de saúde e políticas relacionadas à proteção, apoio e promoção do aleitamento materno em países desenvolvidos.
Pesquisas e conclusões
Em seu artigo, Woorward e Liberty indicam a dificuldade de fazer inferências causais a partir de estudos observacionais devido às diferenças potencialmente interferentes em termos de saúde mental e criação da mãe, que podem afetar a escolha do método de alimentação e, desse modo, ter influências causais no desenvolvimento da criança, independentemente do método de alimentação do bebê. Embora os autores aleguem que a designação aleatória de dois grupos diferentes de método alimentar não tenha sido possível, um estudo experimental desse tipo foi efetivamente conduzido por Lucas e cols., que compararam os resultados da alimentação de bebês prematuros com leite humano armazenado em bancos de leite, com leite em pó para prematuros e com leite em pó para bebês nascidos a termo; os resultados indicam melhor desenvolvimento cognitivo para aqueles que receberam o leite humano armazenado em bancos de leite.1 Os autores citam estudos que sugerem benefícios afetivos para a mãe que amamenta, melhor apego mãe-bebê, melhor vivacidade e orientação dos bebês, e redução do choro (embora este último efeito não tenha sido confirmado em outros estudos). Os autores chamam a atenção para a limitação das evidências relativas a benefícios de longo prazo para o comportamento e a saúde mental dos filhos. Afirmam também que o abuso de álcool e de medicamentos pela mãe reduz a qualidade do leite materno e, em consequência, pode afetar negativamente o comportamento do bebê; mas, de acordo com meus conhecimentos, as doses ingeridas não foram associadas a esses efeitos adversos.
Pérez-Escamilla revê brevemente a descoberta bastante consistente de QI mais alto em bebês alimentados por aleitamento materno, mesmo após os ajustes para status socioeconômico (incluindo nível educacional da mãe). Embora o autor enfatize o papel etiológico potencial de ácidos graxos poli-insaturados de cadeias longas (AGPICL) para explicar esse efeito, as revisões de Cochrane sugerem que as evidências não são tão nítidas, tanto para bebês a termo2 como para prematuros3. Como indica Pérez-Escamilla, os dados relativos a aleitamento materno e desenvolvimento motor são escassos e menos conclusivos. Conclui com uma revisão das evidências que sugerem um efeito de longo prazo do aleitamento materno sobre a proteção contra obesidade e especula que esse efeito protetor talvez se deva à melhor regulação do apetite resultante do aumento de concentração de gordura ao longo da mamada. Pérez-Escamilla conclui com um apelo por mais pesquisas sobre alguns resultados escolares/acadêmicos e de desenvolvimento comportamental e psicossocial no longo prazo para bebês amamentados em comparação com bebês alimentados com leite em pó.
Lawrence revê parte dessas mesmas evidências a respeito de aleitamento materno e desenvolvimento neurocongnitivo e evidências provenientes de estudo de contingentes no longo prazo, realizado na Nova Zelândia, que sugeriu melhorias na relação pais-filhos. De modo semelhante aos autores dos dois artigos anteriores, Lawrence alega que “não é possível designar aleatoriamente mães e bebês a grupos de tratamento ou controlar a duração do processo”. De fato, Morrow et al.4, no México, Dewey e colegas, em Honduras,5, 6 e nós, na Bielo-Rússia,7 efetivamente conseguimos alocar experimentalmente grupos de mães e bebês em intervenções experimentais versus intervenções de controle que afetam a duração e/ou a exclusividade do aleitamento materno. Como mencionado acima, Lucas e colegas designaram aleatoriamente um grupo de bebês prematuros para alimentação com leite humano armazenado versus leite em pó para prematuros versus leite em pó para bebês a termo.1 Portanto, planejamentos experimentais são possíveis nessa área e provavelmente devem ser utilizados com maior frequência em investigações futuras.
Por fim, o artigo de Greiner focaliza políticas clínicas e de saúde pública que protegem, apoiam e incentivam o aleitamento materno. O autor enfatiza adequadamente a importância do Código Internacional de Marketing de Substitutos do Leite Materno, da Assembléia Mundial da Saúde, e do “ambiente” político, das políticas de emprego para as mães e da Iniciativa Hospital Amigo da Criança (IHAC) criada pela OMS e pelo UNICEF. Infelizmente, Greiner deixa de citar algumas das melhores evidências disponíveis sobre esse tema, isto é, evidências de ensaios aleatórios controlados e meta-análises de ensaios aleatórios. Com base nessas evidências, algumas das intervenções defendidas pelo autor têm sustentação muito maior do que outras. São consistentes as evidências que favorecem o aleitamento materno sob demanda, o alojamento conjunto e o apoio pós-natal.8, 9 Por outro lado, os ensaios de suplementação com glicose ou leite em pó não sugerem nenhum efeito prejudicial sobre a duração do aleitamento materno.10-12 Greiner aponta corretamente a dificuldade de deslindar os componentes exatos de programas promocionais complexos que causam impacto. No entanto, países como Noruega e Suécia demonstraram o que pode ser conseguido com aplicação ativa do código internacional, políticas esclarecidas sobre licença-maternidade e amplo apoio social para o aleitamento materno.
Implicações para serviços
Serviços clínicos e políticas de saúde pública que favorecem a iniciação, a exclusividade e a duração do aleitamento materno tendem a produzir benefícios importantes para o desenvolvimento na primeira infância. Têm sido relatados benefícios tanto para bebês prematuros como para bebês a termo saudáveis, mas ainda não está claro se esses benefícios são devidos a componentes biológicos (por exemplo, AGPICL) acrescidos ao leite humano, ou à melhoria da interação mãe-bebê que é atribuída ao aleitamento materno. Embora a magnitude do efeito benéfico seja pequena no nível individual, o impacto potencial sobre a população geral de lactentes e de crianças pequenas é de enorme importância para a saúde pública. Países como Noruega e Suécia demonstraram que o apoio clínico e social ao aleitamento materno pode produzir enormes dividendos.
Referências
- Lucas A, Morley R, Cole TJ, Lister G, Leeson-Pagne C. Breast milk and subsequent intelligence quotient in children born preterm. Lancet 1992;339(8788):261-264.
- Simmer K. Longchain polyunsaturated fatty acid supplementation in infants born at term. Cochrane Database of Systematic Reviews 2001;4:CD000376.
- Simmer K, Patole S. Longchain polyunsaturated fatty acid supplementation in preterm infants. Cochrane Database of Systematic Reviews 2004;1:CD000375.
- Morrow AL, Guerrero ML, Shults J, Calva JJ, Lutter C, Bravo J, Ruiz-Palacios G, Morrow RC, Butterfoss FD. Efficacy of home-based peer counselling to promote exclusive breastfeeding: a randomised controlled trial. Lancet 1999;353(9160):1226-1231.
- Cohen RJ, Brown KH, Canahuati J, Rivera LL, Dewey KG. Effects of age of introduction of complementary foods on infant breast milk intake, total energy intake, and growth: a randomized intervention study in Honduras. Lancet 1994;344(8918):288-293.
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Para citar este artigo:
Kramer MS. Promoção do aleitamento materno e desenvolvimento na primeira infância: Comentários sobre Woodward e Liberty, Pérez-Escamilla, Lawrence e Greiner. Em: Tremblay RE, Boivin M, Peters RDeV, eds. Enciclopédia sobre o Desenvolvimento na Primeira Infância [on-line]. https://www.enciclopedia-crianca.com/aleitamento-materno/segundo-especialistas/promocao-do-aleitamento-materno-e-desenvolvimento-na. Publicado: Junho 2005 (Inglês). Consultado em 4 de outubro de 2024.
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