Apego nos primeiros anos de vida (0-5) e seu impacto no desenvolvimento das crianças


Leiden University, Holanda
(Inglês). Tradução: julho 2011

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Introdução

O que é apego? As crianças são consideradas apegadas quando tendem a buscar proximidade e contato com um cuidador específico em momentos de aflição, doença e cansaço.1 O apego a um cuidador protetor ajuda os bebês a regular suas emoções negativas em momentos de estresse e aflição e a explorar o ambiente, mesmo quando este contém estímulos amedrontadores. O apego, que é um marco importante de desenvolvimento na vida da criança, continua a ser importante ao longo da vida. Na idade adulta, representações de apego moldam a forma como os adultos se sentem em relação a tensões e estresses nas relações íntimas, entre as quais as relações pais-filhos, e a forma pela qual o selfa é percebido.

Desenvolvimento de apego

O apego desenvolve-se em quatro fases.1 Na primeira fase – orientação e sinalização indiscriminada para pessoas –, o bebê parece estar “sintonizado” com certos comprimentos de onda dos sinais do ambiente. Em sua maioria, esses sinais são de origem humana (por exemplo, som de vozes). Na segunda fase, provavelmente primeiro pelo olfato e depois pela visão, o bebê desenvolve preferência por um ou mais cuidadores – é a fase de orientação e sinalização dirigidas a uma ou a diversas pessoas específicas. É somente quando o bebê se torna capaz de apresentar comportamentos ativos de apego, tais como buscar ativamente a proximidade da figura de apego e segui-la, que ele entra na terceira fase, a fase do apego propriamente dito – manter-se perto de uma pessoa específica por meio de sinalizações e movimentos. As crianças entram na quarta fase – de parceria corrigida para uma meta – quando são capazes de imaginar os planos e as percepções dos pais ou cuidadores e ajustar a eles seus próprios planos e atividades.

Explicando diferenças individuais no apego

Ainsworth et al.2 observaram bebês de um ano de idade com suas mães em um procedimento padronizado de separação estressante –  o Procedimento da Situação Estranha (PSE). As reações dos bebês no reencontro com o cuidador depois de uma separação breve eram utilizadas para avaliar o grau de confiança que a criança tinha na acessibilidade de sua figura de apego. O procedimento consiste em oito episódios, sendo que os sete últimos idealmente duram três minutos. Os bebês são confrontados com três componentes estressantes: um ambiente não familiar, a interação com um estranho e duas separações curtas do cuidador. 

Com base nas reações dos bebês no reencontro com um dos pais ou com outro cuidador, é possível distinguir três padrões de apego. Os bebês que buscam ativamente a proximidade com seus cuidadores no reencontro, comunicam abertamente seus sentimentos de estresse e aflição, e depois voltam rapidamente a explorar o ambiente, são classificados como seguros (B). Os bebês que não parecem se afligir e ignoram ou evitam o cuidador no momento do reencontro (embora a pesquisa fisiológica revele que estão ativos)3 são classificados como inseguros-evitativos (A). Os bebês que combinam manutenção intensa de contato com resistência ao contato, ou continuam inconsoláveis, sem conseguir voltar a explorar o ambiente, são classificados como inseguros-ambivalentes (C). Além da classificação clássica nos três tipos ABC, Main e Solomon4 propuseram uma quarta classificação – o apego desorganizado (D) –, que não é discutido aqui.

Uma revisão de todos os estudos americanos com amostras não clínicas (21 amostras, com um total de 1584 bebês, obtidas entre 1977 e 1990) revela que cerca de 67% dos bebês foram classificados como seguros, 21% como inseguros-evitativos e 12% como inseguros-ambivalentes.5 Uma questão central na pesquisa e na teorização sobre apego é a identificação dos fatores que levam alguns bebês a desenvolver uma relação de apego inseguro enquanto outros se sentem seguros.

Contexto de pesquisa

O modelo básico de explicação de diferenças nas relações de apego pressupõe que práticas parentais sensíveis ou insensíveis determinam a (in-)segurança do apego infantil. Ainsworth2 e colegas definiram originalmente a sensibilidade parental como a capacidade de perceber e interpretar corretamente os sinais de apego da criança, e de responder a esses sinais de forma imediata e adequada. De fato, verificou-se uma associação entre falta de responsividade ou sensibilidade inconsistente e insegurança da criança; e entre responsividade sensível e consistente e vínculos seguros.6

No entanto, alguns proponentes da abordagem da genética do comportamento declaram que a maior parte dos dados correlacionais sobre desenvolvimento da criança são seriamente tendenciosos, uma vez que se baseiam em delineamentos tradicionais de pesquisa que focalizam comparações entre famílias, que confundem semelhanças genéticas entre pais e filhos com influências ambientais supostamente compartilhadas.7 Harris8, por exemplo, alega que há uma necessidade urgente de repensar radicalmente o papel dos pais no desenvolvimento da criança e reduzir a ênfase nesse papel. Apesar da prevalência dessa linha de pensamento, a teoria do apego continua a enfatizar o papel importante da sensibilidade parental.  

Principais questões de pesquisa

Questões de pesquisa cruciais exploram o papel causal de práticas parentais sensíveis no desenvolvimento da segurança do apego em bebês. Essas questões têm sido abordadas em estudos de gêmeos, que comparam apegos de gêmeos monozigóticos e dizigóticos de uma mesma família, e em estudos experimentais de intervenção planejados para promover a sensibilidade parental de forma a melhorar a relação de apego da criança.

Resultados recentes de pesquisa

Até o momento, foram publicados quatro estudos com gêmeos sobre segurança do apego mãe-criança, utilizando modelos da genética do comportamento. Três dos quatro estudos documentam um papel secundário das influências genéticas nas diferenças de segurança do apego, e um papel bastante substancial do ambiente compartilhado.9,10,11 O quarto estudo – o Louisville Twin Study12 – investigou a qualidade do apego em pares de gêmeos, utilizando um procedimento de separação-reencontro adaptado, planejado originalmente para a avaliação de temperamento. É marcante a importância do papel que fatores ambientais compartilhados desempenham no apego (no estudo de Bokhorst et al., cerca de 50%). As diferenças entre relações de apego são causadas principalmente pelo ambiente, e não pela natureza, embora a tendência no sentido de se apegar seja inata. 

Será que a prática parental sensível é o ingrediente central do ambiente compartilhado? Em 21 estudos correlacionais foi replicada uma associação significativa, embora modesta, entre sensibilidade parental e apego infantil (r = .24, N = 1099). Mas apenas intervenções experimentais poderão provar definitivamente a hipótese original de Ainsworth. Em 24 estudos experimentais de intervenção (n = 1280), tanto a sensibilidade materna quanto a segurança do apego da criança foram avaliadas como medidas de resultados. De modo geral, a insegurança do apego mostrou-se mais resistente à mudança do que a insensibilidade materna. As intervenções mais eficazes em promover sensibilidade parental foram também mais eficazes em melhorar a segurança do apego, o que fortalece experimentalmente a noção de um papel causal da sensibilidade na formação do apego.13

Conclusões

O apego – o vínculo afetivo entre o bebê e o genitor – desempenha um papel central na regulação do estresse em momentos de aflição, ansiedade ou enfermidade. Os seres humanos nascem com uma tendência inata no sentido de se apegar a um cuidador protetor. Mas os bebês desenvolvem tipos diferentes de relações de apego: alguns bebês desenvolvem uma relação de apego seguro com seu genitor, e outros encontram-se em uma relação de apego inseguro. Essas diferenças individuais não são determinadas geneticamente, e sim enraizadas em interações no ambiente social durante os primeiros anos de vida. Como foi documentado em estudos de gêmeos e em estudos experimentais de intervenção, práticas parentais sensíveis ou insensíveis desempenham um papel central no surgimento de apegos seguros ou inseguros. No caso da teoria do apego, a hipótese do ambiente8 está de fato justificada.  Inúmeros achados confirmam a hipótese central de que práticas parentais sensíveis resultam em segurança do apego infantil, embora outras causas não possam ser excluídas. 

Implicações para políticas sociais 

A implicação mais importante para políticas e saúde mental é que as práticas parentais de fato fazem diferença para o desenvolvimento socioemocional da criança. Portanto, os pais têm o direito de receber apoio social de formuladores de políticas e profissionais da área de saúde mental, para que possam fazer o melhor possível para criar seus filhos vulneráveis. A sensibilidade parental não é uma tarefa fácil, e não acontece com naturalidade para muitos pais, que precisam encontrar seu caminho ainda que tenham tido poucas experiências positivas em sua própria infância. Ninguém cria um filho sozinho,14 portanto os pais devem poder contar com cuidado não parental de boa qualidade, para poder combinar a criação dos filhos com outras obrigações. Além disso, muitos pais podem valer-se de intervenções preventivas bastante breves, que os ajudam a tornarem-se mais sensíveis aos sinais de apego dos filhos. Com base em nossa meta-análise, concluímos que as intervenções mais eficazes para melhorar a sensibilidade dos pais e a segurança do apego em bebês utilizaram um número moderado de sessões e um foco comportamental bem definido, e só foram iniciadas seis meses após o nascimento. Sob uma perspectiva de apego aplicada, pais jovens devem ter acesso a programas de apoio preventivo que incorporem esses insights baseados em evidências.

Referências

  1. Bowlby J. Attachment. New York, NY: Basic Books; 1969. Attachment and loss; vol. 1.
  2. Ainsworth MDS, Blehar MC, Waters E, Wall S. Patterns of attachment: a psychological study of the strange situation. Hillsdale, NJ: Lawrence Erlbaum Associates; 1978.
  3. Spangler G, Grossmann KE. Biobehavioral organization in securely and insecurely attached infants. Child Development 1993;64(5):1439 1450.
  4. Main M, Solomon J. Procedures for identifying infants as disorganized/disoriented during the Ainsworth Strange Situation. In: Greenberg MT, Cicchetti D, Cummings EM, eds. Attachment in the preschool years: Theory, research, and intervention. Chicago, Ill: University of Chicago Press; 1990:121-160.
  5. van IJzendoorn MH, Goldberg S, Kroonenberg PM, Frenkl OJ. The relative effects of maternal and child problems on the quality of attachment: A meta-analysis of attachment in clinical samples. Child Development 1992;63(4):840-858.
  6. De Wolff MS, van IJzendoorn MH. Sensitivity and attachment: A meta-analysis on parental antecedents of infant attachment. Child Development 1997;68(4):571-591.
  7. Rowe DC. The limits of family influence: genes, experience, and behavior. New York, NY: Guilford Press; 1994.
  8. Harris JR. The nurture assumption: Why children turn out the way they do. New York, NY: Free Press; 1998.
  9. Ricciuti AE. Child-mother attachment: A twin study. Dissertation Abstracts International 1992;54:3364. University Microfilms No. 9324873.
  10. O’Connor TG, Croft CM. A twin study of attachment in preschool children. Child Development 2001;72(5):1501-1511.
  11. Bokhorst CL, Bakermans-Kranenburg MJ, Fearon RMP, van IJzendoorn MH, Fonagy P, Schuengel C. The importance of shared environment in mother-infant attachment security: A behavioral genetic study. Child Development 2003;74(6):1769-1782. 
  12. Finkel D, Matheney APJr. Genetic and environmental influences on a measure of infant attachment security. Twin Research 2000;3(4):242-250.
  13. Bakermans-Kranenburg MJ, van IJzendoorn MH, Juffer F. Less is more: Meta-analyses of sensitivity and attachment interventions in early childhood. Psychological Bulletin 2003;129(2):195-215.
  14. Clinton HR. It takes a village: and other lessons children teach us. New York, NY: Simon & Schuster; 1996.

aNT: Não há uma tradução consensual para self na literatura brasileira dessa área. O sentido mais aproximado é “si mesmo” – no contexto, a forma pela qual os adultos percebem a si mesmos.

Para citar este artigo:

van Ijzendoorn MH. Apego nos primeiros anos de vida (0-5) e seu impacto no desenvolvimento das crianças. Em: Tremblay RE, Boivin M, Peters RDeV, eds. van IJzendoorn MH, ed. tema. Enciclopédia sobre o Desenvolvimento na Primeira Infância [on-line]. https://www.enciclopedia-crianca.com/apego/segundo-especialistas/apego-nos-primeiros-anos-de-vida-0-5-e-seu-impacto-no-desenvolvimento. Publicado: Março 2005 (Inglês). Consultado em 28 de março de 2024.

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