Intervenções baseadas no apego: comentários sobre Dozier , Egeland e Benoit


Mt. Hope Family Center, University of Rochester, EUA
(Inglês). Tradução: julho 2011

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Introdução

A teoria do apego oferece uma perspectiva poderosa para a investigação da natureza das relações entre experiências de cuidados e resultados de desenvolvimento.1,2,3 A organização do apego em bebês e crianças pequenas tem sido associada à adaptação futura.4,3 Portanto, é importante promover relações seguras de apego entre os cuidadores e seus filhos. Na última década, os pesquisadores vêm dirigindo cada vez mais seus esforços para a compreensão e a modificação de relações de apego em populações psiquiátricas e de alto risco.5,6,7 Dozier, Egeland e Benoit têm estado na linha de frente das iniciativas teóricas e de pesquisa que visam prevenir relações inseguras e promover relações seguras de apego em crianças pequenas. Nestes artigos, os autores fazem uma revisão da literatura sobre intervenções baseadas no apego e destacam achados empíricos fundamentais a respeito da eficácia de iniciativas de prevenção e intervenção.

Pesquisa e conclusões

Dozier começa revendo de que maneira o tipo de cuidado oferecido afeta a qualidade do apego da criança. Prossegue explicando que o preditor mais forte do apego infantil é o estado mental dos pais com relação ao apego. A autora discute também as variações entre estratégias de intervenção utilizadas para melhorar a segurança do apego. Baseia-se em uma meta-análise realizada em 2003 por Bakermans-Kranenburg, van IJzendoorn e Juffer, na qual concluem que intervenções que focalizam a sensibilidade dos pais e que são iniciadas depois que o bebê completa aproximadamente 6 meses de idade são mais eficazes do que intervenções com objetivos mais globais iniciadas nos primeiros meses de vida.8 Além disso, a autora conclui que intervenções breves são pelo menos tão eficazes quanto aquelas de mais longa duração. 

Egeland enfatiza que a segurança do apego na primeira infância tem-se revelado consistentemente como preditiva de aspectos do desenvolvimento social na infância, sendo que o apego seguro está relacionado a melhores resultados de desenvolvimento, e o apego inseguro prediz desajuste socioemocional. Egeland afirma ainda que as relações de apego podem ter efeitos de longo prazo no decorrer do desenvolvimento biológico. Tal como Dozier, Egeland conclui, portanto, que é fundamental planejar e avaliar programas que promovam uma relação segura de apego genitor-bebê. E, como Dozier, discute também dois tipos gerais de estratégias de intervenção destinadas a promover relações seguras de apego: 1) estratégicas que focalizam a sensibilidade parental; e 2) estratégias que procuram modificar a representação parental sobre sua própria história de cuidado na infância. Um princípio central da teoria do apego é que as relações iniciais entre bebês e seus cuidadores levam à formação de representações mentais do selfa, dos outros e do self em relação aos outros. Assim, assume importância o foco das intervenções na modificação dessas representações mentais ou no comportamento do cuidador. Egeland faz um importante alerta quanto a evidências que sustentam a utilização de intervenções breves com foco na modificação da sensibilidade parental. Especificamente, Egeland lembra que, embora esses programas sejam bem-sucedidos com amostras de risco relativamente baixo, é provável que para famílias de alto risco sejam necessárias intervenções mais abrangentes e de longo prazo.   

O artigo de Benoit focaliza um padrão particular de apego inseguro, classificado como desorganizado. Diferentemente dos apegos organizados, nos quais estão presentes estratégias coerentes para o relacionamento com o cuidador em momentos de estresse, o apego desorganizado não se caracteriza por nenhuma estratégia consistente de relação com o cuidador. O apego desorganizado foi identificado como particularmente significativo no sentido de colocar as crianças em risco de desajuste socioemocional e psicopatologia. Benoit enfatiza que, embora a sensibilidade do cuidador tenha sido associada a padrões organizados de apego, o mesmo não foi demonstrado para o apego desorganizado. Benoit discute o fato de que, em uma análise de 15 estudos de sua meta-análise de 2003, Bakermans-Kranenburg e colegas concluíram que intervenções no apego que focalizam a prevenção ou a redução de apego desorganizado talvez precisem adotar como alvo a redução de comportamentos atípicos do cuidador.8 Especificamente, comportamentos do cuidador que revelam medo ou são amedrontadores têm sido implicados na etiologia do apego desorganizado. 

Implicações para desenvolvimento e políticas

Em conjunto, os três artigos sustentam a importância da prevenção de relações inseguras e da promoção de relações seguras de apego entre crianças pequenas e seus cuidadores. Ao longo das últimas décadas, acumularam-se evidências sobre a importância do estabelecimento de um apego seguro para um desenvolvimento adaptativo futuro. Cada vez mais, os programas de intervenção têm focalizado a segurança do apego como um objetivo dos resultados. Embora tenha havido algumas evidências sugerindo que intervenções breves que focalizam a sensibilidade parental são eficazes e talvez superiores a abordagens de longo prazo que procuram mudar o estado mental dos pais em relação ao apego, essa controvérsia está longe de ser resolvida. Na verdade, seria extremamente prematuro concluir que uma das abordagens é preferível à outra. Como alerta Egeland, abordagens comportamentais de curto prazo podem ser eficazes com grupos de bebês e mães de baixo risco, mas não temos evidências de que sejam igualmente eficazes, ou mesmo se teriam qualquer eficácia, com populações de mais alto risco. 

De fato, os estudos conduzidos recentemente no Mt. Hope Family Center ofereceram evidências consistentes de que intervenções preventivas que focalizam representações maternas de relações são muito eficazes na promoção da segurança do apego. Na primeira investigação, crianças no final do primeiro ano cujas mães haviam sofrido um distúrbio depressivo profundo desde o nascimento do bebê foram designadas aleatoriamente a uma intervenção baseada no apego ou a uma condição padrão na comunidade. Um grupo de mães não deprimidas serviu de grupo de comparação normativo. Embora na linha de base crianças prestes a andar de mães deprimidas evidenciassem taxas mais altas de insegurança do que as de mães não depressivas, ao final da intervenção o grupo que tinha recebido a intervenção baseada no apego apresentou taxas significativamente mais altas de segurança do que os participantes que receberam a intervenção padrão. E ainda mais importante, as taxas de segurança das díades mãe-filho que receberam a intervenção baseada em apego não diferiram daquelas verificadas em díades com mães não depressivas.5  Para as crianças que participaram da intervenção baseada em apego, houve também maior manutenção da organização de apego seguro entre aquelas que inicialmente eram seguras, bem como maior mudança de apegos inseguros para seguros. Resultados igualmente marcantes foram obtidos com bebês submetidos a maus-tratos, para os quais a linha de base de insegurança era superior a 90%, e as taxas de segurança pós-tratamento não diferiram daquelas referentes a bebês não maltratados. Os bebês submetidos a maus-tratos que foram designados à condição de intervenção padrão continuaram a evidenciar taxas muito altas de apego inseguro, consistentes com aquelas que estavam presentes na linha de base.9 Curiosamente, nesta última intervenção preventiva, um procedimento mais didático e mais focalizado no comportamento foi tão eficaz na promoção de apego seguro quanto um procedimento que trabalhou com as representações maternas. Inversamente, na avaliação de uma intervenção preventiva com crianças em idade pré-escolar que haviam sido submetidas a maus-tratos, a única intervenção que resultou em melhoria das representações da criança sobre os cuidadores e o self foi aquela que focalizou as representações maternas.10 Assim a questão da estratégia preferencial de intervenção parece estar longe de ser resolvida, e é necessário cautela para que a discussão não seja encerrada prematuramente.

Há diversos outros pontos que precisam ser considerados antes que se possa chegar a conclusões definitivas sobre a melhor forma de promover a organização segura do apego. Primeiro, não está claro qual é a durabilidade dos efeitos de intervenções, e tampouco se essa durabilidade varia com a extensão e a intensidade da intervenção oferecida. Segundo, poucas investigações procuraram elucidar os mediadores dos resultados das intervenções – se é que alguma o fez. Ou seja, ainda que seja possível saber se determinada intervenção foi eficaz, temos muito pouca informação sobre os mecanismos que podem estar contribuindo para essa eficácia. Esse conhecimento seria extremamente útil para identificar os aspectos críticos de uma intervenção e para eliminar aqueles que podem ser onerosos e não acrescentar muito ao valor da intervenção de maneira geral. Por fim, a maioria das avaliações envolveu estudos de eficácia bem controlados, que utilizam critérios claros de inclusão/exclusão e pessoal clínico adequadamente capacitado e supervisionado, bem como monitoram a fidelidade da intervenção sendo oferecida. Embora esses estudos clínicos randomizados sejam necessários para estabelecer uma base de conhecimentos, precisamos trabalhar também na exportação desses métodos clínicos para arenas do mundo real, e a partir daí continuar a avaliar sua eficácia. Somente então saberemos de fato qual é a melhor forma de promover o apego seguro e que abordagens podem ser mais eficazes para uma determinada população.  

Referências

  1. Ainsworth MDS, Blehar MC, Waters E, Wall S. Patterns of attachment: A psychological study of the strange situation. Hillsdale, NJ: Lawrence Erlbaum Associates; 1978.
  2. Main M, Kaplan N, Cassidy JC. Security in infancy, childhood and adulthood: A move to the level of representation. Monographs of the Society for Research in Child Development 1985;50(1-2):66-104.
  3. Sroufe LA. Infant-caregiver attachment and patterns of adaptation in preschool: The roots of maladaptation and competence. Minnesota symposia on child psychology 1983;16:41-83. 
  4. Elicker J, Englund M, Sroufe LA. Predicting peer competence and peer relationships in childhood from early parent-child relationships. In: Parke RD,  Ladd GW, eds. Family-peer relationships: Modes of linkage. Hillsdale, NJ: Lawrence Earlbaum Associates; 1992:77-106.
  5. Cicchetti D, Toth SL, Rogosch FA. The efficacy of toddler-parent psychotherapy to increase attachment security in offspring of depressed mothers. Attachment and Human Development 1999;1(1):34-66.
  6. Lieberman AF, Pawl JH. Disorders of attachment and secure base behavior in the second year of life: Conceptual issues and clinical intervention. In: Greenberg MT, Cicchetti D, Cummings EM, eds. Attachment in the preschool years: Theory, research, and intervention. Chicago, Ill: University of Chicago Press; 1990:375-397.
  7. van Ijzendoorn MH, Juffer F, Duyvesteyn MGC. Breaking the intergenerational cycle of insecure attachment: A review of the effects of attachment-based interventions on maternal sensitivity and infant security. Journal of Child Psychology and Psychiatry and Allied Disciplines 1995;36(2):225-248.
  8. Bakermans-Kranenburg MJ, van Ijzendoorn MH, Juffer F. Less is more: Meta-analyses of sensitivity and attachment interventions in early childhood. Psychological Bulletin 2003;129(2):195-215.
  9. Cicchetti D, Toth SL, Rogosch FA. The efficacy of interventions for maltreated infants in fostering secure attachment. In preparation.
  10. Toth SL, Maughan A, Manly JT, Spagnola M, Cicchetti D. The relative efficacy of two interventions in altering maltreated preschool children's representational models: Implications for attachment theory. Development and Psychopathology 2002;14(4):877-908.

aNT: Não há uma tradução consensual para self na literatura brasileira dessa área. O sentido mais aproximado é “si mesmo”. 

Para citar este artigo:

Toth SL. Intervenções baseadas no apego: comentários sobre Dozier , Egeland e Benoit . Em: Tremblay RE, Boivin M, Peters RDeV, eds. van IJzendoorn MH, ed. tema. Enciclopédia sobre o Desenvolvimento na Primeira Infância [on-line]. https://www.enciclopedia-crianca.com/apego/segundo-especialistas/intervencoes-baseadas-no-apego-comentarios-sobre-dozier-egeland-e-benoit. Publicado: Abril 2005 (Inglês). Consultado em 19 de abril de 2024.

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