Níveis habituais de atividade física na primeira infância


University of Wollongong, Austrália
Janeiro 2011 (Inglês). Tradução: janeiro 2016

Versão em PDF

Introdução

As doenças ligadas aos hábitos de vida, que são evitáveis, continuam sendo uma parte significativa das doenças em escala internacional, e a inatividade física faz parte dos cinco principais fatores de risco contribuindo para a mortalidade global.1 Uma intervenção no decorrer dos primeiros anos de vida pode ser necessária para garantir a adoção de comportamentos que promovam a saúde, como a atividade física.2 Apesar das crianças pequenas serem o segmento mais ativo da população, estudos de monitoramento3-9 sugerem que uma grande parte delas não está suficientemente ativa para se desenvolver de maneira adequada e estar em boas condições de saúde.

Assunto

Em geral, a atividade física é categorizada segundo diferentes níveis de intensidade e medida em equivalente metabólico (MET) (1 MET corresponde à situação de repouso).10 Fantasiar-se, pintar em pé e andar devagar representam atividades físicas de pouca intensidade (de 1,5 a 2,9 MET) para as crianças pequenas. Atividades físicas de intensidade moderada a forte (AFMF) (de 3 a 8 MET) incluem aquelas que demandam maior esforço, como correr, pular e jogar bola. Comportamentos sedentários (abaixo de 1,5 MET) são caracterizados por atividades em posição sentada ou deitada, como assistir televisão, utilizar um computador, ler e desenhar. Os hábitos naturais de atividade física das crianças pequenas são descritos como intermitentes e caracterizados por ciclos de atividades intensas e de curta duração, seguidos de períodos de repouso ou de atividades menos exigentes.3 Essas atividades devem acontecer principalmente durante as brincadeiras dinâmicas.11

Ao longo dos primeiros anos de vida, a atividade física tem efeitos benéficos para a saúde e para o desenvolvimento3 da criança, contribui para a prevenção da obesidade12 e dos fatores de risco de doenças cardiovasculares.13-15 Estimula o  desenvolvimento ósseo16 e motor,17 assim como o desenvolvimento cognitivo e social.11 Os hábitos relativos à atividade física parecem se manter ao longo da infância,14,18 da infância para a adolescência e depois, para a idade adulta,19 o que sugere que as experiências relativas à atividade física durante os primeiros anos de vida podem moldar o comportamento ao longo da vida e consequentemente, a saúde. 

Embora exista consenso que “quanto mais atividade física, melhor”, não existem fundamentos empíricos suficientes para especificar a “dose” ou a quantidade nem a intensidade da atividade física necessária para garantir uma saúde e um desenvolvimento apropriados ao longo dos primeiros anos de vida.3 Por isso, a quantidade de atividade física recomendada para as crianças pequenas  (de um a três anos) e as crianças em idade pré-escolar (de três a cinco anos) é ligeiramente diferente nos Estados Unidos e na Austrália. As diretrizes da National Association for Sport and Physical Education (Associação Nacional de Desporto e Educação Física - NASPE) dos Estados Unidos recomendam pelo menos 30 minutos de atividade física estruturada e de 60 minutos a várias horas de atividade física não estruturada todos os dias20 para as crianças pequenas. Para as crianças em idade pré-escolar, a NASPE recomenda pelo menos 60 minutos de atividade física estruturada e de 60 minutos a várias horas de atividade não estruturada por dia.20 Na Austrália, recomenda-se que as crianças pequenas e as crianças em idade pré-escolar fiquem fisicamente ativas todos os dias durante pelo menos três horas, distribuídas ao longo do dia.21 Uma vez que não fica definido se a atividade física deve ter uma intensidade específica para conseguir benefícios para a saúde,3 a atividade física para essa faixa etária abrange todos os movimentos diários de baixa intensidade e de intensidade moderada a forte.

Problemas e contexto da pesquisa

Uma vez que fica difícil medir com precisão os hábitos individuais de atividade física em crianças pequenas, esta área de pesquisa não teve muitos progressos. As auto avaliações não podem ser consideradas por causa da idade, e os relatos dos pais e parentes, por ter uma parcialidade inerente.22,23 Em parte, isso se deve ao fato que a atividade física das crianças pequenas não ocorre em blocos claramente distintos e delimitados no tempo, como as sessões típicas de atividade física dos adultos. A observação direta constitui uma abordagem mais objetiva, porém ela só é possível em locais fechados como a creche ou a pré-escola.22 Os acelerômetros são viáveis, aceitáveis e possuem uma validade e uma confiabilidade adequadas para avaliar a atividade física em crianças. Além disso, como eles coletam dados objetivos em tempo real e são sensíveis o bastante para captar movimentos de baixa intensidade, eles são particularmente úteis nos estudos sobre crianças pequenas.24,25 Uma das limitações da acelerometria reside no fato de que os limites numéricos mais adequados para definir o comportamento sedentário, a atividade física de baixa intensidade e a AFMF ainda não foram estabelecidos para as crianças em idade pré-escolar,25 e a utilização de definições diferentes pode ter consequências importantes para as estimativas de prevalência.24,26

Perguntas chaves para a pesquisa

Os estudos que utilizam a acelerometria mediram os níveis de atividade física das crianças pequenas ao longo de uma semana típica, mais especificamente na creche ou na pré-escola. Esses estudos tentaram também quantificar a duração da atividade física de baixa intensidade e da AFMF de crianças em idade pré-escolar. Alguns estudos avaliaram se a diretrizes relativas à atividade física eram seguidas.

Resultados recentes de pesquisa

Os estudos que utilizaram a acelerometria levaram a descobertas importantes a respeito dos hábitos das crianças pequenas em matéria de atividade física. Esses estudos indicam que as crianças entre três e cinco anos passam cerca de 60 minutos por dia em AFMF (faixa de 20 a 90 minutos),3-7 o que corresponde a perto de 8% (faixa de 3% a 12%)3-7 das cerca de 13 horas durante as quais estão acordadas.27 Além disso, as crianças pequenas parecem executar uma quantidade considerável de atividade física de baixa intensidade, de 80 a 150 minutos por dia (aproximadamente), isto é, de 11% a 20% (faixa de 5% a 33%) das horas durante as quais estão acordadas.3-7 De modo que as estimativas atuais sugerem que as crianças em idade pré-escolar passam entre 2 e 3,5 horas em atividade física por dia. É razoável pensar que a maior parte dessa atividade acontece na creche ou na pré-escolar, embora uma recente revisão de 13 estudos realizados com medições objetivas tenha concluído que os níveis habituais de atividade física das crianças pequenas nos serviços de guarda eram baixos, correspondendo a menos de 60 minutos de AFMF por dia.8

É importante observar que existem grandes diferenças ou até contradições entre os estudos. Relatórios recentes da Austrália4 e de Portugal5 sugerem que o tempo de atividade total medido objetivamente em crianças em idade pré-escolar corresponde a cerca de 110 a 120 minutos por dia, enquanto que outro estudo feito nos Estados Unidos indica que as crianças em idade pré-escolar passam diariamente perto de 320 minutos em atividades físicas.6 As estimativas que se relacionam com as diretrizes relativas à atividade física também variam muito de um país a outro. Por exemplo, de acordo com um estudo australiano, 56% das crianças em idade pré-escolar passam três horas ou mais por dia praticando atividades físicas durante a semana, e 79% nos fins de semana, isso de acordo com os relatórios dos pais.28 Entretanto, conforme um estudo português baseado em medições acelerométricas, apenas 74% das crianças em idade pré-escolar praticam diariamente atividades físicas por duas horas ou mais.5 Da mesma maneira, uma revisão recente de 39 estudos concluiu que somente 54% das crianças pequenas faziam 60 minutos ou mais de AFMF por dia.9 Fica evidente que problemas metodológicos, tais como a utilização de instrumentos de medição diferentes, o uso de definições diferentes da intensidade da atividade física e diferenças na interpretação das diretrizes, têm tido repercussões sobre nossa compreensão dos hábitos relativos à atividade física ao longo dos primeiros anos de vida.

Lacunas da pesquisa

Uma vez que o desenvolvimento de diretrizes em matéria de atividade física ao longo dos primeiros anos de vida só recentemente começou a ser definido em diversos países e que somente alguns deles, como a Austrália e o Reino Unido, estão prestes a estabelecer essas recomendações, dados representativos em escala nacional ainda não estão disponíveis. Deve-se urgentemente realizar pesquisas longitudinais nacionais no intuito de entender melhor os hábitos das crianças pequenas relativos à atividade física, e de descobrir a proporção de crianças pequenas que fazem a quantidade de atividade física cotidiana recomendada. Hoje em dia, há poucos dados disponíveis relativos a crianças de menos de três anos e não está claro se determinados grupos sociodemográficos estão precisando de um apoio específico para seguir as diretrizes. Apesar da existência dessas diretrizes, ainda não existe consenso quanto à quantidade e à intensidade da atividade física necessárias para otimizar a saúde e o desenvolvimento nos primeiros anos de vida, fazendo com que as recomendações dos Estados Unidos sejam diferentes daquelas da Austrália. Portanto, a pesquisa sobre as relações entre a atividade física medida de maneira objetiva e a evolução do desenvolvimento e da saúde ainda se faz muito necessária.

Conclusões

A atividade física desempenha um papel importante no tocante à saúde e ao desenvolvimento das crianças pequenas. Contudo, os estilos de vida e os ambientes contemporâneos parecem impedir certas crianças de fazer uma quantidade adequada de atividade física. Considerando que os hábitos de vida ativa são definidos ao longo dos primeiros anos de vida, a inatividade física durante a infância pode ter consequências no curto e no longo prazo sobre a saúde, o comportamento, o desenvolvimento social e emocional e o funcionamento cognitivo das crianças.

Implicações para os pais, os serviços e as políticas

As pessoas e as instituições que exercem uma influência sobre a vida das crianças pequenas devem garantir que elas tenham a oportunidade de fazer a quantidade recomendada de atividades físicas adaptadas ao nível de desenvolvimento e benéficas para a saúde. Isso pode ser alcançado com as brincadeiras ativas não estruturadas e experiências de aprendizado estruturadas, tanto em casa como nas creches. A atividade física deve ser orientada segundo uma abordagem prazerosa e bem aceita no plano social e cultural. Sistemas nacionais de monitoramento são necessários para descrever de maneira precisa os níveis e hábitos de atividade física das crianças ao longo dos primeiros anos de vida, e determinar se intervenções específicas são necessárias para determinados segmentos da população.

Referências

  1. World Health Organization. Global health risks: mortality and burden of disease attributable to selected major risks. Geneva, Switzerland: World Health Organization; 2009.
  2. National Preventive Health Task Force. Australia: The healthiest Country by 2020  ̶  National Preventative Healthy Strategy  ̶  the roadmap for action. Canberra, Australia: Commonwealth of Australia; 2009.
  3. Okely AD, Salmon J, Trost SG, Hinkley T. Discussion paper for the development of physical activity recommendations for children under five years. Canberra, Australia: Australian Department of Health and Ageing; 2008.
  4. Hinkley T, Salmon J, Hesketh K, Okely T, Crawford D. Characterising preschool children's physical activity: The HAPPY study. Journal of Science and Medicine in Sport 2010;12:e169.
  5. Vale S, Silva P, Santos R, Soares-Miranda L, Mota J. Compliance with physical activity guidelines in preschool children. Journal of Sports Sciences 2010;28(6):603-608.
  6. Pfeiffer KA, Dowda M, McIver KL, Pate RR. Factors related to objectively measured physical activity in preschool children. Pediatrics & Exercise Sciences 2009;21(2):196.
  7. Reilly RJ, Kelly L, Montgomery C, Williamson A, Fisher A, McColl JH, Conte RL, Paton JY, Grant S. Physical activity to prevent obesity in young children: cluster randomised controlled trial. BMJ 2006;333:1041-1043.
  8. Reilly JJ. Low Levels of objectively measured physical activity in preschoolers in child care. Medicine & Sciences in Sports & Exercise 2010;42(3):502.
  9. Tucker P. The physical activity levels of preschool-aged children: a systematic review. Early Childhood Research Quarterly 2008;23(4):547-558.
  10. Sallis JF, Owen N. Physical activity and behavioural medicine. Thousand Oaks, CA: Sage; 1999.
  11. Burdette HL, Whitaker RC. Resurrecting free play in young children: looking beyond fitness and fatness to attention, affiliation, and affect. Archives of Pediatrics and Adolescent Medicine 2005;159(1):46.
  12. Moore LL, Gao D, Bradlee ML, Cupples LA, Sundarajan-Ramamurti A, Proctor MH, Hood MY, Singer MR, Ellison RC. Does early physical activity predict body fat change throughout childhood? Preventive Medicine 2003;37:10-17.
  13. Sääkslahti A, Numminen P, Niinikoski H, Rask-Nissila L, Viikari J, Tuominen J, Valimaki I. Is physical activity related to body size, fundamental motor skills, and CHD risk factors in early childhood? Pediatric Exercise Science 1999;11:327-340.
  14. Sääkslahti A, Numminen P, Varstala V, Helenius H, Tammi A, Viikari J, Välimäki I. Physical activity as a preventive measure for coronary heart disease risk factors in early childhood. Scandinavian Journal of Medicine & Science in Sports 2004;14(3):143-149.
  15. Alpert B, Field TM, Goldstein S, Perry S. Aerobics enhances cardiovascular fitness and agility in preschoolers. Health Psychology 1990;9(1):48-56.
  16. Litmanovitz I, Dolfin T, Arnon S, Regev RH, Nemet D, Eliakim A. Assisted exercise and bone strength in preterm infants. Calcified Tissue International 2007;80(1):39-43.
  17. Williams HG, Pfeiffer KA, O'Neill JR, Dowda M, McIver KL, Brown WH, Pate RR. Motor skill performance and physical activity in preschool children. Obesity 2008;16(6):1421-1426.
  18. Pate RR, Baranowski TOM, Dowda M, Trost SG. Tracking of physical activity in young children. Medicine & Science in Sports & Exercise 1996;28(1):92.
  19. Telama R, Yang X, Viikari J, Valimaki I, Wanne O, Raitakari O. Physical activity from childhood to adulthood: a 21-year tracking study. American Journal of Preventive Medicine 2005;28(3):267-273.
  20. National Association for Sport and Physical Education. Active start: a statement of physical activity guidelines for children birth to five years. Reston, VA: NASPE Publications; 2002.
  21. Department of Health and Ageing. Physical activity recommendations for 0-5 year olds. Canberra, Australia: Commonwealth of Australia; 2010.
  22. Oliver M, Schofield GM, Kolt GS. Physical activity in preschoolers: understanding prevalence and measurement issues. Sports Medicine 2007;37(12):1045-1070.
  23. Trost SG. State of the art reviews: measurement of physical activity in children and adolescents. American Journal Lifestyle of Medicine 2007;1(4):299-314.
  24. Reilly JJ, Penpraze V, Hislop J, Davies G, Grant S, Paton JY. Objective measurement of physical activity and sedentary behaviour: review with new data. Archives of Disease in Childhood 2008;93:614-619.
  25. Cliff DP, Reilly JJ, Okely AD. Methodological considerations in using accelerometers to assess habitual physical activity in children aged 0-5 years. Journal of Science and Medicine in Sport 2009;12(5):557-567.
  26. Cliff DP, Okely AD. Comparison of two sets of accelerometer cut-off points for calculating moderate-to-vigorous physical activity in young children. Journal of Physical Activity and Health 2007;4(4):509-513.
  27. Igowstein I, Jenni OG, Molinari L, Largo RH. Sleep duration from infancy to adolescence: reference values and generational trends. Pediatrics 2003;111:302-307.
  28. Okely AD, Trost SG, Steele JR, Cliff DP, Mickle K. Adherence to physical activity and electronic media guidelines in Australian pre-school children. Journal of Paediatrics and Child Health 2009;45(1-2):5-8.

Para citar este artigo:

Cliff DP, Janssen X. Níveis habituais de atividade física na primeira infância. Em: Tremblay RE, Boivin M, Peters RDeV, eds. Reilly JJ, ed. tema. Enciclopédia sobre o Desenvolvimento na Primeira Infância [on-line]. https://www.enciclopedia-crianca.com/atividade-fisica/segundo-especialistas/niveis-habituais-de-atividade-fisica-na-primeira-infancia. Publicado: Janeiro 2011 (Inglês). Consultado em 26 de abril de 2024.

Texto copiado para a área de transferência ✓