Recomendações para comportamentos sedentários na primeira infância


University of Wollongong, Austrália
Janeiro 2011 (Inglês). Tradução: janeiro 2016

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Introdução

A primeira infância é considerada um período crítico no tocante à adoção de comportamentos sedentários, visto que os dados científicos mostram que esses comportamentos se mantêm ao longo da infância e da adolescência.1,2 Certos comportamentos sedentários desempenham um papel importante no desenvolvimento saudável da criança (por exemplo, brincadeiras), porém este artigo não se focaliza neles. Ele trata mais dos comportamentos sedentários como assistir televisão e utilizar outras mídias eletrônicas, pois é nesse campo que a maioria dos estudos foi realizada. Convém salientar que os comportamentos sedentários não são o oposto da atividade física: uma criança pode ser fisicamente ativa e, ao mesmo tempo, passar tempo demais em atividades sedentárias.

Para determinar se existe uma base de informações científicas suficiente para formular recomendações relativas a comportamentos sedentários de crianças pequenas (menores de cinco anos de idade), é importante fazer uma revisão desses estudos para verificar se esses comportamentos têm consequências sobre a saúde das crianças dessa faixa etária e caso tenham, se existe uma “dose” de comportamentos sedentários acima da qual seus efeitos sobre a saúde se tornam mais marcantes.

Assunto e contexto da pesquisa

A expressão “comportamento sedentário” se refere às atividades praticadas principalmente em posição sentada ou deitada que resultam em um baixo gasto energético.3 São comportamentos multifacetados que abrangem o tempo passado frente à tela (televisão, DVD, computador), o transporte motorizado e o fato de estar sentado para ler ou fazer as tarefas escolares.3 A maioria das pesquisas sobre comportamentos sedentários das crianças pequenas se concentrou no tempo gasto assistindo televisão. Embora esse seja um comportamento sedentário importante, é apenas um entre muitos que podem ser estudados. Fica cada vez mais claro que os fatores de risco importantes para a saúde dos adultos4,5 e dos adolescentes6,7 são o tempo total passado em comportamentos sedentários bem como a duração e a quantidade de períodos dedicados a atividades sedentárias. Portanto, convém examinar os resultados dos estudos relativos aos impactos desses comportamentos sobre a saúde de crianças pequenas para avaliar se temos bases científicas suficientes ou se existe um consenso para formular recomendações aos pais, planejadores e prestadores de serviços e formuladores de políticas ligados à área da primeira infância.

Problemas e questões-chave para a pesquisa

Até o final de 2010, a Austrália era o único país que havia formulado recomendações nacionais baseadas em pesquisas científicas sobre comportamentos sedentários de crianças menores de cinco anos de idade. No entanto, o Canadá e o Reino Unido estão atualmente elaborando recomendações similares. Existem outras recomendações endossadas por organismos como a American Academy of Pediatrics (Academia Americana de Pediatria),8 porém, elas estão fundamentadas mais em um consenso de especialistas do que em evidências científicas. O objetivo desse artigo é o de resumir as pesquisas existentes de maneira a fornecer a melhor base possível para elaborar recomendações a respeito dos comportamentos sedentários de crianças menores de cinco anos. As questões-chave para a pesquisa tratadas nesse artigo são as seguintes:

1.Existem evidências científicas mostrando que os comportamentos sedentários têm efeitos sobre a saúde e o desenvolvimento das crianças pequenas?

2.Baseando-se nessas evidências, quanto tempo as crianças pequenas deveriam passar em certas atividades sedentárias especificas?

3.Será que essas recomendações variam de acordo com as diferentes etapas de desenvolvimento na primeira infância (bebês, crianças pequenas e crianças em idade pré-escolar)?

Resultados recentes de pesquisa 

Pelo menos 10 estudos transversais mostram que existe uma correlação positiva significativa entre o tempo passado em comportamentos sedentários e a massa gorda. Dois estudos revelaram que as crianças em idade pré-escolar que passam mais de duas horas por dia assistindo televisão apresentavam mais risco de ter sobrepeso na infância. No que diz respeito à saúde respiratória, um estudo longitudinal mostrou que as crianças que assistiam televisão mais de duas horas por dia aos três anos eram duas vezes mais propensas a sofrer de asma antes de chegar aos onze anos. Inversamente, as crianças de três anos que passavam menos de duas horas por dia em frente da televisão tinham um esqueleto em melhores condições aos sete anos de idade que aquelas que assistiam a mais de duas horas de televisão por dia. Estudos transversais mostraram que o tempo passado em frente da televisão está diretamente ligado a um maior consumo de alimentos ricos em energia. Quatro estudos longitudinais realizados com crianças de menos de cinco anos relataram relações diretas entre o tempo passado em frente da televisão e um menor desenvolvimento cognitivo, um pior desempenho escolar, menores competências de linguagem e uma pior memória de curto prazo, de um a três anos mais tarde. Além disso, três estudos transversais relataram uma correlação negativa entre o tempo passado assistindo televisão e o desenvolvimento da linguagem. Finalmente, foi constatado que o tempo passado em frente da televisão entre um e três anos de idade prenunciava claramente os distúrbios de atenção observados aos sete anos.

Com base em evidências científicas coletadas e no consenso entre especialistas, estão sendo propostas as seguintes recomendações relativas ao comportamento sedentário das crianças pequenas (observação: essas recomendações são coerentes com aquelas recentemente elaboradas na Austrália9):

  1. As crianças com menos de dois anos de idade não deveriam assistir televisão nem outros equipamentos eletrônicos.
  2. As crianças entre dois e cinco anos devem passar menos de uma hora por dia assistindo televisão ou utilizando outras mídias eletrônicas.
  3. Os bebês, as crianças pequenas e as crianças em idade pré-escolar não devem ficar sedentários nem inativos durante mais de uma hora seguida, exceto para dormir.

Lacunas da pesquisa

A revisão dos resultados de pesquisa disponíveis sobre o assunto apresenta algumas lacunas importantes que devem ser tratadas, a saber:

  • Será que a relação entre os comportamentos sedentários e a saúde está sendo mediada por outros comportamentos ligados à saúde, como um aumento da ingestão de calorias resultando dos lanches mais frequentes e de uma maior exposição à publicidade de produtos alimentares?
  • Os comportamentos sedentários substituem a atividade física?
  • Será que a relação entre os comportamentos sedentários e a adiposidade está sendo mediada pela participação em atividades físicas de média a forte intensidade? Uma vez que nenhum dos estudos aqui revisados verificou o nível de atividade física e que os comportamentos sedentários e a atividade física são independentes e não são necessariamente correlacionados negativamente, não se sabe se as relações entre os comportamentos sedentários e os resultados observados são consequências dos altos níveis de sedentarismo ou dos baixos níveis de atividade física, ou de ambos ao mesmo tempo.
  • É impossível determinar se é o tempo passado em frente da televisão ou o conteúdo das emissões assistidas que explica a relação entre assistir televisão e os efeitos observados no plano cognitivo e de autocontrole.

Além disso:

  • São necessárias mais evidências científicas de qualidade a partir de estudos experimentais e longitudinais medindo os comportamentos sedentários das crianças pequenas.
  • São necessárias mais pesquisas com medições objetivas dos comportamentos sedentários, como a acelerometria ou a inclinometria, para determinar o tempo total passado em atividades sedentárias ou em posição sentada.
  • A maioria dos resultados disponíveis se refere a assistir televisão. São necessários mais dados no tocante à relação entre a saúde e o desenvolvimento e outros comportamentos sedentários, especialmente a utilização de mídias eletrônicas.
  • É preciso ter uma melhor compreensão do número máximo de horas que as crianças pequenas podem passar sedentárias e com comportamentos sedentários específicos (como assistir televisão e outras atividades em frente a uma tela) antes que aumente a prevalência das consequências sobre a saúde e dos efeitos prejudiciais ao desenvolvimento.

Conclusões

Para as crianças de dois a cinco anos de idade, o fato de passar mais de duas horas por dia em frente da televisão ou de outros equipamentos eletrônicos pode ter efeitos prejudiciais sobre vários aspectos da saúde, do desenvolvimento e da educação. As evidências mais fortes apontam para um desenvolvimento cognitivo mais fraco e um aumento da massa gorda. Esse último ponto é muito relevante considerando a alta prevalência de sobrepeso e de obesidade em crianças em idade pré-escolar, especialmente nos países desenvolvidos.10 Uma vez que o tempo passado em atividades sedentárias (especialmente o tempo passado em frente à tela) aumenta à medida que as crianças vão crescendo, começam a frequentar a escola regular11 e se tornam adolescentes,12,13 é de suma importância limitar esse tempo antes delas entrarem na escola, no intuito de se conformar melhor às recomendações que advogam menos de duas horas diárias em frente a uma tela para as crianças em idade escolar. Para crianças de menos de dois anos de idade, não há nenhuma indicação de que assistir televisão ou outras mídias eletrônicas exerça efeitos benéficos sobre a saúde ou a educação. Pelo contrário, alguns resultados científicos sugerem que esse tipo de atividade pode atrasar ou limitar o desenvolvimento cognitivo em certas áreas como a linguagem e o vocabulário. As crianças menores de cinco anos não devem ficar sedentárias mais de uma hora seguida, exceto quando dormem. Essa recomendação engloba todas as situações onde a criança está predominantemente inativa (quer dizer, quando ela não está em pé nem se movimentando).

Implicações para os pais, os serviços e as políticas

Para ajudar os pais, prestadores de serviços e formuladores de políticas a respeitar as recomendações relativas à televisão e outros equipamentos eletrônicos, aconselha-se a não colocar televisores ou console de jogo nos quartos das crianças nem nos serviços de guarda, a não fazer as refeições em frente à televisão e a desligar a televisão quando ninguém está assistindo. Os pais e prestadores de serviços devem também fixar limites e estabelecer regras quanto a seu próprio uso da televisão, respeitando-as e dando bom exemplo.

Para ajudar a adequar-se à recomendação que visa limitar as atividades sedentárias a uma hora seguida, sugere-se fazer uma pausa durante longas viagens de carro, parando por dez a quinze minutos em um parque ou playground. Tentem também estimular seus filhos a andar ao invés de ficarem sentados em um carrinho de criança, ou então, alternar entre a marcha e o carrinho durante os passeios mais longos.

Referências

  1. Janz KF, Burns TL, Levy SM. Tracking of activity and sedentary behaviors in childhood: The Iowa Bone Development study. American Journal of Preventive Medicine 2005;29(3):171-178.
  2. Zimmerman FJ, Christakis DA. Children’s television viewing and cognitive outcomes: a longitudinal analysis of national data. Archives of Pediatrics and Adolescent Medicine 2005;159:619-625.
  3. Biddle S, Cavill N, Ekelund U, Gorely T, Griffiths MD, Jago R, et al. Sedentary Behaviour and Obesity: Review of the Current Scientific Evidence. London, UK: Department of Health. Department for Children, Schools and Families. In press.
  4. Dunstan DW, Barr EL, Healy GN, Salmon J, Shaw JE, Balkau B, Magliano DJ, Cameron AJ, Zimmet PZ, Owen N. Television viewing time and mortality: the Australian Diabetes, Obesity and Lifestyle study (AusDiab). Circulation 2010;121(3):384-91.
  5. Healy GN, Wijndaele K, Dunstan DW, Shaw JE, Salmon J, Zimmet PZ, Owen N. Objectively measured sedentary time, physical activity, and metabolic risk. Diabetes Care 2008;31(2):369-71.
  6. Ekelund U, Brage S, Froberg K, Harro M, Anderssen SA, Sardinha LB, Riddoch C, Andersen LB. TV viewing and physical activity are independently associated with metabolic risk in children: The European Youth Heart Study. PLoS Medicine 2006;3(12):e488.
  7. Ekelund U, Anderssen SA, Froberg K, Sardinha LB, Andersen LB, Brage S; European Youth Heart Study Group. Independent associations of physical activity and cardiorespiratory fitness with metabolic risk factors in children: The European youth heart study. Diabetologia 2007;50(9):1832-40.
  8. American Academy of Pediatrics Committee on Public Education. Children, adolescents, and television. Pediatrics 2001;107:423-426.
  9. Australian Government, Department of Health & Ageing Web site.  Physical Activity Recommendations for Children 0-5 years. Available at: http://www.health.gov.au/internet/main/publishing.nsf/Content/health-pubhlth-strateg-phys-act-guidelines. Accessed on January 11, 2011. 
  10. Wake, M, Hardy P, Canterford L, Sawyer M, Carlin JB. Overweight, obesity and girth of Australian preschoolers: prevalence and socio-economic correlates. International Journal of Obesity 2007;31:1044–1051.
  11. Certain LK,Kahn RS. Prevalence, correlates, and trajectory of television viewing among infants and toddlers. Pediatrics 2002;109:634-642.
  12. Hardy LL, Dobbins TA, Denney-Wilson EA, Booth ML, Okely AD. Sedentary behaviours among Australian adolescents. Australian and New Zealand Journal of Public Health 2006;30:534-540.
  13. Hardy LL, Dobbins TA, Denney-Wilson EA, Okely AD, Booth ML. The descriptive epidemiology of small screen recreation among Australian adolescents. Journal of Paediatrics and Child Health 2006;42:709-714.

Para citar este artigo:

Okely AD, Jones RA. Recomendações para comportamentos sedentários na primeira infância . Em: Tremblay RE, Boivin M, Peters RDeV, eds. Reilly JJ, ed. tema. Enciclopédia sobre o Desenvolvimento na Primeira Infância [on-line]. https://www.enciclopedia-crianca.com/atividade-fisica/segundo-especialistas/recomendacoes-para-comportamentos-sedentarios-na-primeira. Publicado: Janeiro 2011 (Inglês). Consultado em 19 de abril de 2024.

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