Efeitos da intervenção precoce no desenvolvimento social e emocional de crianças pequenas (0-5 anos) com autismo


Universidade de Califórnia em Santa Bárbara, EUA
(Inglês). Tradução: janeiro 2011

Versão em PDF

Introdução

O autismo é um distúrbio grave do desenvolvimento cada vez mais comum, que afeta três áreas importantes do desenvolvimento: comunicação, socialização e comportamento/ brincadeira. Os resultados variam de criança para criança e podem depender muito da idade em que se inicia a intervenção, uma vez que crianças que começam a intervenção aos 3 anos de idade, ou antes, têm resultados significativamente melhores em comparação com crianças mais velhas.1, 2, 3 

Do que se trata

A literatura inclui um conjunto crescente de trabalhos que sugerem que a intervenção intensiva precoce pode melhorar muito os resultados de crianças autistas. Estudos sobre os efeitos de intervenções orientadas comportamentalmente com pré-escolares autistas documentaram efeitos positivos no curto e no longo prazo. Esses resultados variaram de atenuação parcial a correção total dos sintomas1,6,7,10-13 (os números mais otimistas sugerem uma recuperação de 50% com a intervenção intensiva precoce), sendo que o progresso é definido algumas vezes em termos de ganhos em escores de testes padronizados pré e pós-intervenção, e outras vezes em termos de resultados comportamentais. Além disso, embora as primeiras estimativas sugerissem que apenas 50% das crianças aprenderiam a utilizar fala funcional,14 estimativas mais recentes baseadas em crianças que participaram de intervenções precoces indicam que pelo menos de 85% a 90% das crianças autistas podem aprender a usar fala funcional se a intervenção for iniciada nos anos pré-escolares.15-17 

Problemas

O núcleo do distúrbio autístico é a dificuldade com interações sociais recíprocas e, portanto, constitui um objetivo importante da intervenção precoce. Entretanto, uma vez que a maioria das intervenções focaliza interações adulto-criança, até o momento, poucos estudos abordaram a melhoria da competência social em grupos de pares e com irmãos.18 Uma segunda questão colocada na literatura é que as medidas de resultados da intervenção precoce precisam refletir melhor o funcionamento efetivo da criança em seu ambiente natural. Alguns estudos incluíram apenas mudanças nos escores de QI e na proficiência da criança após a intervenção, mas obviamente teriam maior utilidade se incluíssem medidas sociais e comportamentais.19 E, em terceiro lugar, são relativamente poucos os estudos sobre efeitos de intervenção precoce já publicados que incluem crianças menores de 3 anos de idade, uma vez que apenas recentemente o diagnóstico do autismo antes dessa idade passou a ser mais comum entre os profissionais. 

Contexto de pesquisa

Os efeitos de intervenções precoces normalmente são pesquisados em estudos com sujeito único. Poucos estudos controlados de grupo foram publicados até o momento.20,21 Recentemente, alguns estudos que começaram a acompanhar as crianças durante períodos mais longos  retrataram as trajetórias de desenvolvimento das crianças durante a linha de base e a intervenção, e possivelmente oferecem informações complementares valiosas.22,23

Questões-chave de pesquisa

Uma das principais questões de pesquisa discutidas na literatura é a identificação das características da criança que são preditivas não só de resultados, mas de qual tipo de intervenção é mais adequado para aquela criança em particular.24 Na mesma linha, alguns pesquisadores estão começando a identificar características ou habilidades parentais que podem ser mais indutoras de progressos da criança.25 Por fim, à medida que aumenta o número de crianças incluídas em escolas regulares de educação infantil, os pesquisadores começam a identificar comportamentos-alvo para intervenções precoces que reflitam o funcionamento da criança nos contextos escolares inclusivos, e a comparar esses comportamentos com os de pares com desenvolvimento típico em contextos semelhantes.6,20

Resultados de pesquisas recentes

A idade e o QI na ocasião de ingresso no programa são as características da criança que têm sido mais frequentemente estudadas em termos de resultados. Esses estudos sugerem que idade menor e QI mais alto no início da intervenção podem ser preditivos de melhores resultados.26,2 Mais recentemente, o nível de evitação social de pares pela criança – ou seja,  a frequência com que ela evita ativamente ficar próximo dos pares – foi identificado como um preditor significativo de resultados da intervenção em termos de uso de linguagem e de evitação de pares  após seis meses  de tratamento.27 Outros estudos mostraram associações significativas entre o uso de comportamentos de atenção conjunta – tais como alternar o olhar e apontar – e o desenvolvimento posterior de linguagem expressiva.28 Por fim, Koegel e colegas29 demonstraram que iniciações feitas pela criança – definidas como a iniciativa da criança para começar uma nova interação ou mudar a direção de uma interação – na ocasião de ingresso no programa foram preditivos de resultados de tratamento altamente favoráveis. É interessante observar que esses três últimos comportamentos-alvo – evitação de pares, atenção conjunta e iniciações – podem ser vistos como tendo natureza muito semelhante. Esses estudos podem ajudar a identificar outros comportamentos importantes – e até mesmo centrais – como alvos de intervenção.

A literatura atual começa a identificar também características e habilidades parentais que poderiam aumentar o impacto da intervenção precoce. Um amplo conjunto de trabalhos dão apoio à utilização de educação parental como forma de aliviar os pais e de dotá-los de mais poder. O otimismo dos pais e a intensidade do estresse vivenciado por um pai ou uma mãe em consequência do problema da criança30 podem ser fatores importantes para os resultados dos filhos. Um outro comportamento parental que foi identificado como  importante é a sensibilidade parental quanto a acompanhar o foco de atenção da criança.25 Este estudo mostrou que níveis mais altos de acompanhamento da direção indicada pela criança estão associados a maiores progressos em termos de atenção conjunta e linguagem. Por fim, a pesquisa mostra que pode ser importante ensinar os pais por meio de um modelo de parceria, e não com um formato direcionado à atuação clínica.31  Por exemplo, Brookman-Frazee mostrou que o afeto parental é maior e o estresse parental é menor no decorrer de sessões que utilizam um modelo de parceria.30 

Diversos estudos começaram a investigar os resultados de intervenções precoces com crianças que frequentam contextos escolares inclusivos. Stahmer e Ingersoll22 relatam resultados abrangentes em avaliações padronizadas, bem como em habilidades comunicativas, habilidades de interação social e habilidades lúdicas, em 20 crianças autistas em um contexto inclusivo: a utilização de um sistema funcional de comunicação pelas crianças foi de 90% ao final do programa, contra 50% no ingresso. McGee e colegas32 relataram progressos na proximidade da criança autista com pares típicos: 71% das crianças apresentaram melhorias nesse indicador. Um estudo recente de Koegel e colegas18 mostrou que, em comparação com pares típicos, crianças autistas interagiram de forma equiparável com adultos, mas raramente interagiram com outras crianças. No entanto, Koegel e colegas29 demonstraram que é possível ensinar crianças autistas a iniciar interações com adultos e com pares e que, em conjunto, os resultados dessas crianças foram muito melhores do que os de crianças autistas que apresentavam baixos níveis de iniciação de contatos sociais.

Conclusões

As pesquisas começam a identificar variáveis da criança e dos pais que se relacionam com os resultados em crianças bem pequenas com autismo. Esses estudos são importantes porque podem nos oferecer informações valiosas sobre possíveis comportamentos centrais, tais como iniciação de contato social. Aparentemente, por exemplo, com base na literatura atualmente disponível, é extremamente importante ensinar uma criança a iniciar interações com pares e com adultos, de forma que possa criar suas próprias oportunidades de aprendizagem no decorrer do dia. Além disso, a literatura atual sugere apoio à educação e  aumento de poder dos pais por meio de um modelo de parceria, para ajudar a aliviar o estresse e a alimentar o otimismo  quanto aos resultados de seus filhos. Por fim, os dados atuais apóiam o modelo de escola inclusiva, até mesmo para crianças autistas bem jovens. Ao longo do tempo, e com as intervenções, essas crianças beneficiam-se da proximidade de pares típicos, especialmente se forem ensinadas a iniciar interações com eles. 

Implicações

A principal implicação para os formuladores de políticas é a necessidade de dar apoio à intervenção precoce. O diagnóstico aos 18 meses, ou pouco mais tarde, aumenta a probabilidade de que a intervenção seja iniciada cedo e os resultados sejam melhores. O medo de rotular uma criança de menos de 3 anos de idade é compreensível; no entanto, o adiamento de um tratamento especializado imprescindível pode ter consequências amplas e de longo prazo não só para a criança, mas também para a família e a comunidade. Ademais, a pesquisa atual sobre resultados do autismo sugere que, com intervenções apropriadas e especializadas, a criança autista pode se sair bem em suas famílias, na comunidade e em escolas regulares de educação infantil. Cabe a nós, como comunidade, tornar isso possível.  

Referências

  1. Fenske EC, Zalenski S, Krantz PJ, McClannahan LE. Age at intervention and treatment outcome for autistic children in a comprehensive intervention program. Analysis and Intervention in Developmental Disabilities 1985;5(1-2):49-58.
  2. Harris SL, Handleman JS. Age and IQ at intake as predictors of placement for young children with autism: A four to six-year follow-up. Journal of Autism and Developmental Disorders 2000;30(2):137-142.
  3. Committee on Educational Interventions for Children with Autism, National Research Council. Educating children with autism. Washington, DC: National Academies Press; 2001.
  4. Anderson SR, Avery DL, DiPietro EK, Edwards GL, Christian WP. Intensive home-based intervention with autistic children. Education and Treatment of Children 1987;10(4):352-366.
  5. Campbell S, Cannon B, Ellis JT, Lifter K, Luiselli JK, Navalta CP, Taras M. The May Center for Early Childhood Education: Description of a continuum of services model for children with autism. International Journal of Disability, Development and Education 1998;45(2):173-187.
  6. Dawson G, Osterling J. Early intervention in autism. In: Guralnick MJ, ed. The Effectiveness of early intervention. Baltimore, Md: P.H. Brookes Publishing Co.; 1997:307-326.
  7. Lovaas OI. Behavioral treatment and normal educational and intellectual functioning in young autistic children. Journal of Consulting and Clinical Psychology 1987;55(1):3-9.
  8. McClannahan LE, Krantz PJ. The Princeton Child Development Institute in New Jersey. In: Harris SL, Handleman JS, eds. Preschool education programs for children with autism. Austin, Tex: PRO-ED; 1994:15-36.
  9. McEachin JJ, Smith T, Lovaas OI. Long-term outcome for children with autism who received early intensive behavioral treatment. American Journal on Mental Retardation 1993;97(4):359-372. 
  10. Handleman JS, Harris SL, Celiberti D, Lilleheht E, Tomchek,L. Developmental changes of preschool children with autism and normally developing peers. Infant-Toddler Intervention 1991;1:137-143. 
  11. Hoyson M. Individualized group instruction of normally developing and autistic like children: The LEAP curriculum model. Journal of the Division of Early Childhood 1984;8(2):157-172.
  12. Lord C, Schopler E. The role of age at assessment, developmental level, and test in the stability of intelligence scores in young autistic children. Journal of Autism & Developmental Disorders 1989;19(4):483-499.
  13. Sheinkopf SJ, Siegel B. Home-based behavioral treatment of young children with autism. Journal of Autism and Developmental Disorder 1998;28(1):15-23.
  14. Prizant BM. Language acquisition and communicative behavior in autism: Toward an understanding of the "whole" of it. Journal of Speech & Hearing Disorders 1983;48(3):296-307.
  15. McGee GG, Daly T, Jacobs HA. The Walden preschool in Massachusetts. In: Harris SL, Handleman JS, eds. Preschool education programs for children with autism. Austin, Tex: PRO-ED; 1994:15-36.
  16. Koegel LK. Communication and language intervention. In: Koegel RL, Koegel LK, eds. Teaching children with autism: Strategies for initiating positive interactions and improving learning opportunities. Baltimore, Md: Paul H. Brookes Publishing Co.; 1995:17-32.
  17. Koegel LK. Interventions to facilitate communication in autism. Journal of Autism and Developmental Disorders 2000;30(5):383-391.
  18. Koegel LK, Koegel RL, Frea WD. Identifying early intervention targets for children with autism in inclusive school settings. Behavior Modification 2001;25(5):745-761.
  19. Koegel LK, Koegel RL, Smith A. Variables related to differences in standardized test outcomes for children with autism. Journal of Autism & Developmental Disorders 1997;27(3):233-243.
  20. Kasari C. Assessing change in early intervention programs for children with autism. Journal of Autism & Developmental Disorders 2002;32(5):447-461.
  21. Lord C, et al. Challenges in evaluating psychosocial interventions for autistic spectrum disorders. Journal of Autism & Developmental Disorders. In press.
  22. Stahmer AC, Ingersoll B. Inclusive programming for toddlers with autism spectrum disorders: Outcomes from the children’s toddler school. Journal of Positive Behavior Interventions 2004;6(2):67-82.
  23. Koegel RL, Bruinsma YEM, Koegel LK. Developmental trajectories and longitudinal intervention outcomes for young nonverbal children with autism. In: Koegel RL, Koegel LK, eds.  Pivotal response treatment for children with autism: Teaching social, academic, and language skills. In press.
  24. Schreibman L. Intensive behavioral/psychoeducational treatments for autism: Research needs and future directions. Journal of Autism & Developmental Disorders 2000;30(5):373-378.
  25. Siller M, Sigman M. The behaviors of parents of children with autism predict the subsequent development of their children’s communication. Journal of Autism and Developmental Disorders 2002;32(2):77-89.
  26. Gabriel RL, Hill DE, Pierce RA, Rogers SJ, Wehner B. Predictors of treatment outcome in young children with autism. A retrospective study. Autism 2001;5(4):407-429.
  27. Ingersoll B, Schreibman L, Stahmer A. Brief report: Differential treatment outcomes for children with autistic spectrum disorder based on level of peer social avoidance. Journal of Autism and Developmental Disorders 2001;31(3):343-349.
  28. Mundy P, Sigman M, Kasari C. A longitudinal study of joint attention and language development in autistic children. Journal of Autism and Developmental Disorders 1990;20(1):115-128.
  29. Koegel LK, Koegel RL, Shoshan Y, McNerney E. Pivotal response intervention II: Preliminary long-term outcome data. Journal of the Association for Persons with Severe Handicaps 1999;24(3):186-198.
  30. Brookman-Frazee L. Using parent/clinician partnerships in parent education programs for children with autism. Journal of Positive Behaviour Interventions. In press.
  31. Robbins FR, Dunlap G, Plienis AJ. Family characteristics, family training, and the progress of young children with autism. Journal of Early Intervention 1991;15(2):173-184.
  32. McGee GG, Morrier MJ, Daly T. An incidental teaching approach to early intervention for toddlers with autism. Journal of the Association for Persons with Severe Handicaps 1999;24(3):133-146.

Para citar este artigo:

Bruinsma YEM, Koegel RL, Koegel LK. Efeitos da intervenção precoce no desenvolvimento social e emocional de crianças pequenas (0-5 anos) com autismo. Em: Tremblay RE, Boivin M, Peters RDeV, eds. Elsabbagh M, Clarke ME, eds. tema. Enciclopédia sobre o Desenvolvimento na Primeira Infância [on-line]. https://www.enciclopedia-crianca.com/autismo/segundo-especialistas/efeitos-da-intervencao-precoce-no-desenvolvimento-social-e-emocional. Publicado: Outubro 2004 (Inglês). Consultado em 26 de abril de 2024.

Texto copiado para a área de transferência ✓