Utilizando eletroencefalografia (EEG) para medir maturação do córtex auditivo em bebês: processando frequência, duração e localização do som


McMaster University, Canadá
(Inglês). Tradução: agosto 2013

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Introdução

O sistema auditivo desempenha três funções principais – identificar e localizar objetos, perceber sons musicais e compreender a linguagem –, que se baseiam no processamento eficiente das características básicas do som. A eletroencefalografia (EEG) pode ser utilizada para medir, por exemplo, de que forma o córtex auditivo de bebês processa frequência, diferenças temporais finas e localização de sons. Em particular, a resposta do cérebro a um evento sonoro – o potencial relacionado a evento, ou PRE – modifica-se com a idade em relação à morfologia – ou seja, quais picos positivos e negativos estão presentes em quais locais de registro no couro cabeludo – amplitude e latência dos picos presentes.1 Em termos de desenvolvimento, os PRE também podem ser analisados quanto à mudança de frequência com a idade, em atividades de onda em fase e fora de fase em diferentes zonas de frequência, tais como alfa, beta e gama.2,3 Muitos fatores também contribuem para essas mudanças. Processos como ondas de mielinização, proliferação sináptica, eliminação sináptica, e a presença e o volume de diversos neurotransmissores estão sob amplo controle genético.4,5 Tais processos permitem o desenvolvimento de circuitos mais eficientes de processamento de características auditivas. Ao mesmo tempo, os detalhes das redes formadas são amplamente afetados por fatores experienciais, de tal forma que conexões sinápticas que recebem estímulos simultâneos são fortalecidas, ao passo que outras são enfraquecidas ou eliminadas. Assim sendo, experiências específicas com sons, tons, sons com diferenças temporais finas e sons provenientes de diferentes localizações espaciais afetam o desenvolvimento auditivo. Em um nível mais complexo, o sistema musical específico e o sistema de linguagem aos quais bebês ou crianças são expostos também contribuem substancialmente para a maturação auditiva, possibilitando o processamento eficiente de determinados sistemas de tons musicais, estruturas rítmicas e categorias fonêmicas.6 Neste artigo são destacadas as expressivas modificações observadas em PRE durante o desenvolvimento e as formas de utilização dessas alterações como indicadores diagnósticos de anormalidade auditiva precoce.

Do que se trata

A capacidade auditiva básica é essencial para a aquisição de habilidades linguísticas e musicais que possibilitarão a comunicação e o desenvolvimento social e emocional saudável. PRE auditivos, extraídos de registros de EEG em resposta a sons, podem acompanhar o desenvolvimento do processamento auditivo. Neste artigo são apresentados os conhecimentos atuais sobre o desenvolvimento normal de respostas de PRE a características auditivas básicas, sobre a forma como se modificam com a idade, e como são afetados pela experiência musical. PRE relacionados à audição podem ser utilizados como indicadores diagnósticos de desenvolvimento inicial de anormalidades auditivas centrais. 

Problemas

Seria bastante útil diagnosticar dificuldades de processamento auditivo no início do desenvolvimento, uma vez que quanto mais cedo são identificados os problemas, maior é a chance de sucesso no tratamento. Atualmente, os limites da audição podem ser estabelecidos por meio dos PEATE – respostas auditivas do tronco encefálicoa – em recém-nascidos7 e de medidas comportamentais, tais como a rotação condicionada da cabeça em bebês mais velhos.8 No entanto, os PEATE não fornecem informações sobre o processamento de características sonoras, tais como frequência, duração e localização do som, assim como não contemplam o processamento de som no córtex. Medidas comportamentais são limitadas, uma vez que não dispõem de condições e controle experimental para fornecer informações confiáveis sobre cada bebê. Devido a restrições de movimento e ao barulho do scanner, é muito difícil realizar Ressonância Magnética funcional (RMf) com bebês e crianças pequenas. Portanto, os PRE derivados de registros de EEG constituem um método de opção para analisar o desenvolvimento auditivo inicial e a maturação do córtex auditivo. 

Contexto de pesquisa

Em adultos, a apresentação de um som resulta em uma série de potenciais evocados (PE) originados em áreas auditivas. Tendo em vista que o córtex auditivo está localizado perto da fissura de Sylvius, despolarizações sincrônicas de neurônios, cujos axônios abarcam camadas corticais, tendem a criar campos elétricos no couro cabeludo com polaridade oposta nas regiões frontal e occipital. As séries de PE incluem o P1 – primeiro potencial positivo da região frontal –, aproximadamente 50ms após o início do estímulo; o N1, aproximadamente 100ms; e o P2, aproximadamente 180ms. A atenção a estímulos e o desempenho de tarefas relacionadas a estímulos resultam em novos componentes de PE. Outro componente obrigatório ou pré-atencional é o Mismatch Negativity (MMN). O MMN é obtido em um paradigma excêntrico no qual sons (ou sinais de determinada categoria) repetidos (padronizados) são eventualmente substituídos por um som (ou sinal de uma categoria diferente) diferente (irregular).9 O som irregular produz uma negatividade adicional entre 150ms e 250ms após seu início. O MMN é particularmente interessante, pois é elaborado para refletir um mecanismo automático de detecção de mudanças.

Questões-chave de pesquisa

Quais são as vias de desenvolvimento para P1, N1, P2 e MMN? Esse desenvolvimento é afetado por experiências? A maturação do córtex auditivo pode ser determinada por meio da medida de PRE sonoro?

Resultados de pesquisas recentes

Independentemente de N1 e P2 serem respostas obrigatórias em adultos, somente são observados com clareza em crianças depois dos 4 anos de idade, em resposta a tons musicais e tons de onda seno.10,11 É interessante observar que N1 e P2 aumentam em amplitude e diminuem em latência com a idade, alcançando uma amplitude máxima entre 10 e 12 anos de idade. A amplitude diminui a partir de então, alcançando níveis adultos por volta dos 18 anos de idade. Aparentemente, a trajetória de desenvolvimento de N1 e P2 está relacionada à maturação das conexões neurais nas camadas II e superior III.12 Dados extraídos de autópsias em humanos mostram que a expressão de neurofilamento, que possibilita a transmissão mais rápida de sinais neurais, começa a surgir nessas camadas apenas por volta dos 5 anos de idade, e só atinge níveis adultos após os 12 anos. A maioria das conexões com outras áreas corticais aumenta nessas camadas, sugerindo que essa imaturidade prolongada pode estar relacionada a processos de “top-down”, ou a controle executivo da percepção auditiva. Curiosamente, crianças em idade pré-escolar envolvidas em aulas de música mostram componentes de N1 e P2 equivalentes aos de crianças de dois a três anos mais velhas, sugerindo que aulas de música afetam o controle executivo da audição.11

Embora seja difícil medir N1 e P2 em bebês, o MMN pode ser medido logo no início do desenvolvimento.1,13 É interessante observar que as pesquisas mostram que em bebês muito pequenos mudanças eventuais na frequência, na dimensão de uma lacuna temporal ou na localização de um som resultam em aumento da amplitude de uma positividade frontal lenta. Esse componente não está presente em adultos. Alguns meses após o nascimento, surge no PRE um MMN semelhante ao de um adulto (componente de negatividade frontal mais rápido). Para uma discriminação simples de frequência, o MMN está presente aos três meses.14,15 No entanto, para ouvir a frequência fundamental ausente, o MMN não é observado antes de quatro meses,16 e para ouvir alterações no padrão da frequência, a resposta imatura positiva lenta permanece aos 6 meses de idade.17 Para a detecção de pequenas lacunas de silêncio em um tom, o MMN semelhante ao do adulto surge por volta dos 4 a 6 meses de idade.18 A localização do som permanece imatura por um longo período, de tal modo que mesmo aos 8 meses de idade a resposta positiva lenta ainda está presente, mas não o MMN semelhante ao do adulto.19 Portanto, a idade na qual o MMN semelhante ao do adulto surge depende da característica do som sob investigação.

Lacunas de pesquisa

Até o momento, foram realizados poucos estudos nessa área e, portanto, os conhecimentos sobre as vias normais de desenvolvimento ainda são bastante limitados. Além disso, há poucos estudos relacionados a interações multissensoriais e à forma como estas se desenvolvem. A análise do desenvolvimento de atividade oscilatória por meio de análises de frequência de dados obtidos por EEG constitui uma área promissora de pesquisas recentes. Dados preliminares sugerem cursos de tempo de desenvolvimento protraídos para atividades nas freqüências beta e gama, e efeitos no treinamento musical.2,3 Por fim, para compreender de que forma o desenvolvimento funcional do córtex auditivo está relacionado com o desenvolvimento anatômico, será necessário realizar conexões entre os estudos com humanos e com animais.

Conclusões

O desenvolvimento auditivo e a maturação do córtex auditivo podem ser analisados para diferentes características sonoras com potenciais relacionados a eventos (PRE) derivados de registros de EEG. O córtex auditivo mostra uma trajetória de desenvolvimento muito prolongada, sendo que respostas completamente maduras a sons simples somente são alcançadas por volta dos 18 anos de idade. Ao mesmo tempo, as respostas do cérebro a mudanças eventuais em um estímulo auditivo repetido podem ser medidas em bebês muito novos. Quando surge a morfologia de PRE semelhante à do adulto para detectar mudanças de sons, depende de determinada característica sonora: primeiro para frequência (3 meses), posteriormente para pequenas alterações temporais (de 4 a 6 meses) e, por fim, para padrões de frequência e localização de sons (após os 8 meses de idade). 

Implicações para pais, serviços e políticas

É essencial a identificação precoce de problemas do processamento auditivo central – quando os limites de audição são normais – uma vez que grande parte da aquisição musical e de linguagem ocorre durante os primeiros anos de vida. Os PRE derivados de EEG oferecem a possibilidade de identificar padrões para as idades nas quais diversos marcos de desenvolvimento são alcançados. Tais padrões podem ser avaliados para saber se o bebê segue uma trajetória normal de maturação.

Referências

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aNT: Também denominados Potenciais Evocados Auditivos do Tronco Encefálico – PEATE.

Para citar este artigo:

Trainor LJ. Utilizando eletroencefalografia (EEG) para medir maturação do córtex auditivo em bebês: processando frequência, duração e localização do som . Em: Tremblay RE, Boivin M, Peters RDeV, eds. Enciclopédia sobre o Desenvolvimento na Primeira Infância [on-line]. https://www.enciclopedia-crianca.com/cerebro/segundo-especialistas/utilizando-eletroencefalografia-eeg-para-medir-maturacao-do-cortex. Publicado: Junho 2010 (Inglês). Consultado em 28 de março de 2024.

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