O impacto de cuidados não parentais sobre crianças pequenas (do nascimento até 2 anos de idade)


University of California at Los Angeles, EUA
(Inglês). Tradução: junho 2011

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Introdução

Atualmente, é cada vez maior o número de crianças que, já desde o nascimento e até os 2 anos de idade, estão sendo colocadas sob cuidados não parentais durante o dia e em dias úteis, devido principalmente ao aumento do emprego materno. Entre 1980 e 1998, a participação de mães de crianças pequenas na força de trabalho nos Estados Unidos aumentou de 38% para 59%.1 Em 1999, estavam regularmente sob cuidados não parentais 44% das crianças menores de um ano, 53% das crianças de um ano de idade, e 57% das crianças de 2 anos de idade.2 Pesquisas sobre desenvolvimento inicial nos planos social, emocional e cognitivo sugerem que as consequências dos contextos de cuidados, no curto e no longo prazo, dependem menos da forma de cuidado (por exemplo, maternal versus outras formas) do que de sua qualidade.2 Portanto, examinar o impacto de cuidados não parentais sobre crianças pequenas significa examinar questões relativas à qualidade dos cuidados, tanto no lar como em contextos de cuidados não parentais.

Do que se trata

Para examinar o impacto de cuidados não parentais sobre o desenvolvimento de crianças muito pequenas, é necessário definir cuidado não parental e qualidade do cuidado. Cuidado não parental pode ser definido simplesmente como o cuidado da criança por pessoas que não pertencem à família, seja na própria casa, na casa de outras pessoas, ou em uma instituição que possa oferecer à criança cuidados e oportunidades de aprendizagem que complementem ou suplementem aqueles oferecidos em casa. O cuidado não parental pode incluir também serviços de apoio a pais que trabalham e, em alguns casos, pode contribuir para reduzir o número de crianças que vivem em situação de pobreza, e oferecer proteção temporária para crianças que correm risco de abuso na família. Se esse atendimento pode ou não promover o desenvolvimento social e emocional da criança é uma questão que depende da qualidade do cuidado oferecido. A qualidade do cuidado é definida não como a forma de cuidado – por exemplo, em casa ou em uma instituição –, mas o provimento de relações afetuosas, de um ambiente estimulante e de condições básicas de saúde e segurança.

Problemas

Famílias que dispõem de mais recursos materiais, sociais e emocionais tendem a utilizar serviços de cuidado não parental de melhor qualidade.2 Para determinar a influência da qualidade do cuidado sobre o desenvolvimento, é necessário medir a qualidade do cuidado na família e em instituições de atendimento à criança. Além disso, as influências do cuidado não parental sobre o desenvolvimento podem manifestar-se no curto prazo, mas podem também permanecer “adormecidas”, manifestando-se somente no longo prazo. Portanto, medir o impacto do cuidado na infância requer estudos longitudinais. Além disso, uma vez que não há períodos críticos para a influência que os diversos ambientes, a família e contextos comunitários mais amplos exercem sobre o desenvolvimento das crianças, estudos longitudinais devem utilizar modelos ecológicos que meçam a influência ao longo do tempo. Trata-se de protocolos de pesquisa complexos e dispendiosos. Além disso, embora os aspectos estruturais do cuidado não parental – por exemplo, a educação formal do cuidador – efetivamente estejam envolvidos com a qualidade do cuidado no curto prazo, uma vez que os aspectos estruturais tendem a ser interrelacionados, não há indicadores isolados de qualidade do cuidado. Há poucas diferenças entre raça, etnia ou idioma da mãe quanto à influência da qualidade sobre o desenvolvimento da criança.2  No entanto, as práticas utilizadas para garantir a qualidade de cuidados infantis de fato diferem em termos de etnia e idioma da mãe3.     

Contexto de pesquisa

As pesquisas sobre relações entre cuidado não parental e desenvolvimento de crianças pequenas são, necessariamente, correlacionais, e não experimentais. Além disso, à medida que aumenta o número de pais de renda muito baixa a integrar a força de trabalho com baixa remuneração (devido a mudanças globais nas formas de trabalho e nas políticas de bem-estar) aumenta o número de crianças muito jovens de famílias de baixa renda que estão sendo colocadas em contextos muito informais de cuidados não parentais. Há poucos dados sobre o percurso de desenvolvimento dessas crianças.

Questões-chave de pesquisa

Questões importantes de pesquisa nessa área incluem as seguintes:

  1. Quais são os impactos no curto e no longo prazo da qualidade variável dos cuidados sobre o desenvolvimento infantil?
  2. A associação entre qualidade do cuidado não parental e o desenvolvimento infantil difere em crianças de diferentes raças ou em famílias de renda muito baixa?
  3. A idade em que a criança passa a receber cuidados não parentais influencia o desenvolvimento? 

Resultados de pesquisas recentes

Há um sólido corpo de evidências que associam a qualidade dos cuidados não parentais ao desenvolvimento da criança durante a infância, e um conjunto crescente de trabalhos

na literatura relativo às consequências no longo prazo.2 Esses dados são consistentes entre os estudos e entre famílias que diferem em relação a etnia, idioma da mãe e nível de renda. Apenas poucos estudos4-6 tentaram definir o nível de qualidade necessário para otimizar o desenvolvimento. Esses estudos, todos realizados em creches licenciadas ou no contexto de famílias que oferecem cuidados não parentais, sugerem que o limiar de qualidade é muito alto, muito acima dos arranjos modais de cuidados não parentais nos Estados Unidos. No entanto, alguns estudos revelam que, quando a criança vivencia cuidados de alta qualidade, o próprio cuidado emerge como fator para sua proteção.

Outro conjunto de pesquisas sugere que a idade em que a criança é colocada sob cuidados não parentais não é, em si e por si, um fator de risco.2  No entanto, serviços de atendimento de baixa qualidade aos quais a criança é submetida desde muito cedo e de forma muito extensiva, efetivamente, revelam-se desvantajosos. Além dos estudos que associam cuidados de baixa qualidade a desenvolvimento abaixo no nível ideal, outros estudos mostraram que o cuidado não parental extensivo desde muito cedo pode interferir com o desenvolvimento de interações mãe-criança harmoniosas. Por exemplo, a NICHD Early Child Care Research Network (Rede de pesquisas sobre cuidados não parentais na primeira infância, do NICHD)7 verificou que bebês e crianças pequenas que passam maior número de horas sob cuidados não parentais vivenciam menos interações mãe-criança positivas. 

Conclusões

O fato de estar sob cuidados não parentais, sendo atendida por um adulto que não é um dos pais, não se associa, necessariamente, ao desenvolvimento abaixo do ideal para crianças pequenas. Na verdade, esse tipo de cuidado pode estar associado a um melhor desenvolvimento ou pode até mesmo ser um fator compensatório. No entanto, para promover o desenvolvimento ou cumprir uma função de proteção, as situações de cuidado não parental precisam ter qualidade suficientemente boa. Ter boa qualidade é mais do que ser um local seguro para as crianças; inclui o provimento de relações afetuosas e de ambientes estimulantes, que organizem e alicercem a aprendizagem das crianças. A possibilidade de uma criança vivenciar cuidados parentais de alta qualidade depende, em parte, dos recursos materiais e sociais das famílias. A oferta de cuidados não parentais de alta qualidade é restrita, representando talvez de 10% a 15% de toda a oferta disponível. Mas é preciso observar que a qualidade dos cuidados não se confunde com a forma de cuidados: uma criança pode vivenciar cuidados de alta qualidade em uma grande variedade de contextos. Entretanto, há muito pouca informação sobre as consequências no curto e no longo prazo para crianças que estão em situações de cuidados não parentais muito informais e de baixa qualidade, combinadas com pobreza familiar e mães cuja sensibilidade pode estar prejudicada por suas próprias condições precárias de trabalho.  

Implicações para políticas e serviços

Se as influências dos serviços de cuidados não parentais sobre o desenvolvimento de crianças muito jovens dependem da qualidade do cuidado que recebem, conclui-se que é necessário melhorar a qualidade geral dos cuidados para melhorar o desenvolvimento infantil. 

Referências

  1. Bachu A, O’Connell M. Fertility of American Women. June 1998. Washington, DC: U.S. Census Bureau; 2000. Current Population Reports P250-526. 
  2. Shonkoff JP, Phillips DA, eds. From neurons to neighborhoods: The science of early childhood development. Washington, DC: National Academy Press; 2000.
  3. Wishard AG, Shivers EM, Howes C, Ritchie S. Child care program and teacher practices: Associations with quality and children's experiences. Early Childhood Research Quarterly 2003;18(1):65-103.
  4. Burchinal M, Howes C, Kontos S. Structural predictors of child care quality in child care homes. Early Childhood Research Quarterly 2002;17(1):87-105.
  5. Howes C, Phillips DA, Whitebook M. Thresholds of quality: Implications for the social-development of children in center-based child care. Child Development 1992;63(2):449-460.
  6. Peisner-Feinberg ES, Burchinal MR, Clifford RM, Culkin ML, Howes C, Kagan SL, Yazejian N. The relation of preschool child care quality to children's cognitive and social developmental trajectories through second grade. Child Development 2001;72(5):1534-1553.
  7. The NICHD Early Child Care Research Network Child care and mother-child interaction in the first 3 years of life. Developmental Psychology 1999;35(6):1399-1413.

Para citar este artigo:

Howes C. O impacto de cuidados não parentais sobre crianças pequenas (do nascimento até 2 anos de idade). Em: Tremblay RE, Boivin M, Peters RDeV, eds. Bennett J, ed. tema. Enciclopédia sobre o Desenvolvimento na Primeira Infância [on-line]. https://www.enciclopedia-crianca.com/cuidados-na-infancia-educacao-e-cuidados-na-primeira-infancia/segundo-especialistas/o-impacto-de. Publicado: Novembro 2003 (Inglês). Consultado em 29 de março de 2024.

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