Desenvolvimento da linguagem nos primeiros anos de vida: mecanismos de aprendizagem e resultados do nascimento aos cinco anos de idade


Departamento de Psicologia, Universidade Florida Atlantic, EUA
(Inglês). Tradução: julho 2011

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Introdução

A aquisição da linguagem é uma das realizações mais notáveis dos primeiros anos de vida. Aos cinco anos de idade, as crianças têm o domínio essencial do sistema de sons e da gramática de seu idioma e adquiriram um vocabulário de milhares de palavras. Este trabalho descreve os principais marcos do desenvolvimento da linguagem presentes nos cinco primeiros anos de vida, em crianças monolíngues com desenvolvimento típico, e os mecanismos que têm sido propostos para explicar essas aquisições.

Do que se trata

As habilidades de linguagem de crianças pequenas são importantes para seu sucesso interpessoal e acadêmico.1,2 É essencial, portanto, dispor de descrições do desenvolvimento normativo que permitam a identificação de crianças com comprometimento de linguagem e compreender os mecanismos de aquisição da linguagem que podem fornecer a base para a otimização do desenvolvimento de todas as crianças.

Problema

Embora todas as crianças normais, em ambientes normais, adquiram o idioma (ou idiomas) que escutam, as taxas de desenvolvimento infantil – e, portanto, os níveis de habilidade em determinada idade – são muito variáveis. Um dos objetivos da pesquisa neste campo é compreender o papel das habilidades inatas e das circunstâncias ambientais na explicação do fato universal da aquisição de linguagem e da variabilidade em seu desenvolvimento.3 

Contexto de pesquisa

O desenvolvimento da linguagem na infância tem sido um tema de interesse desde a antiguidade, e o foco de uma quantidade substancial de pesquisa científica desde a década de 1960.4 Embora o campo tenha ampliado seu escopo de investigação nos últimos anos, ainda há mais pesquisas que descrevem a aquisição da Língua Inglesa por crianças monolíngues de classe média do que a de outros grupos e outros idiomas. 

Resultados de pesquisas recentes

Em geral, o curso do desenvolvimento da linguagem e seus mecanismos subjacentes são descritos separadamente para os subdomínios do desenvolvimento fonológico (o sistema de sons), do desenvolvimento léxico (as palavras), e do desenvolvimento morfossintático (a gramática), embora essas áreas estejam inter-relacionadas tanto no desenvolvimento quanto no uso da linguagem.

Desenvolvimento fonológico. Os recém-nascidos têm a capacidade de ouvir e discriminar os sons da fala.5 No decorrer do primeiro ano de vida, tornam-se mais competentes para escutar os contrastes utilizados em seu idioma e insensíveis às diferenças acústicas que não são relevantes para esse idioma. Esta sintonização da percepção da fala ao ambiente linguístico resulta de um processo de aprendizagem no qual os bebês formam categorias mentais de sons da fala em torno de grupos de sinais acústicos que ocorrem com mais freqüência em seu idioma. Essas categorias, então, orientam a percepção, de forma que as variações dentro de uma categoria são ignoradas, e as variações entre as categorias são percebidas.6,7

Os primeiros sons que os bebês produzem são gritinhos e ruídos que não se assemelham à fala. Os principais marcos do desenvolvimento vocal anterior à fala são a produção de sílabas canônicas (combinações adequadas de consoantes e vogais), que aparecem entre os seis e os 10 meses de idade, rapidamente sucedidas por balbucios duplicados (repetições de sílabas). Quando aparecem as primeiras palavras, são utilizados os mesmos sons, e as palavras contêm o mesmo número de sons e de sílabas, que as sequências precedentes do balbucio.8 Um dos processos que contribuem para o desenvolvimento fonológico inicial parece ser o esforço ativo dos bebês de reproduzir os sons que escutam. No balbucio, os bebês podem descobrir a correspondência entre o que fazem com seu aparelho vocal e os sons resultantes. O importante papel do feedback é sugerido por observações de que crianças que têm perdas auditivas apresentam atraso na produção do balbucio canônico. Por volta dos 18 meses de idade, as crianças parecem ter construído um sistema mental para representar os sons de seu idioma e para produzi-los dentro das limitações de suas capacidades de articulação. A esta altura, a produção de sons da fala pelas crianças torna-se consistente nas diferentes palavras– em contraste com o período anterior, em que a forma de som para cada palavra era uma entidade mental separada.9 Os processos subjacentes a este desenvolvimento ainda não são suficientemente compreendidos.

Desenvolvimento léxico. Os bebês entendem as primeiras palavras já aos cinco meses de idade, produzem as primeiras palavras entre 10 e 15 meses, atingem o marco de 50 palavras de vocabulário produtivo por volta dos 18 meses, e o de 100 palavras entre 20 e 21 meses. Depois disso, o desenvolvimento do vocabulário é tão rápido que se torna praticamente inviável rastrear quantas palavras as crianças conhecem. O vocabulário de uma criança de aproximadamente seis anos de idade foi estimado em 14 mil palavras.11

A tarefa de aprendizagem de palavras tem múltiplos componentes e recorre a múltiplos mecanismos.12 Os bebês utilizam procedimentos estatísticos de aprendizagem, monitorando a probabilidade de que os sons apareçam juntos e, dessa forma, segmentam o fluxo contínuo da fala em palavras separadas.13 A capacidade de armazenar essas sequências de sons da fala, conhecida como memória fonológica, entra em ação à medida que são criadas entradas no léxico mental. Na tarefa de mapear uma palavra nova em relação a seu referente, as crianças são guiadas por sua capacidade de utilizar mecanismos de inferência socialmente baseada (isto é, as crianças falantes falam sobre coisas para as quais estão olhando),15  pelo seu conhecimento de mundo (parte da aprendizagem de palavras envolveu o mapeamento de novas palavras em conceitos pré existentes)16 e por seu conhecimento linguístico anterior  (isto é, a estrutura da frase na qual uma nova palavra aparece dá pistas sobre o significado dessa  palavra).17 O domínio completo do significado das palavras pode exigir também novos desenvolvimentos conceituais.18   

Desenvolvimento morfossintático. Por volta dos 24 meses de idade, a criança começa a reunir duas, três ou mais palavras em frases curtas. As primeiras frases são combinações de palavras de conteúdo, e frequentemente não incluem palavras com função gramatical, por exemplo, artigos e preposições – nem terminações de palavras, por exemplo, marcadores de plural e de tempo. Gradualmente, à medida que domina a gramática de seu idioma, a criança se torna capaz de produzir enunciados cada vez mais extensos e gramaticais. De maneira geral, o desenvolvimento de períodos complexos, isto é, com várias orações começa um pouco antes do segundo aniversário, e está praticamente completo aos quatro anos de idade. Em geral, a compreensão precede a produção.4 

O mecanismo responsável pelo desenvolvimento da gramática é um dos temas mais ardorosamente debatidos no estudo do desenvolvimento da linguagem. Argumenta-se que as crianças enfrentam a tarefa de aprendizagem da linguagem já equipadas com o conhecimento inato da estrutura da linguagem, e que a linguagem não poderia ser adquirida de outra forma. No entanto, também é evidente que, mesmo na infância, as crianças são capazes de detectar padrões abstratos na fala que ouvem,19 e há evidências muito sólidas de que as crianças mais expostas à fala e que ouvem enunciados estruturalmente mais complexos adquirem a gramática mais rapidamente do que crianças com menos experiências,3, 20 –  o que sugere que a experiência linguística desempenha um papel substancial no desenvolvimento da linguagem.  

Lacunas da pesquisa

Neste campo, existe uma lacuna, ou desconexão, entre a busca teórica para explicar o fato universal da aquisição da linguagem e a necessidade prática de compreender as causas das diferenças individuais no desenvolvimento da linguagem. Em correspondência, há menos pesquisas sobre populações minoritárias e sobre desenvolvimento bilíngue que sobre a aquisição de um único idioma em amostras de classe média. Esta é uma grave lacuna, uma vez que a maioria dos instrumentos de avaliação padronizados não é adequada para identificar atrasos provocados por causas orgânicas em crianças pertencentes a minorias, em crianças de estratos socioeconômicos mais baixos ou naquelas que adquirem mais do que um idioma. 

Conclusões

O curso do desenvolvimento da linguagem é muito semelhante entre crianças, e mesmo entre os idiomas, o que sugere a existência de uma base biológica universal desta capacidade humana. No entanto, a taxa de desenvolvimento é muito variável, e depende tanto da quantidade e natureza das experiências linguísticas da criança quanto de suas capacidades de fazer uso dessas experiências.  

Implicações

Crianças com capacidades normais precisam apenas vivenciar interações conversacionais para adquirir a linguagem. No entanto, muitas crianças talvez não tenham experiências suficientes com esse tipo de interação para maximizar seu desenvolvimento de linguagem. Os pais devem ser encorajados a tratar seus filhos pequenos como parceiros de conversa desde os primeiros meses de vida. Educadores e formuladores de políticas devem reconhecer que as habilidades linguísticas das crianças não refletem apenas suas capacidades cognitivas, mas também as oportunidades de ouvir e usar a linguagem que seus ambientes lhes proporcionaram. 

Referências

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Para citar este artigo:

Hoff E. Desenvolvimento da linguagem nos primeiros anos de vida: mecanismos de aprendizagem e resultados do nascimento aos cinco anos de idade. Em: Tremblay RE, Boivin M, Peters RDeV, eds. Rvachew S, ed. tema. Enciclopédia sobre o Desenvolvimento na Primeira Infância [on-line]. https://www.enciclopedia-crianca.com/desenvolvimento-da-linguagem-e-alfabetizacao/segundo-especialistas/desenvolvimento-da-linguagem-nos. Publicado: Outubro 2009 (Inglês). Consultado em 5 de novembro de 2024.

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