Estresse pré-natal e desenvolvimento da prole em primatas não humanos


University of Wisconsin-Madison, EUA
(Inglês). Tradução: fevereiro de 2011

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Introdução

O estresse psicossocial durante a gravidez tem sido relacionado a resultados adversos no desenvolvimento da criança, tais como baixo peso ao nascer, gestação mais curta, redução da atenção e da habituação aos estímulos, e maior risco de Transtorno de Deficit de Atenção e Hiperatividade, esquizofrenia, dificuldades da fala e distúrbios em habilidades sociais.1-6 Estudos experimentais com primatas, em condições controladas em laboratório, forneceram a possibilidade de deduzir uma ligação entre estudos com roedores e estudos epidemiológicos com seres humanos.

Do que se trata

O aumento do estresse e da violência na vida cotidiana resulta em uma preocupação cada vez maior em relação aos efeitos do estresse materno sobre o desenvolvimento da criança. Essa inquietação manifesta-se principalmente em meio aos grupos economicamente menos favorecidos da sociedade, nos quais os indivíduos são mais expostos às pressões do cotidiano e a fatores estressantes mais graves, tais como problemas de moradia ou desemprego. Uma vez que as mulheres que sofrem de estresse têm maior tendência a fumar, consumir álcool e adotar outros comportamentos ligados ao estresse, é frequente a ocorrência de uma combinação de eventos negativos, que podem compor os efeitos adversos sobre o desenvolvimento.

Problemas

Em estudos sobre seres humanos, é difícil estabelecer uma relação causal entre o estresse pré-natal e as consequências para o desenvolvimento, devido ao viés de seleção e a possíveis variáveis desorientadoras. Ainda que sejam aplicadas as correções estatísticas, é impossível certificar-se de que as variáveis mais importantes foram eliminadas, ou de que o método de ajustamento de fato removeu as variáveis. Nos estudos sobre primatas, é possível utilizar experimentos aleatórios, inferindo conexões causais entre o estresse pré-natal e o comportamento e o desenvolvimento da prole.

Pesquisas sobre primatas não humanos são um excelente modelo para o estudo do estresse pré-natal, uma vez que a estrutura do cérebro e os processos biológicos nas reações de estresse são similares entre primatas não humanos e seres humanos. Outros fatores incluem a riqueza da organização social dos primatas não humanos e suas habilidades cognitivas complexas; a possibilidade de isolar o estresse pré-natal de outros fatores e empregar um tratamento padrão para o estresse; e a capacidade de analisar uma eventual base biológica.7-9 Os inconvenientes dos estudos sobre os primatas não humanos decorrem da necessidade de utilizar amostras pequenas, do alto custo em comparação com estudos sobre roedores, e da necessidade de generalização para aplicar as conclusões aos seres humanos. Apesar disso, as diferenças inferenciais são menores entre seres humanos e primatas não humanos do que entre seres humanos e roedores.

Contexto de pesquisa

Eventos estressantes estimulam a liberação de hormônios do estresse, que podem atravessar a placenta do primata (pelo menos em pequena quantidade) e influenciar o desenvolvimento fetal. Estudos com roedores e com primatas não humanos revelaram que tanto a injeção de barreiras com o hormônio do estresse (hormônio liberador de corticotropina – CRH) como a injeção de hormônio adrenocorticotrópico (ACTH) em fêmeas reso (rhesus) grávidas provocavam na prole efeitos similares àqueles observados na prole que havia sofrido estresse pré-natal.10,11

Questões-chave de pesquisa

Durante nossa pesquisa, recorremos diariamente ao uso do som de três explosões curtas (som de 15dB a um metro, 1300Hz) como fator estressante pré-natal, para responder às seguintes questões:

  1. O estresse psicológico cotidiano e imprevisível durante a gravidez tem efeito adverso sobre o peso ao nascer, a duração da gestação, o comportamento neuronal neonatal e/ou sobre a reatividade ao estresse?
  2. Existe um período ou um momento sensível em que a vulnerabilidade aos efeitos do estresse pré-natal é maior?
  3. Os hormônios maternos do estresse são uma parte importante do mecanismo dos efeitos do estresse pré-natal sobre a prole?
  4. O estresse pré-natal interage com outros eventos potencialmente negativos, tais como a exposição fetal ao álcool?
  5. Existe continuidade entre os efeitos observados na primeira infância e as funções cognitivas no futuro?

Resultados de pesquisas recentes

  1. O estresse pré-natal reduziu significativamente o peso ao nascer, mas não afetou a duração da gestação; no entanto, o peso ao nascer de toda a prole encontrava-se em uma faixa considerada normal para macacos reso (rhesus).12 O estresse pré-natal também foi associado a um perfil neurocomportamental que inclui redução da atenção neonatal, da maturidade motora e da atividade motora.13-15,10 Quando expostos a eventos estressantes, macacos que sofreram estresse pré-natal apresentaram comportamento mais agitado e níveis mais altos de hormônios do estresse do que   macacos do grupo de controle.16-18,12
  2. Os efeitos do estresse pré-natal sobre o peso ao nascer e o comportamento neuronal      parecem atingir um pico no começo da gestação e diminuir progressivamente entre o meio e o fim da gestação.14
  3. A ativação endócrina da mãe foi apontada como um dos mecanismos subjacentes dos efeitos, uma vez que a administração de hormônio adrenocorticotrópico ou hormônio da pituitária (ACTH) a fêmeas grávidas resultou em efeitos similares àqueles observados nos macacos que sofreram estresse pré-natal.10

  4. Os efeitos mais negativos sobre o peso ao nascer e sobre o comportamento foram observados quando ocorreu uma combinação de estresse pré-natal e exposição fetal ao álcool; constatou-se também alteração da inervação dopaminérgica no corpo estriado, em comparação com o grupo de controle.19-21

  5. Observou-se uma associação significativa entre atenção neonatal reduzida e deficits de aprendizagem na adolescência no protocolo NMSa,  o que demonstra certa continuidade entre deficits na primeira infância e resultados futuros.20

Conclusões

Os estudos sobre primatas não humanos, conduzidos em condições de laboratório cuidadosamente controladas, são um elo importante entre a pesquisa sobre roedores e os estudos sobre seres humanos. Os estudos sobre primatas indicam que o estresse pré-natal induz baixo peso ao nascer, redução da atenção e da maturidade motora, lentidão na aprendizagem e prejuízos na regulação das emoções na prole. O começo da gestação parece ser o período mais vulnerável, ainda que os efeitos do estresse crônico também sejam observados no período entre o meio e o fim da gestação. São necessárias mais pesquisas para estudar a gravidade do estresse, o estresse crônico versus episódios isolados de estresse, o momento em que surgem os eventos estressantes e os efeitos da acumulação de eventos negativos. Nos seres humanos, as estratégias para lidar com o estresse são importantes para a diminuição do seu impacto, e essas não podem ser estudadas nos animais. A pesquisa atual apoia a conclusão experimental de que existe uma relação causal entre o estresse pré-natal e os resultados no desenvolvimento dos seres humanos e dos primatas não humanos.

Implicações

Visto que o desenvolvimento é o resultado de um processo complexo que envolve a interação de fatores biológicos e ambientais,22 parece sensato adicionar o estresse pré-natal à lista dos fatores de risco que podem ter impacto adverso sobre o desenvolvimento, principalmente quando combinado a outros fatores de risco. Questões relevantes para políticas públicas nessa área de pesquisa incluem a identificação e a redução dos fatores de risco existentes e a melhoria dos fatores de proteção disponíveis para mulheres grávidas. O público deve ser informado sobre os fatores de risco durante a gravidez, inclusive o estresse pré-natal e a acumulação de eventos negativos. A capacitação profissional dos prestadores de serviço de saúde deve incluir informações pertinentes sobre fatores de risco tais como o estresse e seus possíveis efeitos sobre a prole.

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Nota

aNT: Protocolo NMS: protocolo nonmatch-to-sample de testagem animal de reconhecimento de objeto.

Para citar este artigo:

Schneider ML, Moore CF. Estresse pré-natal e desenvolvimento da prole em primatas não humanos. Em: Tremblay RE, Boivin M, Peters RDeV, eds. Glover V, ed. tema. Enciclopédia sobre o Desenvolvimento na Primeira Infância [on-line]. https://www.enciclopedia-crianca.com/estresse-e-gravidez-pre-natal-e-perinatal/segundo-especialistas/estresse-pre-natal-e-desenvolvimento. Publicado: Abril 2003 (Inglês). Consultado em 28 de março de 2024.

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