Réplica ao artigo “Estresse pré-natal e perinatal e seu impacto sobre o desenvolvimento psicossocial da criança”, da Dra. Janet DiPietro


Institute of Reproductive and Developmental Biology, Imperial College, London, Reino Unido
(Inglês). Tradução: fevereiro de 2011

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Introdução

A pesquisa pioneira de Janet DiPietro mostrou claramente a relação direta entre o estado emocional da mãe e o comportamento do feto,1 e sobre a continuidade do comportamento do período fetal à infância.2 Essas constatações tornam plausível a idéia de que o estado emocional da mãe durante a gravidez pode ter efeitos de longo prazo no comportamento dos filhos.

Pesquisa e conclusões

Como expõe a Dra. DiPietro, estresse e ansiedade são conceitos complexos; presumivelmente, apresentam correspondências fisiológicas diferentes, mas que se sobrepõem. Tais observações complicam a pesquisa, uma vez que a maioria dos estudos nessa área utiliza medidas psicológicas diferentes.

Concordo com a avaliação geral da autora sobre a pesquisa atual. Os modelos animais fornecem evidências sólidas de que o estresse pré-natal pode ter efeitos no longo prazo sobre o comportamento da prole;3,4  a pesquisa sobre seres humanos levanta também fortes indícios de que o estresse e a ansiedade no período pré-natal constituem um fator de risco de parto prematuro e de redução do crescimento fetal;5-8 e embora limitados, há indícios  de efeitos diretos e de longo prazo sobre o comportamento dos seres humanos.9 Estamos apenas começando a compreender alguns dos mecanismos fisiológicos que podem mediar esses efeitos.10,11

Outras fontes possíveis e importantes de estresse perinatal também podem ter efeitos no longo prazo sobre o desenvolvimento psicossocial da criança. Em primeiro lugar, o trabalho de parto causa um aumento considerável dos hormônios do estresse no feto, e os diferentes métodos de parto têm diferentes efeitos sobre os bebês.12

Os estudos sobre os animais demonstram que os diferentes métodos de parto causam diferenças na química cerebral no longo prazo – por exemplo, nos receptores glucocorticoides e dopaminérgicos – que provavelmente afetam o comportamento da prole.13,14 Em segundo lugar, sabe-se que recém-nascidos mantidos em unidades de cuidados especiais podem apresentar níveis muito altos de hormônios do estresse, o que também pode ser nocivo no longo prazo. No entanto, no caso dos seres humanos, ainda não há provas de que um ou outro desses fatores tenha influência sobre o desenvolvimento psicossocial  da criança.

Implicações para políticas e serviços

Minha opinião difere da opinião da Dra. DiPietro no que diz respeito às implicações desses achados. Referindo-se aos efeitos de uma gestação mais curta e de baixo peso ao nascer, Dra. DiPietro escreve que “as medidas não são suficientemente sólidas para prognosticar consequências sérias para o desenvolvimento”. No entanto, tais efeitos nem sempre são desprezíveis em uma determinada população. Lou et al. mostraram que eventos que levam a estresse psicológico grave contribuíram em 11 % dos casos graves de prematuridade (menos de 34 semanas de gestação).5 Bebês nascidos tão prematuramente têm altos níveis de deficiência no desenvolvimento neuronal. No Reino Unido, essa porcentagem corresponderia a cerca de 1.500 nascimentos por ano. Os efeitos da ansiedade ou do estresse pré-natal sobre o peso no momento do nascimento podem ser comparados aos efeitos do consumo de tabaco, que ocasiona uma diminuição de 160g,6 em média. Barker e seus colegas demonstraram que, de modo geral, o baixo peso ao nascer aumenta o risco de doenças cardiovasculares no futuro.15 Ainda que fosse baixa, a proporção de doenças cardíacas que podem ser atribuídas aos efeitos do estresse pré-natal sobre o crescimento do feto seria significativa em termos absolutos.

Quanto aos efeitos diretos sobre os problemas de comportamento subsequentes, o estudo de O’Connor et al.9 sugere que o risco de um menino apresentar sinais de Transtorno de Deficit de Atenção e Hiperatividade é duas vezes maior quando, no final da gravidez, o nível de ansiedade da mãe está no topo da escala (entre os 15% mais altos). Sendo assim, se for possível reduzir a contribuição da ansiedade materna no período pré-natal para esse problema comportamental, haverá um efeito significativo sobre a incidência desse tipo de distúrbio.

Uma parte considerável das dificuldades psicossociais da criança pode ser atribuída aos genes, sendo, portanto, dificilmente modificável. E uma vez estabelecidos, tanto os problemas comportamentais da criança como os efeitos da prematuridade no longo prazo são difíceis de modificar. Mas é possível intervir durante a gravidez para reduzir o estresse e a ansiedade da mãe, o que pode contribuir para a prevenção de problemas.

É claro que ainda não há provas suficientes para afirmar se situações de estresse ou de ansiedade da mãe durante a gravidez afetam o desenvolvimento psicossocial da prole no longo prazo, e em que momento isso ocorre. No entanto, neste momento a prudência científica é inadequada em contextos clínicos. A ausência de certezas não deve nos impedir de formular um julgamento esclarecido, e correr o risco do equívoco (com bases lógicas) para reduzir os danos, na medida do possível. Para decisões de políticas sociais, nossa abordagem deve ser diferente daquela adotada pela ciência básica.

Aguardar até que haja provas concludentes pode levar a problemas futuros desnecessários. Do meu ponto de vista, as provas fornecidas pelas experiências com animais, os dados sobre parto prematuro e restrições no crescimento nos seres humanos, bem como as evidências dos efeitos diretos do estresse pré-natal sobre o comportamento da criança, constituem bases suficientes para a recomendação de novas políticas.

Sugiro que alguma categoria dos profissionais da saúde seja encarregada de monitorar a saúde mental das mulheres ao longo da gravidez (a forma como esse acompanhamento ocorreria seria diferente segundo o país). Devem ser implementadas intervenções para reduzir o estresse, a ansiedade ou a depressão, reconhecendo-se a necessidade de um número muito maior de pesquisas para avaliar sua eficácia. Sabemos que a depressão pré-natal é o principal fator de risco para a depressão pós-natal,16 e que a  depressão pós-natal está ligada a resultados psicossociais adversos para as crianças. Reduzir os fatores de risco para a depressão já acarretaria um grande benefício. Mesmo que não se saiba exatamente em que momento os efeitos interferem, há indícios de que no terceiro trimestre a ansiedade tem um papel importante no que diz respeito ao parto prematuro e a problemas comportamentais da criança. Sendo assim, até mesmo uma intervenção no final da gravidez pode ser eficaz.

O trabalho durante a gravidez é uma questão pessoal, e é improvável que uma solução única seja adequada para todas as mulheres. Algumas delas gostam de seu trabalho, e podem considerar mais estressante ficar em casa. Homer et al.17 demonstraram que o esforço físico está fortemente associado ao parto prematuro, mas uma carga de trabalho intelectual não tem o mesmo efeito. Por outro lado, as mulheres que continuam a trabalhar contra sua vontade multiplicam em oito vezes os riscos de um parto prematuro. Devem ser elaboradas políticas e leis para permitir às mulheres a livre escolha de quando e como trabalhar durante a gravidez.

Referências

  1. DiPietro JA, Hodgson DM, Costigan KA, Hilton SC, Johnson TRB. Development of fetal movement-fetal heart rate coupling from 20 weeks through term. Early Human Development 1996;44(2):139-151.
  2. DiPietro JA, Hodgson DM, Costigan KA, Johnson TRB. Fetal antecedents of infant temperament. Child Development 1996;67(5):2568-2583.
  3. Wienstock M. Effects of maternal stress on development and behaviour in rat offspring. Stress 2001;4:157-167.
  4. Schneider ML, Moore CF, Roberts AD, Dejesus O. Prenatal stress alters early neurobehavior, stress reactivity and learning in non-human primates: a brief review. Stress 2001;4:183-193.
  5. Lou HC, Nordentoft M, Jensen F, Pryds O, Nim J, Hemmingsen R. Psychosocial stress and severe prematurity. Lancet 1992;340(8810):54.
  6. Lou HC, Hansen D, Nordentoft M, Pyrds O, Jensenn F, Nim J,  Hemmingsen R. Prenatal stressors of human life affect fetal brain development. Developmental Medicine and Child Neurology 1994;36(9):826-832.
  7. Hedegaard M, Henriksen TB, Sabroe S, Secher NJ. Psychological distress in pregnancy and preterm delivery. BMJ–British Medical Journal 1993;307(6898):234-239.
  8. Copper RL, Goldenber RL, Das A, Elder N, Swain M, Norman G, Ramsey R, Cotroneo P, Collins BA, Johnson F, Jones P, Meier AM. The preterm prediction study: maternal stress is associated with spontaneous preterm birth at less than thirty-five weeks’ gestation. American Journal of Obstetrics and Gynecology 1996;175(5):1286-1292.
  9. O’Connor TG, Heron J, Golding J, Beveridge M, Glover V. Maternal antenatal anxiety and children’s behavioural/emotional problems at 4 years.  British Journal of  Psychiatry 2002;180(6):502-508.
  10. Gitau R, Cameron A, Fisk NM, Glover V. Fetal exposure to maternal cortisol. Lancet 1998;352(9129):707-708.
  11. Teixeira JMA, Fisk NM, Glover V. Association between maternal anxiety in pregnancy and increased uterine artery resistance index: cohort based study. BMJ–British Medical Journal 1999;318(7177):153-157.
  12. Gitau R, Menson E, Pickles V, Fisk NM, Glover V, MacLachlan N. Umbelical cortisol levels as an indicator of the fetal stress response to assisted vaginal delivery. European Journal of Obstetrics Gynecology and Reproductive Biology 2001;98(1):14-17.
  13. Boksa P, Krishnamurthy A, Sharma S. Hippocampal and hypothalamic type 1 corticosteroid receptor affinities are reduced in adult rats born by a caesarean section procedure with or without an added period of anoxia. Neuroendocrinology 1996;64(1):25-34.
  14. El-Khodor B, Boksa P. Caesarean section birth produces long term changes in dopamine D1 receptors and in stress-induced regulation of D3 and D4 receptors in the rat brain. Neuropsychopharmacology 2001;25(3):423-39.
  15. Barker DJ. The Wellcome Foundation Lecture, 1994. The fetal origins of adult disease. Proceedings of the Royal Society of London - Series B: Biological Sciences 1995;262(1363):37-43.
  16. Evans J, Heron J, Francomb H, Oke S, Golding O. Cohort study of depressed mood during pregnancy and after childbirth. BMJ–British Medical Journal 2001;323(7307):257-260.
  17. Homer CJ, James SA, Siegal E. Work-related psychosocial stress and risk of preterm, low birthweight delivery. American Journal of Public Health 1990;80(2):173-177.

Para citar este artigo:

Glover V. Réplica ao artigo “Estresse pré-natal e perinatal e seu impacto sobre o desenvolvimento psicossocial da criança”, da Dra. Janet DiPietro. Em: Tremblay RE, Boivin M, Peters RDeV, eds. Glover V, ed. tema. Enciclopédia sobre o Desenvolvimento na Primeira Infância [on-line]. https://www.enciclopedia-crianca.com/estresse-e-gravidez-pre-natal-e-perinatal/segundo-especialistas/replica-ao-artigo-estresse-pre-natal. Publicado: Junho 2002 (Inglês). Consultado em 25 de abril de 2024.

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