Papel protetor das Habilidades das Funções Executivas em Ambientes de Alto Risco
Amanda J. Wenzel, BA Megan R. Gunnar, PhD
University of Minnesota, EUA
Introdução
Recentemente, o campo de resiliência começou a focar o papel protetor das funções executivas no sucesso escolar de crianças que enfrentam adversidades. A função executiva, também denominada controle cognitivo, descreve as habilidades que visam controlar o comportamento, o pensamento e as emoções.1 Essas habilidades podem ser observadas na capacidade de reter informações na memória de trabalho, manter ou alternar a atenção, inibir respostas automáticas para executar uma ação para a qual foram recebidas instruções ou com um objetivo específico, ou postergar gratificação.
As habilidades da FE se desenvolvem rapidamente no período pré-escolar2 e são consideradas como sendo uma base para a aptidão cognitiva e comportamental na escola.3 Na sala de aula, as habilidades das funções executivas podem se manifestar como a capacidade de prestar atenção, de seguir instruções, esperar a vez, e lembrar-se das regras. Essas habilidades têm demonstrado ser especialmente importantes para as crianças expostas ao stress nos primeiros anos de vida, e pesquisas recentes sugerem que as habilidades das funções executivas são mais preditivas da resiliência na escola e da interação entre pares do que o nível de inteligência.4,5,6,7
Embora estas habilidades sirvam de proteção para crianças em situação de alto risco, o desenvolvimento das habilidades das funções executivas pode ser prejudicado pela exposição ao trauma e ao stress crônico.8 Crianças oriundas de distintos contextos adversos (por exemplo, famílias sem-teto/com alta mobilidade, pobreza, institucionalismo precoce, maus-tratos, etc.) tendem a ter déficits da função executiva.6,7,9,10,11 Em conjunto, estes resultados sugerem a necessidade de reduzir a exposição ao stress crônico e de buscar desenvolver habilidades das funções executivas através da intervenção e de esforços de prevenção com as crianças.
Assunto
Jovens em situação de alto risco com habilidades das funções executivas mais desenvolvidas demostram melhores prontidão e desempenho cognitivo e comportamental na escola.3,12 Aparentemente, essas habilidades permitem que as crianças lidem melhor com seu ambiente em constante mudança,9,13 o que pode ser especialmente importante para crianças em desenvolvimento em ambientes caóticos.
No entanto, pesquisas recentes têm demostrado que as crianças expostas a altos níveis de adversidade podem estar menos preparadas para obter sucesso na escola, em parte devido aos déficits nas habilidades da função executiva.6,7,9,10,11 Esses déficits podem minar as habilidades das crianças para conseguir ser bem sucedidas em termos acadêmicos e desenvolver relacionamentos positivos com os pares e professores.12,14,15 Isso pode ter implicações de longo prazo para o sucesso escolar, visto que a diferença de desempenho tende a persistir e até mesmo ampliar-se ao longo dos anos de vida escolar.16,17
Considerando as evidências de que as habilidades das funções executivas podem ser modificadas através de intervenções, e que crianças que haviam demonstrado um desempenho inicial deficiente alcançaram melhores resultados,18 os esforços recentes para melhorar a transição para a vida escolar de crianças em situação de alto risco têm se focado em construir habilidades das funções executivas antes do jardim de infância.4,19. Além disso, as pesquisas sugerem que as habilidades das funções executivas podem ser influenciadas por intervenções ao longo dos anos escolares.18
Problemas
Estudar o papel protetor da função executiva apresenta vários desafios. Em primeiro lugar, há poucos meios capazes de captar plenamente as habilidades das funções executivas das crianças que apresentam atraso no desenvolvimento dessas habilidades. Visto que a exposição ao stress crônico nos primeiros anos de vida tem sido associada ao comprometimento das habilidades da função executiva em algumas crianças,8 é fundamental ser capaz de medir uma vasta gama de funcionamentos para capturar integralmente a variação dessas habilidades.
As atuais intervenções para melhorar as habilidades das funções executivas empregam diversos métodos, incluindo treinamento, currículo da sala de aula, ou atividade física.18 Embora esses programas sugiram que as habilidades das funções executivas sejam flexíveis, eles também demostram um sucesso diversificado na melhoria das habilidades.20,21,22,23,24 Os programas que utilizam treinamento de base computacional dão esperanças de melhorar as habilidades das funções executivas, no entanto, as melhorias são específicas do domínio treinado (por exemplo, memória de trabalho) e não parecem se expandir para outras áreas mais gerais da função executiva.18
Outros programas destinados a aumentar as habilidades das funções executivas integram atividades da função executiva ao cotidiano das crianças, tais como o programa pré-escolar Tools of the Mind.25 Com esse programa, as crianças são incentivadas a utilizar a fala privada ou lembretes visuais (por exemplo, um desenho de uma orelha, para lembrá-los que elas precisam ouvir ou prestar atenção) para desenvolver habilidades de controle inibitório. Os resultados iniciais sugeriram que as crianças dessas salas de aula desenvolvem melhor as habilidades da função executiva.26 No entanto, estudos recentes não conseguiram replicar essas constatações,27 sugerindo possíveis desafios com o programa ou com a fidelidade de implementação.
Principais Questões de Pesquisa
Estudos de desenvolvimento concebidos para entender o papel protetor da função executiva, muitas vezes, abordam as seguintes questões:
Qual é o mecanismo através do qual a função executiva prepara as crianças para o sucesso escolar?
O que ajuda a promover as habilidades das funções executivas em crianças mais jovens que apresentam defasagens?
O que ajuda a proteger essas habilidades do stress crônico?
Resultados Recentes de Pesquisas
As pesquisas, de forma consistente, indicam que as crianças com habilidades das funções executivas mais desenvolvidas antes de entrarem para o jardim de infância apresentam um melhor desempenho escolar.6,7 Para o desempenho acadêmico, essas habilidades podem servir de trampolim para o sucesso relacionado à linguagem e à matemática.12 De fato, em uma amostra de crianças de famílias de baixa renda, os pesquisadores descobriram que as habilidades das funções executivas anteriores ao jardim de infância são prognosticadoras de maior crescimento das habilidades matemáticas e de alfabetização em todo o jardim de infância.12 Uma transição bem sucedida para a escola pode ser particularmente crítica para as crianças que tenham enfrentado altos níveis de adversidade, e que podem estar em risco de apresentar um desempenho escolar mais baixo.
Além de fornecer uma base cognitiva para o aprendizado, as habilidades das funções executivas também podem dar suporte ao sucesso acadêmico através da promoção do comportamento adequado na sala de aula.3 Muitos professores do jardim de infância relatam que é mais importante que as crianças saibam se controlar na sala de aula, seguir instruções e não provocar tumultos do que conhecer o alfabeto ou saber contar até 20.3 Isso sugere que os professores podem achar que as crianças com melhores habilidades das funções executivas são mais fáceis de ser ensinadas do que as crianças mais distraídas e mais propensas a tumultuar.3
Além disso, as habilidades das funções executivas podem promover o desenvolvimento de relacionamentos positivos com o professor e seus pares.28 Os estudos sugerem que há uma sobreposição entre o desenvolvimento da função executiva e a Teoria da Mente (em inglês, ToM), que é a capacidade de identificar que os desejos e conhecimentos dos outros são diferentes dos nossos. Essas habilidades estão associadas a níveis mais baixos de agressão, melhor habilidades de resolução de problemas e habilidades sociais positivas.29,30 Além disso, a capacidade de adiar a gratificação pode estar vinculada à capacidade das crianças para regular a frustração e o stress.31,32
Lacunas da Pesquisa
Atualmente, há poucas pesquisas sobre a eficácia das intervenções para aumentar as habilidades das funções executivas em crianças em situações de alto risco. Ao desenvolver intervenções para essas crianças, pode ser fundamental considerar que as crianças oriundas de contextos adversos variados podem, de forma consistente, apresentar deficiências na função executiva.6,7,9,10,11 No entanto, é importante lembrar que as necessidades de intervenção e as respostas das crianças com diferentes experiências podem variar. Para as crianças que, atualmente, estão sujeitas ao stress crônico (por exemplo, de famílias sem-teto/com alta mobilidade), não está claro se é viável se concentrar nas habilidades da função executiva antes de reduzir o stress e desenvolver habilidades de enfrentamento. É necessário haver mais pesquisas para saber qual é a melhor forma de adaptar as intervenções para considerar as necessidades das crianças com diferentes experiências.
Conclusões
Consistentemente, há estudos que sugerem que a exposição ao trauma ou ao stress crônico nos primeiros anos de vida pode prejudicar o desenvolvimento das habilidades da função executiva.6,7,9,10,11 Essas habilidades parecem fornecer a base para a preparação para a vida escolar através da cognição e do comportamento.3,12 As crianças com melhores habilidades das funções executivas podem ser mais fáceis de ser ensinadas.3 De fato, em uma amostra com crianças em situação de alto risco, as crianças com melhores habilidades das funções executivas no início do jardim de infância demostraram melhores resultados em relação à alfabetização e números do que as crianças com habilidades iniciais mais deficientes.12 Considerando que há evidências de que a defasagem de desempenho persiste e pode até mesmo se ampliar ao longo dos anos escolares,16,17 é fundamental que as crianças em situação de alto risco comecem sua vida escolar com o maior índice de sucesso possível.
Por esta razão, tem sido dada uma atenção crescente às intervenções que promovam a função executiva. Embora haja evidências de que a função executiva é flexível,18,33 há poucas intervenções que tenham tentado promover as habilidades em crianças que apresentam níveis de stress tóxico. Os esforços para elaborar intervenções que promovam a função executiva nessas crianças podem precisar abordar a exposição aos níveis de stress existente e, simultaneamente, trabalhar para reduzi-lo para obter o máximo benefício.
Implicações para os Pais, Serviços e Plano de Ação
As pesquisas realizadas até hoje mostram a importância das habilidades das funções executivas para o sucesso escolar, especialmente para crianças que vivem em ambientes de alto risco. Os programas destinados a estimular a função executiva têm apresentado êxito em múltiplos níveis, incluindo o currículo escolar, treinamento baseado em computador, e até mesmo atividades físicas, como artes marciais.18,33,34 Como no treinamento baseado em computador, os pais podem ser capazes de promover essas habilidades com jogos que exijam mudanças na conversação/direção, habilidades de atenção e memória. Além disso, o tratamento sensível das crianças pode promover essas habilidades, protegendo-as em algum grau do caos por qual elas estão passando.35
As habilidades das funções executivas também foram focadas com sucesso através do currículo escolar na pré-escola26 e do programa escolar Head Start.4,34 Evidências experimentais sugerem que os programas para a primeira infância, como o Head Start, podem conseguir construir com sucesso habilidades das funções executivas, fornecendo mais suporte de auto-regulação na sala de aula (por exemplo, implementando regras e rotinas claras, redirecionando ou recompensando o comportamento das crianças).34 A atenção crescente às habilidades das funções executivas nos programas da primeira infância pode reduzir a defasagem de desempenho aparente antes do início da vida escolar e que persiste ao longo dos anos escolares.
Referências
- Best JR, 1. Miyake A, Friedman NP, Emerson MJ, Witzki AH, Howerter A, Wager T. The unity and diversity of executive functions and their contributions to complex “frontal lobe” tasks: A latent variable analysis. Cognitive Psychol. 2000;41:49-100.
- Zelazo PD, Anderson JE, Richler J, Wallner-Allen K, Beaumont JL, Weintraub S. NIH toolbox cognitive function battery (CFB): Measuring executive function and attention. Monogr Soc Res Child. In press.
- Blair C. School readiness: Integrating cognition and emotion in a neurobiological conceptualization of children’s functioning at school entry. Am Psychol. 2002;57:111-127.
- Bierman KL, Nix RL, Greenberg MT, Blair C, Domitrovich CE. Executive functions and school readiness intervention: Impact, moderation, and mediation in the Head Start REDI program. Developmental Psychopathol. 2008;20:821-843.
- Bierman KL, Domitrovich CE, Nix RL, et al. (2008). Promoting academic and social-emotional school readiness: The Head Start REDI program. Child Dev. 2008;79:1802-1817.
- Masten AS, Herbers JE, Desjardins CD, et al. Executive function skills and school success in young children experiencing homelessness. Educational Res. 2012;41:375-384.
- Obradovic J. Effortful control and adaptive functioning of homeless children: Variable-focused and person-focused analyses. J App Dev Psychol. 2010;31:109-117.
- Pechtel P, Pizzagalli DA. Effects of early life stress on cognitive and affective function: An integrated review of human literature. Psychopharmacology(Berl). 2011;214:55-70.
- DePrince AP, Weinzierl KM, Combs MD. Executive function performance and trauma exposure in a community sample of children. Child Abuse Neglect. 2009;33:353-361.
- Loman MM, Johnson AE, Westerlund A, et al. The effect of early deprivation on executive attention in middle childhood. J Child Psychol Psyc.2012;54:37-45.
- Pears KC, Fisher PA, Bruce J, Kim HK, Yoerger K. Early elementary school adjustment of maltreated children in foster care: The role of inhibitory control and caregiver involvement. Child Dev. 2010;81:1550-1564.
- Welsh JA, Nix RL, Blair C, Bierman KL, Nelson, KE. The development of cognitive skills and gains in academic school readiness for children from low-income families. J Educ Psychol. 2010;102:43-53.
- Willcutt, EG, Brodsky K, Chhabildas N, et al. The neuropsychology of ADHD: Validity of the executive function hypothesis. In: Gozal D, Molfese DL, eds. Attention deficit hyperactivity disorder: From genes to patients. 3rd ed. Totowa, NJ: Humana Press;205:185-213.
- Liew, J. Effortful control, executive functions, and education: Bringing self-regulatory and social-emotional competences to the table. Child Dev Perspect. 2011;6:105-111.
- McClelland MM, Cameron CE, Connor CM, Farris CL, Jewkes AM, Morrison FJ. Links between behavioral regulation and preschoolers’ literacy, vocabulary, and math skills. Dev Psychol. 2007;43:947–959.
- Cutuli JJ, Desjardins CD, Herbers JE, et al. Academic achievement trajectories of homeless and highly mobile students: Resilience in the context of chronic and acute risk.Child Dev. In press.
- Herbers JE, Cutuli JJ, Supkoff LM, et al. Early reading skills and academic achievement trajectories of students facing poverty, homelessness, and high residential mobility. Educational Res. 2012;41:366-365.
- Diamond A, Lee K. Intervention shown to aid executive function development in children 4-12 years old. Science. 2011;333:959-964.
- Blair C, Razza RP. Relating effortful control, executive function, and false belief understanding to emerging math and literacy ability in kindergarten. Child Dev. 2007;78:647-663.
- Holmes J, Gathercole SE, Dunning DL. Adaptive training leads to sustained enhancement of poor working memory in children. Developmental Sci. 2009;12:F9-F15.
- Holmes J, Gathercole SE, Place M, Dunning DL, Hilton KA, Elliott JG. Appl Cognitive Psych. 2010;24:827-836.
- Klingberg T, Fernell E, Olesen P, et al. Computerized training of working memory in children with ADHD- a randomized, controlled trial. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 2005;44:177-186.
- Bergman-Nutley S, Söderqvist S, Bryde S, Thorell LB, Humphreys K, Klingberg T. Gains in fluid intelligence after training non-verbal reasoning in 4-year-old children: a controlled randomized study. Dev Sci. 2011;14:591-601.
- Thorell LB, Lindqvist S, Bergman-Nutley S, Bohlin G, Klingberg T. Training and transfer effects of executive functions in preschool children. Dev Sci. 2009;12:106-113.
- Bodrova E, Leong DJ. Tools of the Mind: The Vygotskian approach to early childhood education. ed. 2. New York: Merrill/Prentice Hall; 2007.
- Diamond A, Barnett WS, Thomas J, Munro S. Preschool program improves cognitive control. Science. 2007;318:1387-1388.
- Wilson SJ, Farran DC. Experimental evaluation of the Tools of the Mind preschool curriculum. Paper presented at the Society for Research on Educational Effectiveness; March 2012; Washington, DC.
- Riggs NR, Jahromi LB, Razza RP, Dillworth-Bart JE, Mueller U. J Appl Dev Psychol. 2006;27:300-309.
- Capage L, Watson AC. Individual differences in theory of mind, aggressive behavior, and social skills in young children. Early Educ Dev. 2001;12:613–628.
- Jenkins JM, Astington JW. Theory of mind and social behavior: Causal model tested in a longitudinal study. Merrill Palmer Quart. 2000;46:203-220.
- Mischel W, Shoda Y, Rodriguez ML. Delay of gratification in children. Science. 1989;244:933-938.
- Sethi A, Mischel W, Aber JL, Shoda Y, Rodriguez, ML. The role of strategic attention deployment in development of self- regulation: Predicting preschoolers' delay of gratification from mother – toddler interactions. Dev Psychol. 2000;36:767–777.
- Zelazo PD, Carlson SM. Hot and cool executive function in childhood and adolescence: Development and plasticity. Child Dev Perspect. 2012;6:354-360.
- Raver CC, Jones SM, Li-Grining C, Zhai F, Bub K, Pressler E. CSRPs impact on low-income preschoolers’ preacademic skills: Self-regulation as a mediating mechanism. Child Dev. 2011;82:362-378.
- Lewis-Morrarty E, Dozier M, Bernard K, Terraciano SM, Moore SV. Cognitive flexibility and theory of mind outcomes among foster children: Preschool follow-up results of a randomized clinical trial.J Adolescent Health. 2012;51:S17-S22.
Para citar este artigo:
Wenzel AJ, Gunnar MR. Papel protetor das Habilidades das Funções Executivas em Ambientes de Alto Risco. Em: Tremblay RE, Boivin M, Peters RDeV, eds. Morton JB, ed. tema. Enciclopédia sobre o Desenvolvimento na Primeira Infância [on-line]. https://www.enciclopedia-crianca.com/funcoes-executivas/segundo-especialistas/papel-protetor-das-habilidades-das-funcoes-executivas-em. Publicado: Abril 2013 (Inglês). Consultado em 4 de outubro de 2024.
Texto copiado para a área de transferência ✓