Atitudes e convicções dos pais: impacto sobre o desenvolvimento da criança


University of Toronto, Canadá
(Inglês). Tradução: dezembro 2011

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Introdução

O que leva os pais a criar seus filhos de determinada maneira, e não de outra? Uma resposta óbvia é que estão repetindo as práticas parentais de seus próprios pais, tendo aprendido a cuidar de seus filhos à medida que seus pais cuidavam deles. Outra resposta é que seu comportamento reflete informações que obtiveram sobre a natureza de práticas parentais adequadas, amplamente disponíveis em livros, revistas, sites, orientações formais e informais e assim por diante. Outro indutor importante de seu comportamento, que é o tema deste artigo, diz respeito a atitudes, convicções, pensamentos e sentimentos ativados por meio de práticas parentais. Com frequência, essas práticas têm impacto poderoso sobre o comportamento, ainda que esse impacto provoque desgaste nos pais, ou que os pais não tenham consciência dele. Para pesquisadores do desenvolvimento infantil, as atitudes ligadas à prática parental, as cognições e as emoções dela resultantes (tais como alegria ou raiva) são de grande interesse, uma vez que orientam o comportamento em práticas parentais, que, por sua vez, têm impacto no desenvolvimento socioemocional e cognitivo da criança.

Do que se trata

As atitudes presentes na criação dos filhos são cognições que predispõem um indivíduo a agir positiva ou negativamente em relação à criança. São considerados bons preditores do comportamento na prática parental, porque revelam o clima emocional em que as crianças e os pais operam e, portanto, a qualidade de seu relacionamento. As atitudes mais frequentemente consideradas relacionam-se ao grau de afetuosidade e aceitação ou frieza e rejeição que existe no relacionamento pais-filho, e também ao grau de permissividade ou restrição dos limites que os pais impõem aos filhos. Além das atitudes, os pesquisadores começaram recentemente a concentrar a atenção em pensamentos e esquemas mais situacionais – filtros através dos quais os acontecimentos, particularmente os mais ambíguos, são interpretados, e que também determinam as reações. Entre eles estão cognições tais como convicções sobre capacidades parentais, expectativas sobre o que a criança é capaz de fazer, ou o que se esperaria que fizesse, e as razões pelas quais as crianças se comportaram de determinada maneira.

Problemas

Ainda que a influência das atitudes sobre os comportamentos parentais tenha sido um dos temas de investigação preferidos, de maneira geral as associações obtidas foram modestas.1 Isso se deve, em parte, ao fato de atitudes relatadas nem sempre terem impacto direto nas ações parentais, frequentemente governadas por características específicas da situação. Os pais podem, por exemplo, endossar ou valorizar uma atitude afetuosa e responsiva em relação à criança, mas ter dificuldade para expressar esses sentimentos quando seu filho se comporta de maneira inadequada. Os pesquisadores começaram, então, a procurar pensamentos mais específicos em situações específicas, tais como as convicções dos pais sobre as razões do mau comportamento da criança ou sobre sua própria eficácia para lidar com esse problema em particular. Alguns desses pensamentos são conscientes e acessíveis, enquanto outros são inconscientes e automáticos. No primeiro caso, os pais podem relutar em apresentar-se sob uma forma demasiadamente negativa, e por isso deixam de ser totalmente precisos em seus relatos aos pesquisadores (dificuldade também encontrada com o estudo de atitudes). No segundo caso, o desafio para os pesquisadores é encontrar meios para medir processos de pensamento automático ou inconsciente.

Contexto de pesquisa

O estudo de atitudes, sistema de convicções e pensamento dos pais ocorreu simultaneamente a mudanças de concepções sobre como criar os filhos que enfatizaram a natureza bidirecional das interações, em que os filhos influenciam os pais da mesma forma que os pais influenciam os filhos.2 Embora muitos estudos tenham mostrado relações ente os pensamentos e as ações dos pais, é cada vez maior o número de estudos que se voltam para a maneira como o pensamento dos pais influencia o comportamento dos filhos, sendo as ações o elemento de conexão. A maioria dos trabalhos foi realizada com mães, embora seja cada vez maior o número de pesquisas envolvendo os pais. 

Resultados de pesquisas recentes

Um grande conjunto de pesquisa sobre atitudes indica que a afetuosidade dos pais associada a níveis razoáveis de controle ou restrição produz resultados positivos para a criança. Embora não sejam marcantes, esses resultados mostram-se bastante consistentes.3 Os pesquisadores observaram também que o que aparentemente é considerado um nível razoável de controle varia em função do contexto sociocultural. Isso explica por que, de modo geral, as atitudes com relação ao controle são mais positivas em contextos de situação socioeconômica mais baixa e em culturas não anglo-europeias, tais como a chinesa, nas quais os efeitos dessas atitudes são menos prejudiciais para o desenvolvimento da criança.3,4

Quanto a conhecimentos específicos relativos à prática parental, os pais buscam as razões que levam pais e filhos a agir de determinada maneira, e não de outra. Quando são precisas, essas referências podem tornar a prática parental mais eficiente. Podem também interferir em práticas parentais eficazes quando levam a sentimentos de raiva ou depressão – o que é possível quando o mau comportamento dos filhos é atribuído a uma disposição negativa ou a um desejo intencional de ferir, ou a falhas ou inadequação dos pais. Esses sentimentos negativos desviam os pais de sua função de educar, e tornam mais difícil para eles reagir de maneira adequada e eficaz aos desafios da socialização.5

Bugental e seus colegas analisaram a conduta de mães que acreditam que seus filhos têm mais poder do que elas próprias em situações em que as coisas não estão indo bem. Essas mães são ameaçadas e podem tornar-se tanto agressivas e hostis como inseguras e submissas. Enviam mensagens confusas a seus filhos, e o resultado é que as crianças param de prestar atenção a elas, e mostram uma queda na habilidade cognitiva.7 Essa visão da relação de poder tem um preço: afeta a capacidade da mãe para resolver problemas e, consequentemente, desempenhar de maneira eficaz seu papel de mãe. De modo similar, mães menos eficazes – isto é, que não acreditam que possam criar seus filhos de maneira eficaz – deixam de lado as práticas parentais quando a tarefa é desafiadora, e ficam deprimidas. Mostram-se frias, sem afetividade e não se envolvem na interação com seus bebês.8 Brody e seus colegas, em um estudo de famílias afro-americanas monoparentais, relataram que a eficácia estava  relacionada aos objetivos que a mãe estabelece para seu filho – tais como ser bem-educados e comportar-se adequadamente –, e justamente esses objetivos, que permitiam prever as práticas parentais, estavam, em última análise,  associados à habilidade da criança para regular seus comportamentos e fazer planos.9 Para outras mães cujas convicções positivas sobre suas habilidades na prática parental são irreais, a probabilidade é que se mostrem severas e críticas com seus filhos em idade pré-escolar, os quais, em contrapartida, mostram-se desafiadores.10

Os pesquisadores avaliaram também a capacidade dos pais para analisar a situação pelo lado de seus filhos. Crianças cujos pais são capazes de prever com precisão o desempenho cognitivo de seus filhos têm melhor desempenho, provavelmente porque esses pais conseguem adequar seus esforços como educadores às necessidades dos filhos.11 Da mesma forma, Hasting e Grusec constataram que pais que são capazes de identificar com exatidão o pensamento e os sentimentos de seus filhos em situações de conflito conseguiam alcançar  soluções mais satisfatórias.12 Por fim, a propensão dos pais para ver seus filhos como indivíduos que também têm estados mentais e sua avaliação correta desses estados mentais foi associada a uma  ligação segura com as crianças.

Conclusões

Os pais observam seus filhos através de um filtro de pensamentos e atitudes conscientes e inconscientes, e esses filtros dirigem a forma como eles percebem as ações das crianças e como que eles se comportam em relação a elas. Quando os pensamentos são precisos e benignos, orientam ações positivas; por outro lado, quando são distorcidos e angustiantes, desviam os pais da tarefa que têm para executar e também levam a emoções angustiantes e a condutas que prejudicam a eficácia da prática parental.

Implicações para políticas e serviços

A maioria dos programas de intervenção parental envolve o ensino de estratégias eficazes para lidar com o comportamento dos filhos. Para alguns pais, no entanto, práticas parentais problemáticas não estão ligadas à falta de conhecimento do modo de controlar o comportamento de seus filhos, e sim a modos de pensar inadequados. Nesses casos, os pesquisadores e os clínicos devem considerar outras intervenções que permitam alterar os esquemas e modos como os pais veem os relacionamentos com os outros, para que sejam capazes de desenvolver atitudes parentais eficazes. 

Referências

  1. Holden GW, Buck MJ. Parental attitudes toward childrearing. In: Bornstein MH, ed. Being and becoming a parent. 2nd ed. Mahwah, NJ: Lawrence Erlbaum Associates; 2002:537-562. Handbook of parenting; vol 3.
  2. Kuczynski L, ed. Handbook of dynamics in parent-child relations. Thousand Oaks, Calif: Sage Publications; 2003.
  3. Bugental DB, Grusec JE. Socialization processes. In: Eisenberg N, ed. Social, emotional, and personality development. New York, NY: John Wiley and Sons. Handbook of child psychology; vol 3.Sous presse.
  4. Chao RK. Beyond parental control and authoritarian parenting style: Understanding Chinese parenting through the cultural notion of training. Child Development 1994;65(4):1111-1119.
  5. Bugental DB, Brown M, Reiss C. Cognitive representations of power in caregiving relationships: Biasing effects on interpersonal interaction and information processing. Journal of Family Psychology 1996;10(4):397-407.
  6. Bugental DB, Happaney K. Parental attributions. In: Bornstein MH, ed. Being and becoming a parent. 2nd ed. Mahwah, NJ: Lawrence Erlbaum Associates; 2002:509-535. Handbook of parenting; vol 3.
  7. Bugental DB, Lyon JE, Lin EK, McGrath EP, Bimbela A. Children “tune out” in response to ambiguous communication style of powerless adults. Child Development 1999;70(1):214-230.
  8. Teti DM, Gelfand DM. Behavioral competence among mothers of infants in the first year: The mediational role of maternal self-efficacy. Child Development 1991;62(5):918-929.
  9. Brody GH, Flor DL, Gibson NM. Linking maternal efficacy beliefs, developmental goals, parenting practices, and child competence in rural single-parent African American families. Child Development 1999;70(5):1197-1208.
  10. Donovan WL, Leavitt LA, Walsh RO. Maternal illusory control predicts socialization strategies and toddler compliance. Developmental Psychology 2000;36(3):402-411.
  11. Miller SA, Manhal M, Mee LL. Parental beliefs, parental accuracy, and children’s cognitive performance: A search for causal relations. Developmental Psychology 1991;27(2):267-276.
  12. Hastings P, Grusec JE. Conflict outcome as a function of parental accuracy in perceiving child cognitions and affect. Social Development 1997;6(1):76-90.
  13. Bernier A, Dozier M. Bridging the attachment transmission gap: The role of maternal mind-mindedness. International Journal of Behavioral Development 2003;27(4):355-365.

Para citar este artigo:

Grusec JE. Atitudes e convicções dos pais: impacto sobre o desenvolvimento da criança. Em: Tremblay RE, Boivin M, Peters RDeV, eds. Tremblay RE, ed. tema. Enciclopédia sobre o Desenvolvimento na Primeira Infância [on-line]. https://www.enciclopedia-crianca.com/habilidades-parentais/segundo-especialistas/atitudes-e-conviccoes-dos-pais-impacto-sobre-o. Publicado: Fevereiro 2006 (Inglês). Consultado em 19 de março de 2024.

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