Determinantes sociocontextuais das práticas parentais
Jay Belsky, PhD
Institute for the Study of Children, Families and Social Issues Birkbeck University of London, Reino Unido
(Inglês). Tradução: dezembro 2011
Introdução
Tradicionalmente, os estudiosos da socialização direcionam suas maiores energias para o entendimento dos processos por meio dos quais as estratégias e o comportamento dos pais em relação à criação de seus filhos influenciam o desenvolvimento das crianças. Um grande volume de evidências – algumas experimentais, mas a maioria de natureza correlacional – enfatiza práticas parentais que, de maneira geral, promovem o bem-estar da criança. Durante os primeiros anos de vida da criança, isso se revela na forma de responsividade sensível, que reconhecidamente estimula a segurança do apego,1 e relacionamentos mutuamente positivos entre a criança e os pais, que promovem a cooperação da criança, sua adequação e o desenvolvimento da consciência.2 Dos anos pré-escolares até a adolescência, práticas parentais autoritativas – em contraposição a práticas negligentes – que associam altos níveis de carinho e aceitação a controle firme e limites claros e consistentes reforçam a orientação prossocial, o esforço para alcançar bons resultados e relacionamentos positivos entre os pares.3,4,5 Assim, ao longo da infância e da adolescência, práticas educativas que tratem a criança como um indivíduo, que respeitem as necessidades de autonomia apropriadas para seu desenvolvimento, que não sejam psicologicamente invasivas/manipulativas nem rigidamente coercivas, contribuem para o desenvolvimento de resultados psicológicos e comportamentais valorizados no mundo ocidental.
Questão-chave de pesquisa
O fato de que nem todos os pais se comprometem com uma forma de criação voltada para a promoção do crescimento levanta uma questão fundamental, que geralmente era negligenciada há 15 ou 20 anos: o que leva os pais a criar seus filhos de determinada maneira, e não de outra? Enquanto o estudo mais antigo sobre o tema enfatizava o status socioeconômico dos pais e a maneira como os próprios pais (que maltratam seus filhos) haviam sido criados, trabalhos subsequentes – conduzidos principalmente segundo o modelo de processo de Belsky6 referente à determinação de práticas parentais – destacam fatores e forças sociocontextuais que moldam essas práticas.7 Entre eles incluem-se: (a) atributos da criança; (b) histórico do desenvolvimento dos pais e suas próprias características psicológicas; e (c) o contexto social mais amplo no qual os pais e seu relacionamento estão inseridos.
Resultados de pesquisas recentes
Praticamente todos os trabalhos a serem considerados derivam de estudos correlacionais (e às vezes longitudinais) que ligam alguns determinantes hipotéticos a algumas características de práticas parentais. Assim sendo, a maioria dos trabalhos não leva em consideração que práticas parentais, tal como muitos funcionamentos comportamentais, podem ser herdadas.8,9 Portanto, constatações a serem resumidas que vinculam “determinantes” sociocontextuais e “resultados” das práticas parentais explicam processos causais potenciais, ao invés de confirmá-los.
Características das crianças
Há muito tempo, acredita-se que crianças difíceis, emocionalmente negativistas e exigentes não apenas são mais propensas a desenvolver problemas de comportamento, especialmente de externalização, mas também apresentam essa tendência em decorrência de práticas parentais de natureza hostil-invasiva ou mesmo desapegada-indiferente. Muitas investigações relacionam negatividade/dificuldade em bebês ou crianças a práticas parentais menos apoiadoras ou mesmo problemáticas,10,11 da mesma forma que crianças emocionalmente positivas são relacionadas com práticas parentais responsivas e sensíveis.11 Na verdade, Pike et al.12 constataram que as práticas parentais utilizadas com adolescentes mais negativos, irritadiços ou agressivos haviam sido mais negativas, mesmo depois de ajustes para fatores hereditárias. Tais resultados estão de acordo com exprimentos de manipulação de comportamento infantil para investigar seus efeitos causais nas práticas parentais.13 No entanto, isto não significa que a variação nas práticas parentais ocorra exclusivamente – ou principalmente – em função do temperamento/comportamento da criança, e sim que o temperamento/comportamento da criança contribui para essa variação, especialmente quando considerada no contexto de outras fontes de influência.7
Características dos pais
A pesquisa sobre a etiologia dos maus-tratos sofridos pelas crianças chamou a atenção para o papel do histórico de como criar filhos na configuração das práticas parentais. O que ficou claro, no entanto, é que a transmissão das práticas parentais de uma geração para outra, sejam elas caracterizadas por maus-tratos ou por promoção do crescimento, não é inevitável.7 Basicamente, porém, ambos os tipos de práticas – rígidas14,15 e apoiadoras16,17 – tendem a ser transmitidas às gerações seguintes, no caso da mãe, do pai ou de ambos.
Os atributos psicológicos dos pais também influenciam a forma como lidam com seus filhos.18 Pais que tendem a estados emocionais negativos, como depressão, irritabilidade e/ou raiva, tendem a comportar-se de forma menos sensível, menos receptiva e/ou mais ríspida do que outros pais; e isso ocorre com bebês,19 crianças mais velhas ou adolescentes.21 Quando os pais são extrovertidos – isto é, experimentam emoções positivas frequentes e têm prazer com envolvimentos sociais –, suas práticas parentais tendem a ser emocionalmente sensíveis, responsivas e estimuladoras durante a primeira infância22,23 e etapas posteriores.9 Agir de maneira agradável também parece fazer diferença, uma vez que pais mais sarcásticos, mais vingativos, mais manipuladores e menos confiantes, menos prestativos e menos generosos são mais negativamente controladores do que outros pais,9 particularmente em situações disciplinares.24
Há razões para acreditar que essas características de personalidade moldam as práticas parentais, na medida em que influenciam as emoções que os pais experimentam e/ou as razões às quais atribuem o comportamento da criança – por exemplo, o choro é causado por cansaço ou pelo desejo de manipular os pais.7,25 É preciso ter em mente também a possibilidade de que esses mesmos processos sejam produto da maneira como os pais foram criados por seus próprios pais.6,26
O contexto social: relacionamentos conjugais/de parceria
Evidências datadas pelo menos da década de 30 do século 20, que vinculavam casamentos problemáticos a problemas de comportamento infantil, deram origem à seguinte hipótese: enquanto uma parte da associação entre processos conjugais e funcionamento infantil é direta e imediata, via práticas parentais,27 outra parte deriva do efeito do casamento sobre as práticas parentais.6,28,29 Uma das formas como o casamento afeta as práticas parentais envolve emoções, positivas ou negativas, que se transferem de um relacionamento para afetar o outro,10 embora algumas famílias com problemas de relacionamento demonstrem recorrer a mecanismos compensatórios, promovendo práticas parentais mais sensíveis e comprometidas.30 Em alguns casos, é possível que isso reflita esforços para proteger a criança do estresse conjugal,31 ainda que, em outros, possa refletir armadilhas de desenvolvimento inapropriado, em que os adultos usam o relacionamento pais-filhos para satisfazer necessidades emocionais não atendidas.32 A raiva no casamento pode também levar ao afastamento parental,33 que a criança pode perceber como rejeição. Mas também há casos em que o afastamento de uma das partes do conflito entre parceiros pode engendrar práticas parentais hostis e intrusivas.33,34 A grande variedade de ligações entre casamento e práticas parentais provavelmente explica por que as simples correlações entre casamento e práticas parentais nem sempre são tão fortes quanto seria de esperar.16,31
Conclusão
Há 20 anos, Belsky6 sustentou que as práticas parentais têm múltiplas origens, determinadas por vários fatores e forças, e que era pouco provável que os pontos fortes e fracos de cada um pudessem determinar o comportamento dos pais, uma vez que a contribuição positiva do comportamento compensaria os efeitos negativos dos pontos fracos ou dos pontos fortes.
Assim, o aspecto mais importante a entender quando se analisa o que leva os pais a adotar determinadas práticas parentais era a acumulação de estresses e apoios ou, na terminologia da psicopatologia do desenvolvimento, os fatores de risco e de proteção.35 Portanto, embora as evidências citadas chamem atenção para alguns fatores determinantes sociocontextuais das práticas parentais, esses fatores devem ser considerados “no contexto” de outros determinantes, alguns dos quais já foram discutidos anteriormente.
Implicações
A implicação mais importante dessa observação é que não deve haver um único modo de promover práticas parentais que favoreçam o desenvolvimento. Em alguns casos, o melhor caminho pode ser a promoção de relacionamentos conjugais; em outros, a adequação de como os pais percebem as causas do comportamento da criança; em outros ainda, a possibilidade de que os pais regulem melhor suas emoções negativas. Obviamente, se isso puder ser feito de maneira adequada, não há razão para não considerar diversos caminhos de influência potencial.
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Para citar este artigo:
Belsky J. Determinantes sociocontextuais das práticas parentais. Em: Tremblay RE, Boivin M, Peters RDeV, eds. Tremblay RE, ed. tema. Enciclopédia sobre o Desenvolvimento na Primeira Infância [on-line]. https://www.enciclopedia-crianca.com/habilidades-parentais/segundo-especialistas/determinantes-sociocontextuais-das-praticas-parentais. Publicado: Outubro 2005 (Inglês). Consultado em 4 de outubro de 2024.
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