Obesidade na infância e seu impacto sobre o desenvolvimento da criança


Université Laval, Canadá
(Inglês). Tradução: julho 2011

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Introdução

A obesidade tornou-se uma pandemia, com mais de um bilhão de pessoas afetadas em todo o mundo.1 Ao longo dos últimos 30 anos, triplicou a prevalência de crianças com sobrepeso, definidas como aquelas que têm índice de massa corporal (IMC) acima do 85o percentil para a idade e o sexo.2 Mais de 30% das crianças norte-americanas estão acima do peso ou são obesas (IMC acima do 95 o percentil).3 Dados da International Obesity Task Force (Força-tarefa Internacional sobre Obesidade) indicam que 22 milhões de crianças menores de 5 anos de idade estão acima do peso ou obesas em todo o mundo.4 A obesidade substituiu a desnutrição como o maior problema nutricional em algumas partes da África, com uma incidência até quatro vezes maior do que a desnutrição.5

Do que se trata

A obesidade infantil resulta de uma falha do sistema de autorregulação do corpo na modulação de influências ambientais em relação às propensões genéticas individuais. Diversos fatores envolvidos nas complexas interações genes-ambiente que causam a obesidade promoverão um equilíbro energético positivo em longo prazo. Resultados de estudos longitudinais sugerem que a causa última da obesidade tende a ser um pequeno desequilíbrio crônico de energia, que é difícil de detectar por meio dos métodos atuais de mensuração de ingestão e gasto de energia.6 É provável que mudanças ambientais – por exemplo, em nutrição e estilo de vida – sejam as principais responsáveis pela atual epidemia de obesidade, uma vez que um conjunto de genes não pode modificar-se em menos do que uma geração. 

Problemas

Crianças obesas estão expostas a estigmas de peso e podem ser vulneráveis a efeitos psicológicos, como depressão, e efeitos sociais, como o isolamento.7 As consequências de tendências desfavoráveis, como o isolamento ou o retraimento social, podem contribuir para a exacerbação da obesidade por meio de vulnerabilidades psicológicas que aumentam a tendência a comer demais e a atividades sedentárias. É evidente que essas tendências desfavoráveis, o preconceito e a discriminação são parte da vida cotidiana dessas crianças com sobrepeso. Além disso, com o aumento da incidência de obesidade infantil, foram identificadas também outras consequências da obesidade para as crianças, entre as quais apneia obstrutiva do sono, problemas ortopédicos, hiperandrogenismo, diabetes do tipo 2 e doenças cardiovasculares.

Contexto da pesquisa

As condições referidas acima acompanham a criança até a vida adulta e, dessa forma, aumentam tanto a carga que representam para a sociedade em termos médicos, quanto seu risco de morbidade e mortalidade precoces.8 Por esse motivo, o contexto atual de pesquisa relaciona-se principalmente com a prevenção da obesidade. Na verdade, a saúde dessas crianças depende de uma série de fatores – não apenas biológicos, mas também psicológicos e sociais. Esses fatores atuam em sinergia para fortalecer-se ou enfraquecer-se mutuamente. Nesse contexto, as pesquisas envolvem a consideração de todos os fatores determinantes que afetam o desenvolvimento, o que significa tentar compreender as causas fundamentais dos problemas, de que forma se interrelacionam e seus muitos impactos sobre os indivíduos e a comunidade. Acima de tudo, envolve também promover mudanças em práticas e em atitudes. 

Questões-chave de pesquisa

Uma compreensão completa do estigma do peso e de seu impacto pode ser importante para documentar as consequências sociais e psicológicas da obesidade infantil, e pode ser fundamental para revelar a totalidade dos efeitos do sobrepeso sobre a saúde e o bem-estar. Sob uma perspectiva biológica, os fatores que afetam o equilíbrio energético têm interesse especial para a melhor compreensão da regulação do peso corporal e para a elaboração de estratégias que tenham uma influência benéfica potencial no manejo da obesidade. 

Resultados de pesquisas recentes

Os resultados de estudos com roedores são consistentes com as observações de que, em seres humanos, o aleitamento materno pode ser um fator de proteção contra a obesidade infantil.9 Os possíveis mecanismos desse efeito de proteção incluem programação metabólica ou autorregulação da ingestão de alimentos aprendida no início da vida.10 Bebês alimentados com leite industrializado antes dos 3 meses de idade apresentaram na primeira infância IMC consistentemente mais altos e maior espessura nas dobras cutâneas do que bebês amamentados ao peito por mais de três meses.11 Apesar disso, todos os estudos que examinaram a proteção oferecida pelo aleitamento materno concluíram que fatores genéticos e fatores ambientais, tais como o peso e o status socioeconômico da mãe, também desempenham um papel no desenvolvimento da obesidade na infância.12

Conclusões

A primeira linha de tratamento deve ser a prevenção da obesidade na infância. Em 2003, a AAP (Academia Americana de Pediatria) divulgou uma declaração sobre políticas para a prevenção de sobrepeso e obesidade na infância que recomendava defesa e supervisão da saúde para prevenir a obesidade na infância. A AAP afirmou que os pediatras devem aderir ao reconhecimento de crianças com risco para desenvolver obesidade, calcular e registrar o IMC em todas as consultas, utilizar as mudanças do IMC para identificar ganho excessivo de peso e monitorar indícios de comorbidades associadas à obesidade. Além disso, a AAP afirmou que os pediatras devem encorajar, apoiar e proteger o aleitamento materno, incentivar hábitos alimentares saudáveis e atividade física, e recomendar limitações na exposição à televisão. A declaração também encorajava os pediatras a tornarem-se defensores da prevenção da obesidade, por meio da identificação e do foco em pessoas influentes para a educação sobre obesidade, e pela alocação de recursos na prevenção da obesidade infantil. Em termos práticos, a melhor estratégia de tratamento parece ser uma abordagem multidisciplinar do problema, envolvendo diferentes especialistas de todas as áreas. Além disso, para a obtenção de resultados bem sucedidos, é absolutamente necessário o acompanhamento frequente de pacientes obesos. 

Implicações

Os efeitos modestos de intervenções anteriores em educação sobre saúde aumentaram o interesse em abordagens ambientais e de políticas visando encorajar a atividade física, reduzir comportamentos sedentários e/ou reduzir a ingestão dietética de energia para prevenir a obesidade. Essas abordagens tentam modificar os ambientes social, regulatório ou físico que resultam na adoção, pelos indivíduos, de comportamentos mais saudáveis, estejam eles conscientes ou não de suas decisões em adotar esses comportamentos. As abordagens ambientais e de políticas podem ser particularmente atraentes para ajudar a moldar comportamentos infantis, por vários motivos: (1) as crianças passam grande parte do tempo em um número relativamente pequeno de contextos que são passíveis de mudanças ambientais e de políticas – por exemplo, lar, escola, transporte de ida e volta para a escola, creches e programas para o período depois da escola –; (2) as crianças frequentemente são consideradas incapazes de tomar por si mesmas decisões comportamentais responsáveis; e (3) as vulnerabilidades infantis presumidas justificam ações preventivas e curativas de proteção tanto por parte dos pais, como das instituições e dos formuladores de políticas. As soluções ambientais de políticas com vistas à redução da obesidade infantil são desafiantes para muitos formuladores de políticas em todos os níveis da sociedade, desde os pais até as agências internacionais. No entanto, a implementação de novas estratégias e políticas sem evidências sobre sua eficácia ou efetividade pode levar a grandes investimentos de recursos, esforços e tempo que podem ou não resultar em benefícios.

Referências

  1. Kimm SYS, Obarzanek E. Childhood obesity: A new pandemic of the new millennium. Pediatrics 2002;110(5):1003-1007.
  2. Thibault H, Rolland-Cachera MF. Prevention strategies of childhood obesity. Archives de Pediatrie 2003;10(12):1100-1108.
  3. Fox R. Overweight children. Circulation 2003;108(21):e9071.
  4. Deitel M. The International Obesity Task Force and "globesity." Obesity Surgery 2002;12(5):613-614.
  5. du Toit G, van der Merwe MT. The epidemic of childhood obesity. South African Medical Journal 2003;93(1):49-50.
  6. Goran MI. Energy metabolism and obesity. Medical Clinics of North America 2000;84(2):347-362.
  7. Puhl RM, Brownell KD. Psychosocial origins of obesity stigma: toward changing a powerful and pervasive bias. Obesity Reviews 2003;4(4):213-227.
  8. Gunnell DJ, Frankel SJ, Nanchahal K, Peters TJ, Smith GD. Childhood obesity and adult cardiovascular mortality: a 57-y follow-up study based on the Boyd Orr cohort. American Journal of Clinical Nutrition 1998;67(6):1111-1118.
  9. Srinivasan M, Laychock SG, Hill DJ, Patel MS. Neonatal nutrition: Metabolic programming of pancreatic islets and obesity. Experimental Biology and Medicine 2003;228(1):15-23.
  10. Clifford TJ. Breastfeeding and obesity: The evidence regarding its effect on obesity is inconclusive. BMJ - British Medical Journal 2003;327(7420):879-880.
  11. Parsons TJ, Power C, Manor O. Infant feeding and obesity through the lifecourse. Archives of Disease in Childhood 2003;88(9):793-794. 
  12. Dewey KG. Is breastfeeding protective against child obesity? Journal of Human Lactation 2003;19(1):9-18.
 

 

 

Para citar este artigo:

Chaput JP, Tremblay A. Obesidade na infância e seu impacto sobre o desenvolvimento da criança. Em: Tremblay RE, Boivin M, Peters RDeV, eds. Orlet Fisher J, ed. tema. Enciclopédia sobre o Desenvolvimento na Primeira Infância [on-line]. https://www.enciclopedia-crianca.com/obesidade-infantil/segundo-especialistas/obesidade-na-infancia-e-seu-impacto-sobre-o-desenvolvimento. Publicado: Fevereiro 2006 (Inglês). Consultado em 25 de abril de 2024.

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