Funcionamento comportamental e emocional em bebês prematuros


McMaster University, Canadá
, Ed. rev. (Inglês). Tradução: junho 2012

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Introdução

Há inúmeros estudos documentados que confirmam os riscos significativos de deficiências de neurodesenvolvimento para bebês prematuros.1,2 Os estudos nessa área concentraram-se normalmente nas sequelas motoras e cognitivas da prematuridade, e deram menos atenção ao temperamento, ao comportamento e aos distúrbios emocionais. Dados recentes sugerem que crianças prematuras são vulneráveis também a alterações do desenvolvimento comportamental e social, que podem ser precursoras de deficiências de aprendizagem e transtornos psiquiátricos que se manifestariam em torno da metade da infância.3,4

Do que se trata

Os recentes aperfeiçoamentos nos cuidados neonatais intensivos levaram a um aumento do número de sobreviventes entre bebês com muito baixo peso ao nascer (MBPN, <1.500g) e peso extremamente baixo ao nascer (PEBN, <1000g).2 Para esses bebês, os riscos de problemas comportamentais e emocionais são muito elevados. Nossa revisão concentra-se nos problemas do nascimento até a idade pré-escolar em crianças nascidas com menos de 34 semanas de gestação.

Problemas

Durante a década de 1990, foram realizados diversos estudos sobre as funções comportamentais e emocionais de crianças prematuras. Não foi possível, porém, obter conclusões sólidas com relação a essas funções, devido a falhas metodológicas das pesquisas. Essas falhas incluíam amostras clínicas, ao invés de amostras populacionais; grande variabilidade na idade gestacional, no peso ao nascer; amostras de tamanho reduzido; falta de ferramentas seguras de avaliação psicométrica; ausência de grupo controle; e incapacidade de fornecer informações sobre os fatores de riscos médicos e psicossociais.5,6,7

Além disso, os resultados das pesquisas poderiam ser considerados incoerentes, uma vez que os relatos de muitos participantes referiam-se a comportamentos infantis de diferentes contextos. A maioria dos estudos sobre o temperamento e o comportamento do bebê foi realizada a partir de avaliações maternas. Entretanto, considera-se que avaliações do temperamento refletem as características da mãe, e não as da criança.6 Diversos pesquisadores relataram uma associação importante entre a saúde mental  materna e o comportamento da criança.7-10 Os relatos maternos sobre os problemas de comportamento e a competência social frequentemente diferem dos relatos dos professores, que tendem a relativizar o comportamento das crianças, confrontando-o com o de seus pares.11 Do mesmo modo, existem discordâncias frequentes entre avaliações maternas e avaliações clínicas. Avaliações realizadas por médicos podem não refletir a disposição habitual de uma criança.

Contexto de pesquisa

A probabilidade de ocorrência de complicações de saúde significativas, como dificuldades respiratórias graves, hemorragias cerebrais e deficiências de nutrição, é maior entre bebês com peso inferior a 1.500 g, e os efeitos sobre o sistema nervoso central podem ser duradouros. Esses efeitos biológicos combinam-se a fatores sociais de risco que são mais comuns entre famílias de bebês prematuros.12 Além disso, bebês prematuros podem permanecer hospitalizados por períodos mais longos, o que implica separação prolongada dos pais, aumento da ansiedade e uma possível interferência sobre o vínculo pais-criança. Consequentemente, não causa surpresa que as sequelas comportamentais e emocionais sejam mais frequentes entre bebês prematuros.

Questões-chave de pesquisa

Outras iniciativas relacionadas aos bebês prematuros são necessárias nas seguintes áreas:

  1. Análise de evidências que sugerem maiores problemas sociais e comportamentais durante a primeira infância e nos anos pré-escolares entre crianças MBPN e PEBN;
  2. Exames de como os fatores sociais e biológicos contribuem para o desenvolvimento de problemas comportamentais.

Resultados de pesquisas recentes

Temperamento do bebê

O temperamento do bebê é um fator extremamente pertinente em matéria de desenvolvimento, pois dificuldades precoces podem predispor crianças prematuras a desadaptações comportamentais ulteriores13 e afetar a qualidade de seus relacionamentos com as pessoas que cuidam delas.6 Segundo as medidas de relatos padronizados fornecidos pelos pais, bebês e crianças prematuros normalmente manifestam menor nível de adaptabilidade, ritmo, atividade, atenção e perseverança em comparação com não prematuros.14-16 Verificou-se também que bebês prematuros tinham variações de humor mais intensas e eram mais difíceis de acalmar, mais passivos e menos receptivos em termos sociais.17 Quando começam a aprender a caminhar, crianças prematuras são instáveis, menos perseverantes, menos adaptáveis e mais suscetíveis ao negativismo.18 Nas idades pré-escolares e escolares, manifestam-se ainda tendências ao aumento da  atividade e da intensidade, sendo menos persistentes no desenvolvimento de uma tarefea.18 A literatura sobre o assunto indica que, no início, bebês prematuros podem representar desafios mais difíceis para os pais. No entanto, as mudanças de temperamento ao longo do tempo podem ser influenciadas por fatores biológicos e ambientais.16,18

Entretanto, embora bebês prematuros, considerados como um grupo, enfrentem maiores riscos de desenvolver problemas de temperamento, apenas uma minoria deles manifesta esses problemas. Os únicos estudos que revelaram essas diferenças foram aqueles cujas amostras restringiram-se a bebês MBPN e bebês com complicações graves de saúde. A prematuridade, por si só, não parece ser um fator de risco de anomalias de temperamento.

Funcionamento comportamental

Embora alguns estudos relatem resultados desprezíveis, a documentação sugere, de modo geral, que as crianças prematuras são particularmente vulneráveis a ajustes comportamentais e a problemas emocionais.

Os achados são muito mais coerentes quando se considera a prevalência de TDAH (Transtorno do Deficit de Atenção com Hiperatividade). Marlow e al.19 relatam que, quando as crianças tinham por volta de 5 a 6 anos de idade, os pais e os professores as consideravam mais hiperativas e mais agitadas do que aquelas que participavam do grupo controle. Szatmari et al.20 constataram uma incidência maior de TDAH nos relatos dos pais para a idade de 5 anos, mas nenhuma diferença foi apontada no relato dos professores. Outros estudos de populações de crianças MBPN também constataram maior frequência de desatenção e hiperatividade, ou diagnosticaram TDAH em idade escolar.4,21,22 O TDAH parece ser mais comum em crianças prematuras que manifestam problemas no neurodesenvolvimento20 e em crianças que nascem com peso mais baixo e menor tempo de gestação.4 Há indicações de maior risco para os bebês do sexo masculino, e também há possibilidade de exacerbação desses comportamentos em decorrência de condições sociais adversas.6 Os riscos de problemas de conduta entre crianças prematuras não parecem ser maiores quando condições ambientais adversas são controladas.

Distúrbio emocional

Diversos estudos revelaram níveis mais elevados de ansiedade, de depressão e de disfunção emocional entre crianças prematuras.5,22,23 Entretanto, outros estudos não conseguiram encontrar associações similares.4,24,25 Esses achados contraditórios podem ser atribuídos às grandes diferenças de tempo de gestação das crianças, à variabilidade no nível socioeconômico e à diversidade das características parentais.

Competência social e funcionamento adaptativo

Crianças prematuras não são propensas a iniciar comportamentos sociais,26 demonstram menos prazer na interação com a mãe e são menos responsivas às interações sociais.27 Em certa medida, os problemas de habilidades sociais manifestam-se em função de níveis intelectuais mais baixos nos bebês MBPN.28 Esses problemas são menos evidentes quando são incluídos bebês que nasceram com peso mais elevado. Aparentemente, crianças prematuras correm risco de ter suas capacidades de adaptação menos desenvolvidas, o que se torna mais evidente ao longo da vida.29,30,31

Contribuição de fatores biológicos e sociais

A maioria dos estudos demonstra que problemas de comportamento estão associados a condições ambientais adversas, tais como status socioeconômico mais baixo, depressão materna e estresse familiar. O impacto desses fatores negativos pode ser maior entre os bebês MBPN do que entre crianças que nascem com peso normal. Um ambiente familiar enriquecedor favorece o desenvolvimento de comportamentos de autorregulação.32 Análises de regressão múltipla indicam que o temperamento, o ambiente e as interações entre o desenvolvimento e a qualidade do ambiente familiar são fatores preditivos de problemas de atenção na infância.33 O temperamento e os comportamentos foram relacionados ao tempo de gestação e à cognição, e revelaram poucas correlações com a leucomalácia periventricular, a hemorragia intraventricular e a paralisia cerebral.17,33

Conclusões

Considerados como grupo, bebês e crianças pequenas que nasceram prematuramente são descritos como mais retraídos, menos adaptáveis, menos perseverantes e menos estáveis do ponto de vista do temperamento nos primeiros anos de vida, em comparação com crianças não prematuras.34 Essas características são mais prevalentes em bebês MBPN e naqueles que têm complicações clínicas. Crianças prematuras têm também dificuldades globais de comportamento, principalmente no que diz respeito à prevalência de TDAH, mas aparentemente não há maior risco de desenvolver transtornos de conduta. Problemas de competência social e de funcionamento adaptativo são também mais frequentes nesses bebês do que em seus pares não prematuros. Mais uma vez, essas características parecem restringir-se aos bebês nascidos com menos de 1.500 g, àqueles que têm problemas neurológicos e intelectuais e aos que vivem em circunstâncias ambientais e sociais adversas. O risco de desenvolver problemas de atenção é maior para bebês que nasceram com peso inferior a 750g.35 Relatórios recentes sugerem que  bebês muito prematuros nascidos ao longo da década de 1990 continuam a ter problemas de comportamento e de atenção36 que persistem na idade escolar. 37

Implicações

Tendo em vista as elevadas taxas de sobrevivência de bebês prematuros, o custo cumulativo para os sistemas de saúde, em decorrência das dificuldades comportamentais e emocionais, certamente crescerá ainda mais. Assim sendo, para que sejam implementadas intervenções eficazes, é importante compreender a contribuição relativa dos fatores biológicos e sociais subjacentes. Novas pesquisas são necessárias para determinar se o apoio aos pais pode modificar os comportamentos parentais e melhorar a qualidade dos vínculos entre a mãe e o bebê e a receptividade do bebê. Enquanto isso, é importante informar os pais de bebês PEBN sobre a maior probabilidade de problemas comportamentais, para que eles estejam mais preparados para enfrentá-los e para buscar as soluções apropriadas. Para tanto, os profissionais da área da saúde devem centrar-se no diagnóstico e no tratamento precoces.

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Para citar este artigo:

Saigal S. Funcionamento comportamental e emocional em bebês prematuros. Em: Tremblay RE, Boivin M, Peters RDeV, eds. Enciclopédia sobre o Desenvolvimento na Primeira Infância [on-line]. https://www.enciclopedia-crianca.com/prematuridade/segundo-especialistas/funcionamento-comportamental-e-emocional-em-bebes-prematuros. Atualizada: Agosto 2006 (Inglês). Consultado em 28 de março de 2024.

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