A nutrição e seu impacto sobre o desenvolvimento psicossocial: perspectiva em relação a bebês prematuros


Université McMaster, Canadá
, Ed. rev. (Inglês). Tradução: abril 2017

Versão em PDF

Introdução

A nutrição na primeira infância, tanto em relação à quantidade como qualidade de nutrientes, tem sido reconhecida cada vez mais como tendo uma influência importante sobre o crescimento e desenvolvimento dos bebês prematuros. Notavelmente, a nutrição inadequada na primeira infância pode impactar profundamente o neurodesenvolvimento dos bebês prematuros, causando deficiências na competência educacional e cognitiva durante toda a infância e adolescência.1,2 Este artigo destacará as novas pesquisas que vinculam aspectos específicos da nutrição na primeira infância aos benefícios para o crescimento na primeira infância e a função cerebral em bebês prematuros.

Do que se trata

Embora a amamentação seja associada ao neurodesenvolvimento ideal e o leite da própria mãe seja universalmente recomendado para bebês prematuros,3-5 há mães que podem escolher não amamentar ou sua produção de leite pode ser insuficiente para atender às necessidades do bebê. Quando não há disponibilidade do leite materno, os bebês prematuros são alimentados com fórmulas comerciais designadas para suprir suas necessidades nutricionais. Entretanto, a doação do leito humano está sendo atualmente defendida como uma maneira de substituir a fórmula para bebês na alimentação dos hospitais,4,6 potencialmente fornecendo outra fonte dos componentes especiais do leite humano associados aos benefícios para o neurodesenvolvimento. 

Problemas

As pesquisas têm consistentemente constatado que os bebês prematuros alimentados na primeira infância com o leite da própria mãe apresentam melhor acuidade visual, habilidades linguísticas e resultados em seu desenvolvimento (até a idade de 24 meses) em comparação com um grupo similar de bebês alimentados com fórmula para bebês baseada em leite de vaca ou mesmo com leite humano doado.3,4,7,8 É preciso haver outras pesquisas para definir o(s) nutriente(s) específico(s) e/ou fatores socioambientais relacionados às práticas de alimentação que possam explicar as vantagens no desenvolvimento observadas em associação com a alimentação com o leite materno. 

Contexto da pesquisa

Devido a restrições éticas, não existem estudos controlados randomizados (ECR) comparando as consequências no neurodesenvolvimento em bebês prematuros alimentados com o leite materno comparados com aqueles alimentados com fórmula ou alimentação mista. Entretanto, as análises dos dados prospectivos e retrospectivos apresentam consistência em relação a um efeito benéfico como um todo do leite materno sobre o desenvolvimento cerebral e o funcionamento cognitivo na infância em comparação com a fórmula para bebês.4,9 Como o processamento exigido para o leite humano doado é diferente da do leite materno, é preciso haver uma avaliação separada do efeito do leite humano doado em comparação com o leite materno nas consequências do neurodesenvolvimento. 

Nas últimas duas décadas, as pesquisas têm se focado nos ácidos graxos poliinsaturados de cadeia longa (AGPICL), em especial o ácido docosahexaenoico (DHA) e ácido araquidônico (AA), como os fatores do leite materno responsáveis pelos benefícios para o neurodesenvolvimento. O DHA e o AA têm um papel essencial na estrutura e funcionamento dos tecidos da retina (olhos) e neural (cérebro). O nascimento prematuro interrompe o crescimento mais significativo do DHA e do AA, que ocorrem durante o segundo e terceiro trimestre. Dessa forma, os bebês prematuros devem receber esses ácidos graxos em sua dieta após o nascimento devido à síntese endógena insuficiente.10 Os estudos sobre o efeito dos AGPICL nas consequências do neurodesenvolvimento têm apresentado resultados inconsistentes devido a diversas variações do projeto do estudo. Apesar da prática padrão atual em muitos países de incluir DHA e AA na fórmula do bebê, as vantagens cognitivas, de linguagem e motoras ainda parecem ser maiores para os bebês alimentados com o leite materno, em comparação com a fórmula suplementada com AGPICL. 

Principais perguntas da pesquisa

A principal pergunta da pesquisa é se a alimentação dos bebês prematuros com o leite de sua própria mãe beneficia o desenvolvimento neurocomportamental que, por sua vez, afeta a programação intelectual e o comportamento social e, se isso ocorre, através de que mecanismo (nutrientes e/ou comportamento alimentar). Se for comprovado que os nutrientes únicos do leite humano conferem benefícios neurocomportamentais, então a pergunta subsequente da pesquisa é quais (se houver) desses fatores são desabilitados ou destruídos durante o processo (aquecimento, congelamento, descongelamento) do leite humano doado. Da mesma forma, é preciso determinar se os componentes variáveis do processo podem ser devolvidos ao leite humano doado ou à fórmula para bebês em quantidades que forneçam os mesmos benefícios no desenvolvimento conferidos pelo leite da própria mãe. 

Resultados de pesquisas recentes

Leite materno: Os benefícios positivos observados da amamentação em comparação com a alimentação com fórmula nas consequências visuais e comportamentais de curto prazo são resumidos em diversos estudos.4,7,9,11 Os efeitos benéficos persistentes do leite materno durante o primeiro período pós-natal sobre o funcionamento cognitivo são aparentes nos bebês prematuros com até 18,8 243 e 30 meses.12 Foi descrito um efeito dose-resposta do leite materno em bebês prematuros em que cada aumento de 10 ml/kg/dia de leite materno resultou em um aumento de 0,59 ponto no Índice de Desenvolvimento Mental (IDM), um aumento de 0,56 ponto no Índice de Desenvolvimento Psicomotor e no aumento de uma pontuação percentual comportamental total de 0,99 ponto.12 Entretanto, algumas vezes é difícil comparar os resultados entre um estudo e outro, devido a diferenças entre os estudos sobre amamentação parcial e exclusiva, uso de leite humano fortificado e não fortificado, diferenças do tipo de avaliações cognitivas e a idade em que eles foram realizados.

Leite humano doado: O leite fresco da própria mãe contém diversos componentes que podem, direta ou indiretamente facilitar o crescimento e o desenvolvimento do sistema nervoso.4 A conscientização sobre os benefícios do leite materno levaram ao aumento do uso do leite humano doado. Entretanto, estudos recentes revelaram que o leite humano doado, comparado com a fórmula, não confere benefícios ao neurodesenvolvimento dos bebês prematuros. Em um recente ECR canadense recente (n=363), os bebês prematuros alimentados com leite humano doado não alcançaram uma maior pontuação cognitiva composta na idade corrigida de 18 meses, quando comparados com os bebês alimentados com fórmula.5 Além disso, as pontuações compostas linguísticas e motoras não foram diferentes entre os bebês alimentados com leite humano doado e aqueles alimentados com fórmula. Os dados combinados de uma revisão sistemática Cochrane de 9 estudos (n=1070) também dão suporte ao fato de que o leite humano doado não confere vantagens ao neurodesenvolvimento quando comparado com a fórmula.13 

Suplementos de AGPICL: As evidências são inconsistentes em relação se a suplementação de AGPICL na primeira infância fornece uma vantagem cognitiva na primeira infância e na infância posterior. Pelo lado positivo, os bebês prematuros que receberam o leite materno suplementado com DHA e AA, comparados com aqueles que receberam somente o leite materno desde o nascimento até a idade de 9 semanas, apresentaram uma melhor memória de reconhecimento e maior pontuação na resolução de problemas aos 6 meses.14 Além disso, os bebês prematuros com maiores níveis de DHA circulante com a idade de 4 semanas apresentaram melhorias no desenvolvimento psicomotor aos 5 anos.15 Em contraste, em um ECR multicêntrico amplo (n=657) realizado na Austrália, o IDM aos 18 meses de idade corrigida não foi diferente daquele dos bebês suplementados com DHA comparados com os que receberam uma dieta padrão.16 Na mesma coorte aos 7 anos de idade (n=604), a suplementação com DHA não resultou em nenhuma melhoria nos índices de QI gerais.17 Curiosamente, meninas analisadas de um subgrupo do grupo com DHA alto apresentaram melhorias nos índices do IDM com a idade de 18 meses,16 mas com a idade de 7 anos tiveram uma função executiva e um comportamento mais deficiente, conforme referido pelos pais.17 Portanto, a suplementação com ACPICL pode acelerar o ritmo do neurodesenvolvimento em bebês prematuros, sem oferecer nenhuma vantagem significativa nos resultados do desenvolvimento total, como sugerido por uma revisão sistemática recente e metanálise de 11 ECRs e 2272 participantes.18  

Lacunas da pesquisa

O(s) fator(es) específico(s) do leite fresco da própria mãe que confere(m) uma vantagem no desenvolvimento de bebês prematuros ainda precisa(m) ser identificado(s). Se não for um fator neurotrófico específico do leite humano que contribui para as melhorias dos resultados do neurodesenvolvimento, é preciso pensar em como a fonte de nutrição (o leite da própria mãe, o leite humano doado e a fórmula) pode influenciar outras morbidades neonatais19 (ou seja, períodos prolongados de nutrição parenteral, septicemias, enterecolite necrosante, displasia broncopulmonar, etc.) que poderiam interferir com o neurodesenvolvimento. 

Conclusões

Os estudos publicados até o momento fornecem evidências de que o leite da própria mãe confere uma vantagem no desenvolvimento dos bebês prematuros quando comparado à fórmula para bebês, mas não é provável que somente os AGPICL sejam responsáveis por esse benefício. É absolutamente essencial para o desenvolvimento do cérebro e da retina que os bebês prematuros recebam quantidades planejadas de AGPICL (comparáveis aos índices de deposição do útero), mas não há evidências fortes que suportem a suplementação da dieta com altos níveis de AGPICL para melhorar as funções cognitivas, de linguagem ou motoras.

Considerando que alguns estudos relataram não haver diferença nos resultados do neurodesenvolvimento entre o leite humano doado e a fórmula (com/sem AGPICL), é possível que os efeitos benéficos do leite humano sejam específicos ao leite fresco da própria mãe. É preciso haver um consenso sobre se o leite humano doado confere alguma vantagem ao neurodesenvolvimento em relação à fórmula e se ele pode ser comparável ao leite da própria mãe. 

Implicações para a política e serviços de saúde

Apesar da falta de evidências de suporte, encoraja-se cada vez mais que as mulheres grávidas e as mães que amamentem suplementem sua dieta com AGPICL para otimizar o desenvolvimento cerebral de seus filhos. É preciso definir e comunicar às mães diretrizes que detalhem as doses suficientes, mas não excessivas, a serem ingeridas de AGPICL. Estudos recentes sugerem que altos níveis do AGPICL ômega-3 no período perinatal podem ter até mesmo ter um impacto negativo no comportamento17 e na saúde respiratória de bebês prematuros.20 Outras morbidades de longo prazo potencialmente associadas à suplementação com AGPICL podem não ser aparentes ainda, considerando que muitos ensaios sobre a suplementação de AGPICL da última década ainda não tiveram períodos de acompanhamento prolongados. 

O desenvolvimento de produtos para a nutrição de bebês específicos para bebês prematuros deve considerar a influência de nutrientes específicos para o neurodesenvolvimento e não somente o crescimento somático. A fim de analisar adequadamente a eficácia do equilíbrio dos macronutrientes, dos níveis dos micronutrientes e de outros ingredientes neurotróficos nos resultados de neurodesenvolvimento, é preciso que sejam realizados testes mais sensíveis à alteração induzida pela dieta nas funções comportamentais e cognitivas, tanto na primeira infância como na idade escolar.

Referências

  1. Peralta-Carcelen M, Bailey K, Rector R, Gantz M. Behavioral and socioemotional competence problems of extremely low birth weight children. J Perinatol. 2013;33(11):887-892. 
  2. Hack M, Flannery DJ, Schluchter M, Cartar L, Borawski E, Klein N. Outcomes in young adulthood for very-low-birth-weight infants. New Engl J Med. 2002;346(3):149-157. 
  3. Gibertoni D, Corvaglia L, Vandini S, Rucci P, Savini S, Alessandroni R, et al. Positive effect of human milk feeding during NICU hospitalization on 24 month neurodevelopment of very low birth weight infants: an Italian cohort study. PLoS One. 2015;10(1):e0116552. doi:10.1371/journal.pone.0116552
  4. Koo W, Tank S, Martin S, Shi R. Human milk and neurodevelopment in children with very low birth weight: a systematic review. Nutr J. 2014;13:94. doi:10.1186/1475-2891-13-94
  5. O'Connor DL, Gibbins S, Kiss A, Bando N, Brennan-Donnan J, Ng E, et al. Effect of supplemental donor human milk compared with preterm formula on neurodevelopment of very low-birth-weight infants at 18 months: a randomized clinical trial. JAMA. 2016;316(18):1897-1905. 
  6. Unger S, Gibbins S, Zupancic J, O'Connor DL. DoMINO: Donor milk for improved neurodevelopmental outcomes. BMC Pediatr. 2014;14:123. 
  7. Drane DL, Logemann JA. A critical evaluation of the evidence on the association between type of infant feeding and cognitive development. Paediatr Perinat Ep. 2000;14(4):349-356. 
  8. Vohr BR, Poindexter BB, Dusick AM, McKinley LT, Wright LL, Langer JC, et al. Beneficial effects of breast milk in the neonatal intensive care unit on the developmental outcome of extremely low birth weight infants at 18 months of age. Pediatrics. 2006;118(1):e115-123. 
  9. Anderson JW, Johnstone BM, Remley DT. Breast-feeding and cognitive development: A meta-analysis. Am J Clin Nutr. 1999;70(4):525-535. 
  10. Valentine CJ. Maternal dietary DHA supplementation to improve inflammatory outcomes in the preterm infant. Adv Nutr. 2012;3(3):370-376. 
  11. Jain A, Concato J, Leventhal JM. How good is the evidence linking breastfeeding and intelligence? Pediatrics. 2002;109(6):1044-1053. 
  12. Vohr BR, Poindexter BB, Dusick AM, McKinley LT, Higgins RD, Langer JC, et al. Persistent beneficial effects of breast milk ingested in the neonatal intensive care unit on outcomes of extremely low birth weight infants at 30 months of age. Pediatrics. 2007;120(4):e953-959. 
  13. Quigley M, McGuire W. Formula versus donor breast milk for feeding preterm or low birth weight infants. Cochrane Database Syst Rev. 2014 Apr 22(4):CD002971. doi:10.1002/14651858.CD002971.pub3
  14. Henriksen C, Haugholt K, Lindgren M, Aurvag AK, Ronnestad A, Gronn M, et al. Improved cognitive development among preterm infants attributable to early supplementation of human milk with docosahexaenoic acid and arachidonic acid. Pediatrics. 2008;121(6):1137-1145. 
  15. Tanaka K, Kon N, Ohkawa N, Yoshikawa N, Shimizu T. Does breastfeeding in the neonatal period influence the cognitive function of very-low-birth-weight infants at 5 years of age? Brain Dev. 2009;31(4):288-293. 
  16. Makrides M, Gibson RA, McPhee AJ, Collins CT, Davis PG, Doyle LW, et al. Neurodevelopmental outcomes of preterm infants fed high-dose docosahexaenoic acid: a randomized controlled trial. JAMA. 2009;301(2):175-182. 
  17. Collins CT, Gibson RA, Anderson PJ, McPhee AJ, Sullivan TR, Gould JF, et al. Neurodevelopmental outcomes at 7 years' corrected age in preterm infants who were fed high-dose docosahexaenoic acid to term equivalent: a follow-up of a randomised controlled trial. BMJ Open. 2015;5(3):e007314. doi:10.1136/bmjopen-2014-007314
  18. Wang Q, Cui Q, Yan C. The effect of supplementation of long-chain polyunsaturated fatty acids during lactation on neurodevelopmental outcomes of preterm infant from infancy to school age: a systematic review and meta-analysis. Pediatr Neurol. 2016;59:54-61.e1. doi:10.1016/j.pediatrneurol.2016.02.017
  19. Asztalos EV, Church PT, Riley P, Fajardo C, Shah PS, Canadian Neonatal Network and Canadian Neonatal Follow-up Network Investigators. Neonatal factors associated with a good neurodevelopmental outcome in very preterm infants. Am J Perinatol. 2017;34(4):388-396. doi:10.1055/s-0036-1592129
  20. Collins CT, Gibson RA, Makrides M, McPhee AJ, Sullivan TR, Davis PG, Thio M, Simmer K, Rajadurai VS; N3RO Investigative Team. The N3RO trial: a randomised controlled trial of docosahexaenoic acid for the reduction of bronchopulmonary dysplasia in preterm infants <29 weeks’ gestation. BMC Pediatr. 2016;16:72. doi:10.1186/s12887-016-0611-0

Para citar este artigo:

Fink NH, Atkinson SA. A nutrição e seu impacto sobre o desenvolvimento psicossocial: perspectiva em relação a bebês prematuros. Em: Tremblay RE, Boivin M, Peters RDeV, eds. Enciclopédia sobre o Desenvolvimento na Primeira Infância [on-line]. https://www.enciclopedia-crianca.com/prematuridade/segundo-especialistas/nutricao-e-seu-impacto-sobre-o-desenvolvimento-psicossocial. Atualizada: Abril 2017 (Inglês). Consultado em 29 de março de 2024.

Texto copiado para a área de transferência ✓