A situação atual das pesquisas sobre prematuridade extrema e vulnerabilidades associadas. Comentários sobre McCormick, Saigal, e Zelkowitz


École de psychologie, Université Laval, Canada e Institut de Réadaptation en Déficience Physique de Québec, Canada
(Inglês). Tradução: junho 2012

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Introdução

A questão da prematuridade e de seus impactos sobre a saúde e o desenvolvimento das crianças representa um desafio para a ciência há mais de 50 anos. Atualmente, o aumento gradual das taxas de prematuridade no Canadá (de 7,1%) e nos Estados Unidos (de 7,6%) obriga médicos, pesquisadores e formuladores de políticas públicas a trabalhar em conjunto a fim de estabelecer as prioridades de ações nessa área. Além de fornecer uma avaliação realista dos obstáculos envolvidos no estudo dessa população em particular, os artigos de McCormick, Saigal e Zelkowitz sintetizam os conhecimentos atuais e indicam possíveis linhas de pesquisa sobre prematuridade. As visões e preocupações dos autores convergem para três pontos principais: (1) as consequências do aumento da taxa de sobrevivência de crianças com tempo de gestação e peso ao nascer no limite da viabilidade; (2) os fatores associados a problemas de desenvolvimento no curto prazo e no longo prazo; e (3) a implantação de programas de intervenção eficazes para a criança e sua família. Cada um desses pontos será retomado e comentado à luz dos conhecimentos atuais.

Pesquisa e conclusões

1. Impacto do aumento da taxa de sobrevivência de crianças extremamente prematuras

A questão do aumento da taxa de sobrevivência entre crianças extremamente prematuras e das possíveis deficiências que a prematuridade extrema pode acarretar, levantada por McCormick, representa uma preocupação tanto do ponto de vista ético como do ponto de vista científico. Como o autor sugere, trata-se de uma questão delicada, uma vez que as crianças afetadas podem ser estigmatizadas, ainda que não haja evidências científicas que permitam associar a prematuridade extrema a deficits específicos. Embora de fato a mortalidade perinatal tenha sido reduzida, isso se deve a intervenções médicas agressivas, focadas e equilibradas, o que contribuiu para o aumento da taxa bruta de prematuros sobreviventes. Mas os progressos terminam aí, e faltam-nos conhecimentos para antecipar com precisão a trajetória de desenvolvimento dessas crianças. Probabilidades estatísticas são só o que podemos oferecer a pais angustiados. Neste momento, o principal desafio da pesquisa é estimar os efeitos precisos das complicações perinatais sobre as funções cerebrais e o desenvolvimento do cérebro, que é submetido a um conjunto de estimulações antecipadas para as quais não está preparado em sua programação genética de maturação. É preciso dar maior prioridade à pesquisa em neurologia e neuropsicologia clínica para compreender o impacto da prematuridade extrema sobre a evolução de diversas funções neurológicas.

Sabe-se também que a prematuridade «menos extrema» está associada a problemas de desenvolvimento cognitivo ou a transtornos comportamentais, e que diversas hipóteses apontam como causa os deficits neurológicos adquiridos no final do período de gestação extrauterina. Assim sendo, sugerimos que, para obter um retrato completo do impacto da prematuridade sobre o desenvolvimento, não se deve enfatizar unicamente essas populações nascidas em condições de prematuridade extrema, e sim, como sugerem os trabalhos de Amiel-Tison et al.,1 estudar igualmente os «macroprematuros» (1.500g a 2.500g), que representam de 5% a 7% da população de neonatos, e de 20% a 40% da população que apresenta dificuldades de ajustamento na idade escolar.

2. Fatores associados a problemas de desenvolvimento no curto prazo e no longo prazo

A maioria dos trabalhos publicados recentemente associa a prematuridade a problemas de desenvolvimento no curto prazo e no longo prazo. No entanto, a própria diversidade desses problemas e sua inconsistência de um estudo para outro têm levado os pesquisadores a adotar uma abordagem cautelosa, evitando associações diretas entre a prematuridade e problemas específicos de desenvolvimento. O principal quadro conceitual sugere que os deficits observados não resultam diretamente da prematuridade, mas sim de fatores biomédicos e ambientais associados à prematuridade. Mas os achados restam ambíguos, devido a sua baixa capacidade preditiva (que explicam menos de 10% da variância) e devido à falta de consistência entre os estudos no que diz respeito às variáveis controladas. As metodologias mais recentes procuram, sobretudo, identificar os mecanismos por meio dos quais os determinantes médicos e neurológicos no momento do nascimento são associados a problemas de desenvolvimento nos planos psicológico e social.2 A hipótese mais amplamente aceita é que as consequências da prematuridade são indiretas, e são mediadas por efeitos cumulativos, ao longo do tempo, da imaturidade adquirida por ocasião do nascimento.2,3,4 No processo de maturação da criança, esses deficits passariam a ser mensuráveis após um período de latência cuja duração ainda está por ser definida, e resultariam, posteriormente, em problemas de ajustamento social e escolar. Os mecanismos mediadores procurados referem-se principalmente ao desenvolvimento social (relacionamento entre pais e filhos) e à maturação cognitiva e neurológica. Dois mecanismos têm sido propostos para explicar esses efeitos indiretos: (a) a prematuridade afeta a maturação neurológica e modifica o desenvolvimento dos processos cognitivos durante a infância, o que, por sua vez, aumenta os riscos de problemas de ajustamento na idade escolar; e (b) a prematuridade causa, desde cedo, problemas de relacionamento (pais-criança) que influenciam o desenvolvimento das funções cognitivas e sociais durante a infância; esses problemas, por sua vez, aumentam os riscos de distúrbios de ajustamento social na idade escolar. Supõe-se, além disso, que esses dois processos de fundo biomédico ou psicológico seriam influenciados pelo ambiente, que atuaria de modo a criar dependência: a qualidade do ambiente da criança soma-se à prematuridade para aumentar ou diminuir o risco.5,6

3. Implementação de programas de intervenção

Para Zelkowitz e McCormick, a identificação de fatores biomédicos e sociais deve permitir o desenvolvimento de programas de intervenção precoce, visando à melhoria das capacidades cognitivas e à redução dos problemas de comportamento. Com esse objetivo, os autores propõem uma abordagem que enfatize mais a experimentação do que a observação7 – ou seja, sugerem aumentar o número de experimentos clínicos casualizados e monitorar essas populações de prematuros, a fim de avaliar a eficácia das técnicas médicas ou das intervenções psicológicas em relação à estabilidade e às mudanças no desenvolvimento das crianças no longo prazo. No mesmo sentido, intervenções recentes na área do neurodesenvolvimento, visando modificar o ambiente das unidades de cuidados intensivos, produziram efeitos positivos,8,9 mostrando claramente que um ambiente extrauterino adequado certamente pode favorecer o desenvolvimento normal do córtex.10

Implicações para políticas e serviços

O ponto central das recomendações dos três autores diz respeito a orientação para que os pais tenham ciência dos riscos associados a um nascimento prematuro. Os pais – na verdade, o conjunto da população – devem ser informados dos riscos de morbidades neuromotoras, cujos casos mais graves são diagnosticados nos dois primeiros anos de vida. Mas é necessário informá-los também do risco de morbidade, no longo prazo, em relação às capacidades da criança nos níveis comportamental, escolar e funcional. Acreditamos igualmente que as pessoas que acompanham essas crianças na escola e, principalmente, os profissionais responsáveis por avaliá-las devem estar conscientes dos problemas potenciais que elas enfrentam. Entretanto, qualquer orientação deve necessariamente estar baseada em evidências científicas e, para tanto, a pesquisa deve ser vista como prioridade, como um meio para dar continuidade à luta contra a prematuridade e para avaliar os riscos a ela associados.

Uma melhor compreensão da prematuridade e de seus efeitos no curto e no longo prazo permitirá que pais, médicos, pesquisadores e formuladores de políticas assumam uma posição sobre a questão seguinte: estamos prontos, enquanto sociedade, para assegurar serviços de longo prazo para o atendimento de crianças cujos partos ocorrem cada vez mais prematuramente? Os responsáveis pelos serviços de atendimento têm listas de espera cada vez mais longas, e crianças nascidas em condições de prematuridade extrema têm necessidades cada vez mais difíceis de atendimento. Qualquer política voltada para essas crianças deve assumir que, para elas, a sobrevivência ao parto não é o ponto de chegada, mas o início de um longo percurso, e que temos uma obrigação moral de investir os recursos necessários para ajudá-las a crescer.

Références

  1. Amiel-Tison C, Allen MC, Lebrun F, Rogowski J. Macropremies: underprivileged newborns. Mental Retardation and Developmental Disabilities Research Reviews 2002;8(4):281-292.
  2. Taylor HG, Klein N, Minich NM, Hack M. Middle-school-age outcomes in children with very low birthweight.Child Development 2000;71(6):1495-1511.
  3. Nadeau  L, Boivin M, Tessier R, Lefebvre F, Robaey P. Mediators of behavioral problems in 7-years-old children born after 24 to 28 weeks of gestation. Journal of Developmental and Behavioral Pediatrics 2001;22(1):1-10.
  4. Nadeau L, Tessier R. Relations sociales entre enfants à  l’âge scolaire : effet de la prématurité et de la déficience motrice. Enfance 2003;55(1/2):48-55.
  5. Levy-Shiff R, Einat G, Mogilner MB, Lerman M, Krikler R. Biological and Environmental correlates of developmental outcome of prematurely born infants in early adolescence. Journal of Pediatric Psychology 1994;19(1):63-78.
  6. Liaw F-R, Brooks-Gunn J. Cumulative familial risks and low-birthweight children's cognitive and behavioral development. Journal of Clinical Child Psychology 1994;23(4):360-372.
  7. Aucott S, Donohue PK, Atkins E, Allen MC. Neurodevelopmental care in the NICU. Mental Retardation and Developmental Disabilities Research Reviews 2002;8(4):298-308.
  8. Symington A, Pinelli J. Developmental care for promoting development and preventing morbidity in preterm infants (Cochrane Review). Cochrane Database Systematic Reviews. 2001;4:CD001814. Disponível em: http://www.nichd.nih.gov/cochraneneonatal/symington/symington.htm. Acesso em: 3 maio de 2004.
  9. Tessier R, Cristo ME, Velez S, Giron M, Charpak N. Kangaroo Mother-Care: A method of protecting high-risk premature infants against developemental delay. Infant Behavior and Development 2003;26(3):384-397.
  10. Als H, Gilkerson L. The role of relationship-based developmentally supportive newborn intensive care in strengthening outcomes for preterm infants. Seminars in Perinatology 1997;21(3):178-189.

Para citar este artigo:

Tessier R, Nadeau L. A situação atual das pesquisas sobre prematuridade extrema e vulnerabilidades associadas. Comentários sobre McCormick, Saigal, e Zelkowitz. Em: Tremblay RE, Boivin M, Peters RDeV, eds. Enciclopédia sobre o Desenvolvimento na Primeira Infância [on-line]. https://www.enciclopedia-crianca.com/prematuridade/segundo-especialistas/situacao-atual-das-pesquisas-sobre-prematuridade-extrema-e. Publicado: Outubro 2004 (Inglês). Consultado em 16 de abril de 2024.

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