Reforma do bem-estar social e seus efeitos sobre o desenvolvimento social e emocional de crianças pequenas (do nascimento aos cinco anos de idade): Comentários sobre Morris e Kamerman
Lisa A. Gennetian, PhD
MDRC (Manpower Demonstration and Research Corporation), EUA
(Inglês). Tradução: dezembro 2010
Introdução
Como apontam Morris e Kamerman, a legislação da reforma do bem-estar social de 1996 modificou o Aid to Families with Dependent Children – AFDC (Auxílio a famílias com crianças dependentes), transformando-o, de um direito federal, em um sistema que se tornou cada vez mais centrado em estimular e exigir que pais de muito baixa renda encontrassem empregos e permanecessem empregados. As exigências de trabalho compulsório e de limites de tempo durante o qual uma pessoa mantém o beneficio continuam a ser os componentes mais ardorosamente debatidos dos atuais programas TANF – Temporary Assistance for Needy Families (Assistência temporária para famílias necessitadas). Para atender ao duplo objetivo de reduzir a necessidade de bem-estar social, diminuindo os gastos públicos, e de ajudar as famílias a tornar-se autossuficientes, os formuladores de políticas federais e estaduais têm tradicionalmente focado nas implicações da reforma do bem-estar social para o bem-estar econômico dos pais e, algumas vezes, para a estabilidade conjugal. A forma pela qual essas políticas podem afetar as crianças é, com frequência, uma preocupação secundária nos debates políticos – o que é correto, uma vez que, com exceção de pais adolescentes, as políticas de bem-estar social não são formuladas de forma a considerar as crianças como seu público-alvo direto. Felizmente, devido à visão e ao apoio financeiro de agências federais e estatais, e de diversas fundações privadas, há pouco mais de uma década têm sido feitos esforços para coletar informações sobre os resultados das reformas do bem-estar social em crianças de famílias de baixa renda que recebem benefícios. Morris e Kamerman resumem diversos dos principais resultados desse conjunto emergente de pesquisas relevantes.
Pesquisas e conclusões
Morris resume os achados relativos a efeitos das políticas de bem-estar social sobre os resultados em crianças, com base em uma variedade de estudos de programas de bem-estar social e emprego, em que houve alocação aleatória, que foram originalmente realizados pela MDRC, e reexaminados e sintetizados como parte do projeto Next Generation (Próxima Geração), da MDRC. Em conjunto, esses estudos, que incluem o projeto Milwaukee New Hope (Nova Esperança de Milwaukee) e o Canadian Self-Sufficiency Project – SSP (Projeto Canadense de Autossuficiência) avaliaram três componentes distintos de políticas: complementação/suplementação de renda, serviços de emprego compulsório e limites de tempo. Realizados no início da década de 1990, em grande parte sob isenção do bem-estar social federal, esses estudos não foram planejados para avaliar a reforma da assistência social de 1996, mas mesmo assim testaram políticas que são componentes-chave de diversos programas TANF atuais. Devido ao desenho de estudos em que houve alocação aleatória, Morris argumenta, com razão, que esses experimentos oferecem algumas das melhores evidências obtidas até o momento a respeito de efeitos causais das políticas de bem-estar social nas crianças. Morris deveria reconhecer também que, de fato, uma vez que o New Hope e o SSP fazem parte destes estudos, este sumário de pesquisas extrapola as lições para políticas de bem-estar social nos EUA, e aplicam-se de maneira mais generalizada a políticas de emprego e de complementação da renda.
O principal resultado dessas pesquisas é que programas de bem-estar social e de emprego que aumentam o emprego e a renda dos pais tiveram efeitos modestos e consistentemente positivos sobre os resultados de desenvolvimento de crianças que estavam em idade pré-escolar e no ciclo inicial do ensino fundamental, quando ingressaram no estudo. Programas que aumentam o emprego, mas não a renda, têm efeitos reduzidos e inconsistentes sobre o desenvolvimento de crianças pequenas. Aparentemente, os benefícios dos programas de complementação/suplementação de renda concentram-se em desempenho escolar e escores nos testes cognitivos, e mantêm-se no longo prazo. Em contraste, esses mesmos programas têm efeitos desfavoráveis sobre os resultados escolares de pré-adolescentes ou daqueles que se encontravam no início da adolescência, quando ingressaram no estudo. Outros trabalhos evidenciam que pequenos efeitos positivos sobre o desempenho escolar ocorrem principalmente em crianças que estão na transição para a terceira infância, enquanto pequenos efeitos negativos ocorrem sobre aquelas que estão saindo da terceira infância. Essas conclusões principais são semelhantes àquelas obtidas em pesquisas complementares realizadas pelo Project on State Level Child Outcomes (Projeto sobre resultados da criança no nível do estado), conduzido pelo Child Trends.a
É incontestável que particularmente esses programas, testados por meio de desenhos rigorosos de estudos em que houve alocação aleatória, afetam as crianças tal como resumido anteriormente. Em vista disso, esses achados têm sido amplamente disseminados e tiveram enorme impacto sobre a reflexão conceitual que antecedeu a reforma do bem-estar social. No entanto, a investigação experimental tem suas limitações. Uma vez que todos os estudos foram realizados em momentos e locais determinados, os resultados podem não ser aplicáveis a um contexto ou ambiente diferente. Além disso, esse conjunto particular de estudos não foi planejado para avaliar adequadamente o bem-estar de bebês e de crianças nos dois primeiros anos de vida, nem o bem-estar de adolescentes (à exceção do SSP, conforme assinala Kamerman). No entanto, os formuladores de políticas deveriam se preocupar cada vez mais com esses dois grupos de crianças, dadas a baixa qualidade e a instabilidade dos serviços de cuidados infantis disponíveis para crianças pequenas e as suspeitas sobre os efeitos potencialmente negativos nos adolescentes. Por fim, os resultados sobre as crianças, colhidos nesses estudos, basearam-se principalmente nos relatos das mães; embora o desenho com alocação aleatória garanta que os efeitos não tenham sido influenciados pelas percepções maternas, persiste a pergunta sobre “o quê” esses resultados realmente captam, particularmente no que se refere ao comportamento social da criança.
Na verdade, em seu resumo sobre os resultados obtidos até o momento, Kamermam aborda várias dessas fragilidades da pesquisa experimental, o que inclui o trabalho de Morris et al. e também a pesquisa realizada pelo Three-City Study (Estudo de Três Cidades) – um estudo longitudinal de famílias de baixa renda em Boston, Chicago e San Antonio –, que recolheu avaliações observacionais detalhadas , bem como levantamento de dados sobre as famílias e seus filhos em idade pré-escolar ou adolescentes. As conclusões de Kamerman têm um foco um pouco mais amplo do que as de Morris. Segundo ela, a primeira conclusão importante da pesquisa experimental é que “houve pouco ou nenhum impacto [dos programas de bem-estar social] sobre as crianças, mas os que houveram, foram tanto positivos quanto negativos”. Essa conclusão, que perpassa os grupos etários e uma variedade de resultados, é importante porque, como nota Kamerman, não ocorreram os efeitos deletérios, ou “desastrosos,” que eram esperados sobre as crianças, em consequência da reforma do bem-estar social. Os aumentos substanciais no emprego das mães não se traduziram em efeitos negativos igualmente substanciais sobre os filhos. Essa constatação aplica-se até mesmo aos adolescentes, para os quais os efeitos negativos observados – por exemplo, em desempenho e repetência escolar – foram de pequena magnitude.
Muitas das demais conclusões de Kamerman são semelhantes às de Morris, com exceção de duas. Não se pode afirmar, com base nos estudos experimentais, que um decréscimo ou uma mudança neutra no emprego e na renda possa produzir efeitos negativos sobre os resultados das crianças. Os limites de tempo não resultaram em decréscimos drásticos na renda familiar, possivelmente devido a prorrogações e ao fato de as famílias contarem com apoios informais. O conjunto atual de estudos experimentais também não evidencia claramente que a melhora do nível educacional da mãe possa beneficiar as crianças. Kamerman destaca dois outros elementos importantes obtidos nos resultados do Three City Study: 1) como é o desempenho, em geral, das crianças de famílias com muito baixa renda (baixo, em comparação com seus pares de renda média), e 2) como transições de ingresso e saída de empregos poderiam afetar crianças de famílias com muito baixa renda.
Implicações para o desenvolvimento infantil e políticas
Estes resultados colocam escolhas difíceis para os formuladores de políticas, que se debatem entre o equilíbrio orçamentário e o provimento de uma rede coesa e abrangente de segurança social para famílias e crianças de baixa renda. Embora uma das respostas potenciais de políticas consista em desenvolver estratégias que visam aumentar o emprego e a renda familiar, continua em aberto diversas questões: se um dos objetivos seria o aumento de renda, e caso sim, de que forma – por exemplo, transferências monetárias ou em espécie, qual é o papel dos serviços destinados às crianças pequenas, e qual é o papel das instituições e do contexto social para adolescentes (como sugerido em pesquisas etnográficas recentes) e como manter essas respostas de políticas em condições de restrição orçamentária. A próxima etapa de pesquisa não experimental estará apta a enfrentar essas questões, e potencialmente mais estudos experimentais estarão disponíveis. Essa nova etapa de pesquisa deve focalizar também, de forma adequada, a coleta de maior número de medidas – que sejam também mais significativas – de desenvolvimento social, a compreensão da forma pela qual as crianças são afetadas nos vários estágios de desenvolvimento, desde a infância até a vida adulta, e o esforço para melhorar a aplicação de teorias do desenvolvimento de forma a subsidiar hipóteses sobre os efeitos de políticas de bem-estar social e de emprego nos vários domínios do desenvolvimento infantil.
Para citar este artigo:
Gennetian LA. Reforma do bem-estar social e seus efeitos sobre o desenvolvimento social e emocional de crianças pequenas (do nascimento aos cinco anos de idade): Comentários sobre Morris e Kamerman . Em: Tremblay RE, Boivin M, Peters RDeV, eds. Enciclopédia sobre o Desenvolvimento na Primeira Infância [on-line]. https://www.enciclopedia-crianca.com/reforma-do-sistema-de-bem-estar-social/segundo-especialistas/reforma-do-bem-estar-social-e-seus. Publicado: Outubro 2004 (Inglês). Consultado em 5 de novembro de 2024.
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