Promovendo relações entre pares de crianças pequenas: Comentários sobre Odom, Manz e McWayne, e Bierman e Erath


Universidade de Washington, EUA
(Inglês). Tradução: outubro de 2011

Versão em PDF

Introdução

Estabelecer relações entre pares constitui uma das tarefas de desenvolvimento mais importantes e desafiadoras da primeira infância. Essas relações não só oferecem uma contribuição importante para o bem estar presente e futuro, como também promovem vários outros aspectos do desenvolvimento.1 As crianças precisam utilizar todos os seus recursos de desenvolvimento para estabelecer os processos de informação social e de controle emocional que lhes permitem funcionar com seus pares de forma socialmente competente.2 No entanto, essa tarefa de desenvolvimento é altamente vulnerável a desvios. Rupturas em qualquer domínio do desenvolvimento (por exemplo, cognitivo, afetivo) ou circunstâncias familiares difíceis (por exemplo, pobreza, depressão materna) tendem a afetar os processos relevantes e a interferir no desenvolvimento adequado de competência social relativa a pares e, com isso, afetar negativamente a qualidade das relações entre pares.3 Diferentemente do que ocorre com os pais e outros adultos que apóiam a criança, os pares percebem rapidamente as dificuldades de competência social das outras crianças e reagem de acordo (por meio de rejeição, indiferença ou evasão), o que potencialmente cria um ciclo de relações difíceis para crianças vulneráveis. O desafio de nosso campo é compreender as forças diversificadas e complexas que influenciam a competência social relativa a pares e utilizar esse conhecimento para desenvolver programas adequados de prevenção e de intervenção.

Todos os autores dos artigos que abordam relações entre pares ofereceram perspectivas importantes sobre esse tema. Manz e McWayne focalizam os problemas especiais enfrentados por crianças de baixa renda; Bierman e Erath informam-nos sobre uma gama de programas-modelo para a promoção do desenvolvimento socioemocional das crianças; e Odom considera os problemas especiais de crianças pequenas com necessidades especiais. Em conjunto, esses artigos fornecem um resumo criterioso sobre o estado da arte da pesquisa sobre relações de crianças pequenas entre pares e incentivam a área para enfrentar esse problema complexo.

Pesquisas e conclusões

Em seu artigo sobre intervenções para a promoção de relações entre pares em crianças de baixa renda, Manz e McWayne apresentam uma argumentação convincente para a atribuição de alta prioridade a essa área do desenvolvimento. Também apontam com acerto os insucessos de muitos esforços de intervenção, sejam de orientação didática ou mais cognitiva, na produção dos resultados desejados. Destacam o insucesso na obtenção de generalização das habilidades para contextos diferentes e mais naturais.

Manz e McWayne sugerem que, para muitas crianças pré-escolares de baixa renda, essa situação pode ser melhorada pela criação de intervenções mais sensíveis aos ambientes culturais e aos objetivos das crianças. Esse é um ponto importante, raramente levado em consideração nesta área. Sugerem também que pode ser valiosa a combinação de parcerias com indivíduos-chave (por exemplo, os pais), estabelecidas para criar abordagens de intervenção mais significativas culturalmente, e a utilização criteriosa de habilidades de outras crianças mais competentes. Sua sugestão no sentido de envolver as famílias é crítica, especialmente diante do conhecimento crescente sobre relações família-pares.4 Os resultados iniciais dão apoio à sua posição. No entanto, quando intervenções que envolvem parceiros mais competentes socialmente são realizadas em contextos naturais, é preciso cuidado para não criar uma relação irregular entre as crianças que seja incompatível com a natureza igualitária das relações entre pares.5,6 Além disso, para complementar essa abordagem, é importante considerar as necessidades dessas crianças de baixa renda em um contexto ecológico e de desenvolvimento ainda mais amplo. Conjuntos de características familiares podem aumentar o risco de relações insatisfatórias entre pares por meio da criação de fatores de estresse inapropriados para o desenvolvimento nessa área.3 Avaliações sensíveis podem identificar esses fatores de estresse e conduzir ao desenvolvimento de intervenções abrangentes que envolvam a família, a comunidade e a criança.

O artigo de Bierman e Erath pede que o campo reflita amplamente sobre programas de promoção do desenvolvimento socioemocional em crianças pré-escolares. Os autores fazem a importante distinção entre programas universais para a promoção de competências socioemocionais, destinados a todas as crianças, e programas destinados a crianças de risco ou que já apresentam problemas nessa área do desenvolvimento. Os programas universais e os destinados a crianças de risco têm caráter preventivo, enquanto aqueles que focalizam crianças que já apresentam problemas nas relações com seus pares são mais bem conceituados no contexto da intervenção precoce. Essa importante sugestão organizacional constitui claramente um desafio importante para os nossos serviços educacionais e afins. Os custos e benefícios da implementação de programas universais precisam ser analisados, e os fatores de risco precisam ser cuidadosamente identificados de forma adequada dos pontos de vista cultural e de desenvolvimento.7 Como apontam esses autores, inúmeras questões de pesquisa continuam sem respostas que possam subsidiar a prática clínica e educacional. Importantes pesquisas sobre intervenções em agressão e rejeição entre pares vêm sendo realizadas,8 mas é urgentemente necessário um número maior de ensaios  clínicos aleatórios, especialmente sobre intervenções preventivas que envolvem crianças pequenas.9 Isto aplica-se igualmente a crianças cujos problemas de competência com seus pares são menos evidentes, tais como pré-escolares socialmente retraídos. Mais uma vez, as questões-chave focalizam a generalização dos resultados e a importância de programas abrangentes, entre os quais aqueles que envolvem os pais.

O artigo de Odom orienta-nos criteriosamente para os inúmeros problemas vivenciados por crianças com necessidades especiais no desenvolvimento de habilidades e competências sociais adequadas, bem como no estabelecimento de relações de amizade. Um ponto importante enfatizado por Odom é que é essencial que a nossa área reconheça a enorme diversidade desse grupo de crianças com necessidades especiais identificadas. Para compreender melhor essa variabilidade, é necessário atentar para programas que focalizam subgrupos de crianças cuidadosamente identificados. Até agora, a falta de ensaios clínicos aleatórios para a maioria dos subgrupos de crianças com necessidades especiais, e as limitações inerentes a desenhos de pesquisa com sujeito único dificultam a obtenção de conclusões firmes sobre efetividade dos programas. Apesar disso, como aponta Odom, há muitos resultados encorajadores. Odom sugere também que as intervenções para promover competência com parceiros e amizades devem ser preferencialmente realizadas no contexto de programas inclusivos. Isso faz sentido do ponto de vista filosófico, bem como reflete o fato de que crianças com desenvolvimento típico são capazes de estimular um nível mais alto de interação social por parte das crianças com necessidades especiais.10 Ao mesmo tempo, entretanto, tem sido mais difícil melhorar a competência social relativa a pares em crianças com necessidades especiais do que aumentar seus níveis de interação social. Pode ser necessária uma orientação ecológica e de desenvolvimento mais abrangente para o número substancial de crianças com necessidades especiais que vivenciam problemas de competência com seus pares. Existe atualmente uma base de conhecimentos derivada da ciência do desenvolvimento normativo, do risco e das necessidades especiais, com uma perspectiva de desenvolvimento que permite ensaios clínicos aleatórios significativos com subgrupos de crianças com necessidades especiais. As evidências preliminares sugerem o valor e a exeqüibilidade dessa abordagem.11

Implicações para o desenvolvimento e para serviços

Esses três artigos sobre relações entre pares na infância fizeram um excelente trabalho ao esclarecerem a importância desse domínio do desenvolvimento na vida das crianças, os inúmeros problemas encontrados por crianças pequenas no desenvolvimento de competências que lhes permitam estabelecer relações significativas com seus pares, e as perspectivas para o planejamento e a implementação de programas efetivos de prevenção e intervenção. Essa consciência torna abundantemente claro que nossa área precisa dedicar um volume muito maior de seus recursos intelectuais e materiais a este domínio do desenvolvimento. Questões sistêmicas substantivas precisam ser abordadas para o planejamento de programas de serviços baseados na comunidade que sejam valorizados do ponto de vista da prevenção, bem como programas mais intensivos para as crianças que apresentam dificuldades de interação com seus pares. Há, portanto, problemas consideráveis de mensuração, identificação de crianças de risco, planejamento e implementação, assim como muitos problemas práticos e de recursos existentes para a inserção desses programas no sistema de atendimento à primeira infância. A consciência a respeito do papel crítico da família representa mais um desafio, uma vez que a abrangência é um elemento crítico para o sucesso dos programas. Assim, os sistemas de serviços poderiam beneficiar-se com a criação de um referencial geral de desenvolvimento aplicável a crianças com e sem necessidades especiais; que reconhecesse integralmente as amplas influências ecológicas sobre as relações entre pares e os processos de informação social e de regulação emocional relevantes. Dentro desse referencial, as questões críticas de pesquisa podem ser abordadas utilizando-se um conjunto variado de metodologias que, em última instância, resultem em programas factíveis e efetivos de prevenção e de intervenção para a promoção de relações entre pares na infância.

Références

  1. Rubin KH, Coplan RJ, Nelson LJ, Cheah CSL, Lagace-Seguin DG. Peer relationships in childhood. In: Bornstein MH, Lamb ME, eds.  Developmental psychology: An advanced textbook.4th ed. Mahwah, NJ: Lawrence Erlbaum Associates; 1999:451-501.
  2. Guralnick MJ.  Family and child influences on the peer-related social competence of young children with developmental delays. Mental Retardation & Developmental Disabilities Research Reviews 1999;5(1):21-29.
  3. Guralnick MJ, Neville B. Designing early intervention programs to promote children's social competence. In: Guralnick MJ, ed. The effectiveness of early intervention. Baltimore, Md: P.H. Brookes; 1997:579-610.
  4. Ladd GW, Pettit GS. Parenting and the development of children's peer relationships. In: Bornstein MH, ed. Practical issues in parenting. 2nd ed.  Mahwah, NJ: Lawrence Erlbaum Associates; 2002:269-309. Handbook of parenting; vol 5.
  5. Hartup WW, Sancilio MF. Children's friendships. In: Schopler E, Mesibov GB, eds. Social behavior in autism.New York, NY: Plenum Press; 1986:61-79.
  6. Hartup WW. The company they keep: Friendships and their developmental significance. Child Development 1996;67(1):1-13.
  7. Bennett KJ, Lipman EL, Racine Y, Offord DR. Do measures of externalising behaviour in normal populations predict later outcome?: Implications for targeted interventions to prevent conduct disorder. Journal of Child Psychology & Psychiatry & Allied Disciplines 1998;39(8):1059-1070.
  8. Bierman KL. Peer rejection: developmental processes and intervention strategies. New York, NY: Guilford Press; 2004.
  9. Domitrovich CE, Greenberg MT. Preventive interventions with young children: Building on the foundation of early intervention programs. Early Education and Development 2004;15(4):365-370.
  10. Guralnick MJ, Connor RT, Hammond, M, Gottman JM, Kinnish K. Immediate effects of mainstreamed settings on the social interactions and social integration of preschool children. American Journal on Mental Retardation 1996;100(4):359-377.
  11. Guralnick MJ, Connor RT, Neville B, Hammond MA. Promoting the peer-related social development of young mildly delayed children: Effectiveness of a comprehensive intervention. Sous évaluation.

Para citar este artigo:

Guralnick MJ. Promovendo relações entre pares de crianças pequenas: Comentários sobre Odom, Manz e McWayne, e Bierman e Erath. Em: Tremblay RE, Boivin M, Peters RDeV, eds. Boivin M, ed. tema. Enciclopédia sobre o Desenvolvimento na Primeira Infância [on-line]. https://www.enciclopedia-crianca.com/relacoes-entre-pares/segundo-especialistas/promovendo-relacoes-entre-pares-de-criancas-pequenas. Publicado: Janeiro 2005 (Inglês). Consultado em 4 de outubro de 2024.

Texto copiado para a área de transferência ✓