Indivíduos afetados por Distúrbio do Espectro da Síndrome Alcoólica Fetal (DESAF) e suas famílias: prevenção, intervenção e apoio


Emory University School of Medicine and The Marcus Institute, EUA
(Inglês). Tradução: fevereiro 2012

Versão em PDF

Introdução

A Síndrome Alcoólica Fetal (SAF) e um espectro de distúrbios associados, algumas vezes denominados Distúrbios do Espectro da Síndrome Alcoólica Fetal (DESAF), resultam da exposição pré-natal ao álcool causada pelo alcoolismo da mãe ou por consumo elevado de bebidas alcoólicas – inclusive episódios de consumo excessivo – durante a gestação.

A SAF é diagnosticada com base em quatro critérios:1

  1. retardo de crescimento, ou seja, abaixo do décimo percentil para peso, altura ou circunferência da cabeça, em algum momento do desenvolvimento;
  2. dismorfia facial característica, que inclui falta ou subdesenvolvimento do philtrum (depressão no lábio superior), lábios superiores extremamente finos e fissuras palpebrais encurtadas (abertura dos olhos);
  3. danos ao sistema nervoso central, que se manifestam como atrasos de desenvolvimento, retardo mental e problemas cognitivos e comportamentais;2 
  4. evidências de consumo de álcool pela mãe durante a gestação.

Estima-se que uma em cada mil crianças sofre de SAF e uma em cada cem apresenta efeitos menos pronunciados de exposição pré-natal ao álcool.3

Do que se trata

A exposição pré-natal ao álcool constitui um problema significativo, devido à sua prevalência mundial e à gravidade de seus efeitos sobre o desenvolvimento da criança. Famílias que cuidam de crianças com SAF são consideravelmente afetadas pelas consequências desse distúrbio. Crianças expostas ao álcool, assim como seus pais, necessitam de apoio eficaz para garantir que o desenvolvimento  de  crianças  com  SAF seja otimizado, e para evitar deficiências secundárias.4 De modo semelhante às deficiências de desenvolvimento, crianças com SAF e suas famílias necessitam de uma gama de programas e serviços de apoio ao longo de toda sua vida.5

Problemas

Foram identificados diversos problemas relativos à prestação de serviços para crianças com SAF.

Identificação de diretrizes

De acordo com observações feitas pelo Instituto de Medicina (Institute of Medicine), não existem atualmente padrões de atendimento para crianças com SAF e distúrbios relacionados. Bebês, crianças e adultos afetados são elegíveis para os serviços porque atendem a outros critérios de cuidados médicos, programas de intervenção precoce, ou educação especial, que não estão baseados em seu diagnóstico de SAF. Por outro lado, muitos indivíduos afetados não atendem a nenhum dos critérios existentes e não conseguem atendimento pelo sistema de saúde. Portanto, o desenvolvimento de padrões adequados de atendimento constitui, atualmente, um desafio importante.

Serviços/programas específicos para atendimento de SAF

Embora os pais6 argumentem que indivíduos afetados pelo álcool necessitam de serviços especializados e acesso a profissionais qualificados em relação às necessidades especiais de crianças e famílias, tais recursos são raros. Recentemente, a Força Tarefa contra Síndrome Alcoólica Fetal (Fetal Alcohol Syndrome Task Force) – um conselho federal consultivo criado pelo congresso norte-americano – observou que, no país, os serviços nessa área são limitados e não são projetados para atender às necessidades de prevenção e intervenção direcionados às mulheres que consomem álcool, assim como para seus filhos.3

Pesquisas sobre programas e serviços eficazes

Embora a necessidade de intervenções e tratamento seja reconhecida,3 e tenham sido realizadas muitas tentativas para atender a essas necessidades em uma base clínica (ver referência 7), até hoje não foi realizada nenhuma avaliação formal de programas e serviços nessa área.

Instabilidade no ambiente de cuidados

Frequentemente, indivíduos afetados pela exposição pré-natal ao álcool são também expostos a condições ambientais menos adequadas. Durante os anos que se seguem ao nascimento, a taxa de mortalidade de mulheres que dão à luz a crianças com SAF é alta; essas mulheres também têm maior probabilidade de perder a custódia de seus filhos devido a abuso de drogas ou maus tratos e negligência em relação aos filhos. Consequentemente, muitas crianças com SAF são colocadas em orfanatos ou são adotadas após um período de instabilidade familiar durante os primeiros anos de vida. Aquelas que permanecem com suas mães podem vivenciar estresse caso estas continuem a beber. Esses fatores ambientais podem interferir na identificação precoce das necessidades de desenvolvimento da criança e podem impedir que a criança receba atendimento consistente.

Contexto de pesquisa

A avaliação de programas e serviços eficazes para prevenção, intervenção e tratamento ainda está em seu estágio inicial. Embora, há muito tempo, pais e alguns profissionais tenham consciência da necessidade de serviços para indivíduos afetados pelo álcool, o provimento de tais serviços não constitui uma área prioritária para a maioria dos provedores e das organizações governamentais. No entanto, no momento em que os esforços de defesa por parte dos pais e de outros cidadãos envolvidos aumentaram o nível de conscientização das agências governamentais, aumentaram também os recursos, permitindo, desse modo, o desenvolvimento e a avaliação de programas. Recentemente, os Centros para Controle e Prevenção de Doenças (CCPD) – Centers for Disease Control and Prevention (CDC) – iniciaram um estudo colaborativo em cinco localidades sobre intervenções educacionais e sociais para crianças em idade escolar com SAF e distúrbios de desenvolvimento neural relacionados ao álcool (DDNA). No entanto, esse projeto ainda está em seu primeiro ano e os resultados ainda não estarão disponíveis por muitos anos. Nenhum outro estudo dessa natureza foi realizado até o momento.

Questões-chave de pesquisa

O relatório do Instituto de Medicina dos Estados Unidos (US IOM)2 destaca inúmeras questões que devem ser consideradas na avaliação de programas e serviços destinados a pacientes com SAF. Tais questões são semelhantes àquelas apresentadas em qualquer avaliação de qualidade – por exemplo, a intervenção é eficaz? Os resultados são generalizáveis? Diversas outras questões devem também ser levantadas, entre as quais:

  1. Para quem os programas/serviços devem ser elaborados?
    Mais especificamente: onde encontrar as maiores necessidades e de que forma os recursos podem ser direcionados com maior eficácia? Por exemplo, o diagnóstico precoce é importante para identificar bebês com SAF para que deficiências secundárias associadas a déficits de cuidados possam ser evitadas? As crianças com SAF apresentam dificuldades específicas de aprendizagem que tornam ineficazes os métodos tradicionais de ensino?

  2. Quais são as lacunas nos serviços existentes?
    À medida que indivíduos com SAF não são atendidos pelos sistemas existentes, é preciso identificar as lacunas e elaborar programas adequados.

  3. Quais são as necessidades específicas de indivíduos afetados pelo álcool?
    É importante analisar a crença de que indivíduos afetados pelo álcool têm necessidades específicas que demandam soluções originais de tratamento. Esforços de pesquisas poderiam ser concentrados nos pontos fortes e fracos dos indivíduos afetados pelo álcool, e poderiam comparar esses resultados aos resultados de outros grupos de indivíduos com deficiências, assim como com indivíduos normais em meio à população em geral.

Resultados de pesquisas recentes

Uma pesquisa abrangente da literatura nessa área indica que nenhum dos estudos publicados sobre programas de intervenção/serviços destinados a indivíduos  com  SAF incluiu o investimento em avaliações ou pesquisas empíricas relacionadas aos programas. No entanto, educadores e pais escreveram inúmeros artigos7,8 endossando métodos educacionais ou descrevendo intervenções baseadas em indícios casuais. Além disso, em uma pesquisa realizada com famílias de pacientes, Streissgut et al.4 relataram uma correlação entre identificação e intervenção precoces, assim como estabilidade no atendimento, e a redução da frequência de deficiências secundárias em meio a crianças e adolescentes encaminhados a clínicas.

No entanto, deve-se observar que embora essa pesquisa tenha apoiado a necessidade de intervenções precoces e serviços destinados a esse grupo, não foram utilizados grupos de comparação. Portanto, não está claro se os resultados de pacientes afetados pelo álcool diferem dos resultados de outros pacientes com deficiências.

Conclusões

A SAF foi descrita pela primeira vez na América do Norte em 19731 e ao longo do tempo esse distúrbio e os problemas a ele associados vêm causando grande impacto sobre a saúde pública, a educação e os problemas sociais. Uma revisão das condições de programas e serviços de SAF sugere a provável existência de uma necessidade urgente de serviços para indivíduos e famílias. No entanto, são necessários estudos suplementares para definir com maior precisão essas necessidades, uma vez que as informações disponíveis sobre planejamento de serviços são fragmentadas e casuais. Embora algumas das necessidades associadas à SAF e à exposição ao álcool tenham natureza específica, ainda não foram totalmente documentadas. São raras as intervenções comportamentais e educacionais específicas que visam ao tratamento de distúrbios associados com a SAF e à prevenção de deficiências secundárias, e aquelas que existem ainda não foram avaliadas de forma eficaz. Em resumo, essas constatações sugerem a existência de um problema percebido que ainda deve ser enfrentado de forma sistemática, o que não permite, até o momento, recomendações baseadas em dados.

Implicações

Uma revisão do status atual de programas e serviços para indivíduos com SAF e outras deficiências relacionadas ao álcool sugere que:

  1. Antes de um novo planejamento, é preciso realizar uma avaliação completa das necessidades. Indivíduos de todas as idades que têm SAF, assim como suas famílias, devem ser avaliados com o objetivo de obter descrições sobre suas necessidades funcionais e de serviços.
  2. Para uma avaliação mais eficaz, os indivíduos afetados pelo álcool devem ser comparados a outros indivíduos com deficiências visando identificar semelhanças e diferenças entre os dois grupos. Dessa forma, experiências e conhecimentos anteriores podem ser aplicados eficazmente sempre que forem constatadas semelhanças. Quando as diferenças forem aparentes, devem ser desenvolvidas soluções específicas.
  3. Da mesma forma, as propostas resultantes para programas e serviços devem ser comparadas a outros programas e serviços existentes, permitindo a associação dos recursos existentes e o desenvolvimento de serviços específicos sempre que necessário.
  4. A avaliação da eficácia dos programas e dos serviços deve constituir o componente principal de todos os programas de prevenção, intervenção e tratamento.

Referências

  1. Jones KL, Smith DW. Recognition of the fetal alcohol syndrome in early infancy. Lancet 1973;2(7836):999-1001.
  2. Stratton KR, Howe CJ, Battaglia FC, eds. Fetal Alcohol Syndrome: Diagnosis, Epidemiology, Prevention, and Treatment. Washington, DC; National Academy Press; 1996.
  3. Weber MK, Floyd RL, Riley EP, Snider DE Jr. National Task Force on fetal alcohol syndrome and fetal alcohol effect: defining the national agenda for fetal alcohol syndrome and other prenatal alcohol-related effects. Morbidity and Mortality Weekly Report. Recommendations and Reports 2002;51(RR-14):9-12.
  4. Streissguth AP, Barr HM, Kogan J, Bookstein FL. Understanding the Occurrence of Secondary Disabilities in Clients with Fetal Alcohol Syndrome (FAS) and Fetal Alcohol Effects (FAE). Seattle: University of Washington; 1996.
  5. Coles CD. Intervening with children with FAS and ARND: where do we start? In: Intervening with Children Affected by Prenatal Alcohol Exposure: Proceedings of a Special Focus Session of the Interagency Coordinating Committee on Fetal Alcohol Syndrome; September 10-11, 1998: Chevy Chase, MD. Bethesda, MD: National Institute of Alcohol Abuse and Alcoholism; 1998:103-115.
  6. DeVries J, Waller A, McKinney V. Defining desired outcomes for children with FAS and ARND: a standard of care for toddlers, children, adolescents and adults. Gathered from the collective family experience by the FAS Family Resource Institute. In: Intervening with Children Affected by Prenatal Alcohol Exposure: Proceedings of a Special Focus Session of the Interagency Coordinating Committee on Fetal Alcohol Syndrome; September 10-11, 1998: Chevy Chase, MD. Bethesda, MD: National Institute of Alcohol Abuse and Alcoholism; 1998:45-92.
  7. Kleinfeld J, Wescott S. Fantastic Antone succeeds!: experiences in educating children with fetal alcohol syndrome. Fairbanks, AK: University of Alaska Press; 1993.
  8. Kleinfeld J, Morse B, Wescott S. Fantastic Antone grows up: adolescents and adults with fetal alcohol syndrome. Fairbanks, AK: University of Alaska Press; 2000.

Para citar este artigo:

Coles CD. Indivíduos afetados por Distúrbio do Espectro da Síndrome Alcoólica Fetal (DESAF) e suas famílias: prevenção, intervenção e apoio. Em: Tremblay RE, Boivin M, Peters RDeV, eds. O’Connor MJ, ed. tema. Enciclopédia sobre o Desenvolvimento na Primeira Infância [on-line]. https://www.enciclopedia-crianca.com/sindrome-alcoolica-fetal-saf/segundo-especialistas/individuos-afetados-por-disturbio-do-espectro-da. Publicado: Março 2003 (Inglês). Consultado em 25 de abril de 2024.

Texto copiado para a área de transferência ✓