Associações entre programas de educação infantil e conclusão escolar. Comentários sobre Hauser-Cram, McDonald Connor e Morrison, e Ou e Reynolds


University of Maryland, EUA 
(Inglês). Tradução: março 2012

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Introdução

Comentários sobre:

  1. Serviços ou programas que influenciam o sucesso acadêmico e a conclusão escolar de crianças pequenas, por Carol McDonald Connor e Frederick J. Morrison
  2. Serviços ou programas que influenciam crianças pequenas (do nascimento aos 5 anos de idade), sua conclusão escolar e seu desempenho acadêmico, por Penny Hauser-Cram
  3. Educação infantil e conclusão escolar, por Suh-Ruu Ou e Arthur J. Reynolds 

Introdução

Os artigos de Connor e Morrison, Hauser-Cram, e Ou e Reynolds oferecem um panorama claro e abrangente de pesquisas e questões correlatas que são relevantes para a educação infantil e a prontidão escolar. Como observaram esses autores, o tema da educação na primeira infância deveria ser de extremo interesse tanto para educadores como para formuladores de políticas públicas. É cada vez maior o número de evidências que apoiam as conclusões de que alguns programas podem promover ganhos no curto prazo em inúmeras áreas cognitivas e sociais importantes, assim como podem promover o desempenho acadêmico e a conclusão escolar, muitos anos mais tarde. Além disso, esses programas parecem ser especialmente benéficos para crianças em situação de risco.

Pesquisas e conclusões

Os três artigos apresentam um consenso geral a respeito do que se sabe sobre programas de educação e cuidados na primeira infância e os desafios que a implementação e a avaliação desses programas apresentam. De fato, muitos estudiosos concordam que os efeitos mais pronunciados e consistentes dos programas para a primeira infância são constatados nas habilidades de linguagem e de alfabetização da criança, sendo que algumas avaliações documentam também resultados positivos em termos sociais e afetivos. Outros efeitos de longo prazo de alguns programas-modelo incluem aumento das taxas de conclusão.1,2,3 A literatura mostra também que efeitos positivos de longo prazo tendem a ser mais consistentes quando a criança frequenta programas-modelo que iniciam o provimento de serviços logo após o nascimento e estendem-se até o ensino fundamental; que integram esforços para apoiar práticas parentais positivas, com a instrução desenvolvida na escola; e que empregam professores altamente qualificados. Aparentemente, Connor e Morrison, Hauser-Cram e Ou e Reynolds concordam também que, para conseguir progressos significativos rumo à maior compreensão dessas constatações, os pesquisadores devem aumentar os esforços para definir e interpretar o significado da qualidade e do sucesso no longo prazo; para implementar e avaliar programas-modelo de larga escala; e para utilizar modelos teóricos na identificação de mecanismos e fatores múltiplos que possam explicar por que determinados programas aparentemente têm efeitos positivos sobre a vida das crianças.

Essas interpretações são cuidadosas e bem-fundamentadas na extensa literatura da área. Portanto, em resposta a esses artigos, gostaria de ampliar diversos pontos e oferecer algumas perspectivas adicionais sobre como abordar alguns desses desafios. Uma questão central levantada nesses artigos está relacionada às múltiplas definições que aparecem na literatura para a qualidade e o sucesso do programa. Connor e Morrison argumentam que muitas vezes programas para a primeira infância carecem de objetivos claramente articulados. Ou e Reynolds ampliam o debate sugerindo que, embora ganhos sociais e cognitivos no curto prazo tenham sido mencionados como resultados significativos influenciados por programas de qualidade, o objetivo final e mais importante de programas para a primeira infância deve ser a elevação do nível educacional.

Historicamente, a meta explícita de programas formais de educação tem sido o desenvolvimento de habilidades intelectuais e acadêmicas que contribuam para o adequado funcionamento do cidadão. No entanto, formuladores de políticas públicas, assim como pais e educadores, também têm reconhecido as importantes contribuições da escolarização para o desenvolvimento de habilidades sociais e de autorregulação, inclusive o desenvolvimento de relacionamentos interpessoais positivos, de habilidades para colocar questões sociais em perspectiva, de motivação para alcançar resultados sociais e acadêmicos valorizados, e de aspiração educacional positiva.4 Essa tradição de promover objetivos múltiplos para estudantes ressalta a noção de que ser um estudante bem-sucedido e, em última análise, ser um cidadão competente são metas que exigem o desenvolvimento de muitas habilidades. Portanto, um foco na realização de objetivos distais, tais como a elevação do nível educacional, demanda atenção simultânea aos objetivos mais proximais ao desenvolvimento na primeira infância, como funcionamento social e de autorregulação, e ajustamento social à escola. Por outro lado, alcançar esses marcos de desenvolvimento deve contribuir de forma positiva para o desempenho educacional posterior. De fato, muitas pesquisas sobre o ensino fundamental documentam correlações significativas entre competência social e resultados acadêmicos positivos.

Seguindo a mesma linha de ideias, estou inteiramente de acordo com o apelo de Ou e Reynolds em favor do desenvolvimento e da utilização de modelos teóricos para orientar o trabalho nessa área. Sem estruturas conceituais para orientar a avaliação sistemática de hipóteses, não é possível identificar claramente os mecanismos causais subjacentes que dão subsídios aos profissionais sobre como e por que práticas específicas funcionam melhor do que outras. Com esse objetivo, proponho que os pesquisadores façam melhor uso daquilo que conhecemos sobre práticas parentais eficazes para identificar componentes de programas-modelo. Como observado em cada artigo, os fatores parentais explicam uma proporção importante e significativa da variância no sucesso escolar que vai além daquela explicada por efeitos dos programas. Tendo em vista essas constatações, é essencial que os programas ofereçam aos pais serviços que possam melhorar as habilidades de práticas parentais, as estratégias de comunicação entre pais e filhos, a eficácia da criação de filhos, e a interação com instituições educacionais. Estes e outros aspectos positivos das práticas parentais podem no mínimo contribuir para melhorar os efeitos gerais de intervenções escolares mais centradas na criança.

Além disso, no entanto, é razoável fazer uma pergunta um pouco diferente: o que sabemos sobre práticas parentais eficazes que podem ser incorporadas a programas para a primeira infância e aprimorá-los? É amplamente reconhecido que práticas parentais específicas são fundamentais para o desenvolvimento de competências na infância.6,7 Pais que fornecem níveis adequados de controle por meio da aplicação consistente de regras; que oferecem estrutura para as atividades das crianças; que comunicam suas expectativas de desempenho de acordo com o potencial da criança e com o seu nível de autonomia, de autoconfiança e de autocontrole adequados à sua idade; que estão envolvidos em estilos democráticos de comunicação; que consideram as opiniões e os sentimentos da criança; e que expressam afetuosidade e aprovação têm filhos que apresentam bom desenvolvimento social e cognitivo.8 Além disso, pais eficazes são propensos a ser modelos de habilidades e valores adequados9 e tendem a estimular seus filhos a serem aprendizes mais autoconfiantes.10

Embora seja essencial que os pais aprendam essas habilidades, é razoável presumir que os professores também devem aprender como empregar essas estratégias e devem estar cientes de que sua utilização aumentará a probabilidade de que seus estudantes tenham melhor desenvolvimento acadêmico e social em sala de aula.11 De fato, em estudos realizados com crianças do ensino fundamental, o provimento de estrutura, orientação e autonomia aos professores está relacionado a uma variedade de resultados motivacionais e acadêmicos.12,13 Além disso, o ajustamento de crianças pequenas à escola vem sendo relacionado a um relacionamento professor-aluno caracterizado por afetuosidade, ausência de conflitos e comunicação aberta.14 Levando essas constatações um passo a frente, é provável que professores de educação infantil que interagem com crianças em consonância com as “melhores práticas” dos pais também venham a aumentar significativamente as chances de que essas crianças desenvolvam uma atitude positiva frente à escolarização e também desenvolvam habilidades sociais e acadêmicas valiosas.

Implicações

Connors e Morrison, Hauser-Cram, e Ou e Reynolds fornecem um conjunto de recomendações para aprimorar nossa compreensão dos efeitos de programas para a primeira infância. Para essa área, objetivos louváveis incluem apoio a estudos longitudinais e de larga escala; esclarecimento dos objetivos dos programas; desenvolvimento de teorias; e maior foco sobre o funcionamento familiar. Eu acrescentaria que os objetivos dos programas devem ter múltiplas facetas, visando habilidades adequadas em termos de desenvolvimento de crianças pequenas, que facilitarão a realização de um número maior de objetivos de longo prazo na vida adulta. Além disso, formuladores de programas devem utilizar modelos conceituais que identificam resultados múltiplos que podem ser associados à realização de resultados educacionais mais distais. A esse respeito, há muito a aprender com pesquisas sobre o que os pais podem fazer para promover o desenvolvimento de competências cognitivas, sociais e afetivas de seus filhos. A integração dessas práticas a programas para a primeira infância deve contribuir para uma compreensão básica das formas e dos motivos pelos quais alguns professores de educação infantil favorecem resultados positivos para as crianças, ao passo que outros não o fazem.

Referências

  1. Ramey CT, Ramey SL. Early intervention and early experience. American Psychologist 1998;53(2):109-120.
  2. Ramey CT, Campbell FA, Burchinal M, Skinner ML, Gardener DM, Ramey SL. Persistent effects of early childhood education on high-risk children and their mothers.  Applied Developmental Science 2000;4(1):2-14.
  3. Reynolds AJ, Temple JA, Robertson DL, Mann EA. Long-term effects of an early childhood intervention on educational achievement and juvenile arrest. JAMA - Journal of the American Medical Association 2001;285(18):2339-2346.
  4. Wentzel KR. Social competence at school:  Relations between social responsibility and academic achievement. Review of Educational Research 1991;61(1):1-24.
  5. Wentzel KR. School adjustment. In: Reynolds W, Miller G, eds. Handbook of psychology. Vol. 7: Educational Psychology.  New York, NY: Wiley; 2003:235-258.
  6. Grusec JE, Goodnow JJ. Impact of parental discipline methods on the child's internalization of values: A reconceptualization of current points of view.  Developmental Psychology 1994;30(1):4-19.
  7. Maccoby EE, Martin JA. Socialization in the context of the family: Parent-child interaction. In: Mussen PH, ed. Handbook of child psychology. Vol 4. New York, NY: Wiley; 2003:1-1001
  8. Baumrind, D. Current patterns of parental authority. Developmental Psychology Monograph 1971;4(1, Pt.2):1-103.
  9. Bandura A. Social foundations of thought and action:  A social cognitive theory.  Englewood Cliffs, NJ:  Prentice-Hall; 1986.
  10. Wertsch JV. Vygotsky and the social formation of mind.  Cambridge, Mass: Harvard University Press; 1985.
  11. Wentzel KR. Are effective teachers like good parents?  Teaching styles and student adjustment in early adolescence. Child Development 2002;73(1):287-301.
  12. Grolnick WS, Ryan RM. Autonomy support in education: Creating the facilitating environment.  In: Hastings N, Schwieso J, eds. New directions in educational psychology. Vol. 2: Behavior and motivation. London, England: Falmer Press; 1987:213-232.
  13. Skinner EA, Belmont MJ. Motivation in the classroom: Reciprocal effects of teacher behavior and student engagement across the school year. Journal of Educational Psychology 1993;85(4):571- 581.
  14. Pianta RC, Hamre B, Stuhlman M. Relationships between teachers and children.  In: Reynolds W, Miller G, eds. Handbook of psychology. Vol. 7: Educational Psychology.  New York, NY: Wiley; 2002:199-234.

Para citar este artigo:

Wentzel KR. Associações entre programas de educação infantil e conclusão escolar. Comentários sobre Hauser-Cram, McDonald Connor e Morrison, e Ou e Reynolds. Em: Tremblay RE, Boivin M, Peters RDeV, eds. Vitaro F, ed. tema. Enciclopédia sobre o Desenvolvimento na Primeira Infância [on-line]. https://www.enciclopedia-crianca.com/sucesso-escolaracademico/segundo-especialistas/associacoes-entre-programas-de-educacao-infantil-e. Publicado: Agosto 2004 (Inglês). Consultado em 29 de março de 2024.

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