Relação entre programas de educação infantil e conclusão escolar. Comentários sobre Hauser-Cram, McDonald Connor e Morrison, e Ou e Reynolds
Frances A. Campbell, PhD
Frank Porter Graham Child Development Institute, University of North Carolina at Chapel Hill, EUA
(Inglês). Tradução: março 2012
Introdução
Sem exceção, estudiosos que analisaram as evidências de que programas para a primeira infância afetam positivamente a conclusão escolar concordam que tais programas realmente aumentam a probabilidade de conclusão escolar para crianças que vivem em condições de pobreza. Esses artigos abordam a questão sob diferentes pontos de vista. Hauser-Cram discute alguns problemas que dificultam respostas definitivas para essa questão, resumindo em seguida as conclusões tiradas por outros autores que analisaram o tema; por fim, descreve três programas de educação infantil que se mostraram positivos, com efeitos duradouros sobre o nível educacional alcançado por crianças pobres. Connor e Morrison analisam mais detalhadamente os fatores de background associados ao nível educacional. Os autores discutem as evidências a favor e contra a colocação da criança ou dos pais como foco principal de um programa para a primeira infância e mostram que o objetivo preciso de um programa para primeira infância nem sempre é tão específico como deveria ser: linguagem infantil, habilidades pré-alfabetização, práticas parentais ou conduta dos professores. Ou e Reynolds definiram com precisão o que entendem por “programa para a primeira infância” e resumem as evidências que surgiram a partir de oito estudos que correspondem à sua definição (as crianças estavam em “tratamento” entre os 3 e 4 anos de idade e a finalidade dos dados era analisar o desempenho educacional no longo prazo). Esses estudiosos colocaram na forma de tabela um resumo útil para descrever os resultados de estudos que atendiam a seus critérios.3
Pesquisas e conclusões
Evidentemente, os estudos experimentais controlados de maneira mais criteriosa, como os programas Perry Preschool e Abecedarian, apresentaram as evidências de vantagens mais consistentes. Embora ambos utilizem amostras relativamente pequenas, o tamanho da amostra é parcialmente compensado por boa elaboração experimental e baixa taxa de desistência. É importante ressaltar que o estudo mais amplo do Chicago Child-Parent Center (Centro Criança-Pais, de Chicago) apresenta evidências comparáveis de benefícios no longo prazo. Para o programa de educação infantil mais amplamente oferecido, o Head Start, as evidências de eficácia no longo prazo ainda são diversificadas.
Os autores têm opiniões diferentes sobre os modelos de programas para a primeira infância que podem influenciar a conclusão escolar, mas não há evidências consistentes da superioridade de um modelo de prestação de serviços sobre outro. Connor e Morrison concluem que as melhores práticas combinam alguma forma de atendimento familiar com serviços diretos para as crianças. No entanto, quando a conclusão escolar é o critério em questão, resultados de longo prazo do estudo Abecedarian não apoiam a ideia de que o foco na família seja essencial. Evidências sugerem que o programa de educação infantil centrado na criança tem efeito mais forte sobre o nível educacional alcançado pelo adulto jovem do que programas mais centrados na família durante nos anos iniciais do ensino fundamental.
Este argumento não apoia a hipótese de que um programa de educação infantil com foco na criança pode anular os efeitos do ambiente familiar inicial. A análise do Abecedarian sugere que programas de educação infantil em instituições funcionam, em certa medida, de forma independente do ambiente familiar em relação à influência sobre o desenvolvimento da criança – ambos contribuem e, quanto melhor a qualidade do ambiente inicial, maior é a probabilidade de bom desempenho da criança na escola. No entanto, não ficou provado que acrescentar um componente com foco nos pais à experiência de educação infantil com foco na criança leve a resultados cognitivos/acadêmicos superiores aos de programas centrados unicamente na criança.
O projeto Carolina Approach to Responsive Education (Project CARE) foi um estudo experimental de controle aleatório que abordou a importância de acrescentar um componente parental a uma experiência de educação infantil em instituições. Nesse estudo, um grupo de crianças recebeu atendimento em instituições, ao qual foi acrescentado o componente de educação familiar; e um segundo grupo de crianças recebeu apenas o componente de educação familiar. Crianças atendidas das duas formas foram comparadas a crianças não atendidas de um grupo de controle. As crianças que receberam educação em instituições e visitas domiciliares apresentaram desempenho superior ao do grupo de controle durante a primeira infância, o que não ocorreu para aquelas que receberam apenas visitas domiciliares.1,2
Dados do Perry Preschool Project foram utilizados para verificar se as vantagens de longo prazo resultaram de melhores condições de desenvolvimento cognitivo dos participantes ou de efeitos positivos para a família. Os resultados indicaram que o mecanismo mais provável foi a melhoria cognitiva direta. O estudo do Abecedarian avaliou mediadores dos efeitos de programas para primeira infância sobre escores de testes acadêmicos no longo prazo (até os 21 anos de idade), e constatou que, tanto para leitura como para matemática, os efeitos desses programas foram mediados pelos efeitos do programa sobre o desenvolvimento cognitivo da criança.3 Do mesmo modo, dados do Abecedarian indicam que o QI da mãe e o ambiente familiar exercem a principal influência sobre o nível educacional no longo prazo, mas quando os modelos são testados para mediação, é possível demonstrar que o QI da mãe tem influência no número de anos de escolarização por meio de seu efeito sobre a qualidade do ambiente familiar na primeira infância.
Ou e Reynolds sugerem três modelos que podem explicar as vantagens que programas para a primeira infância geram para a conclusão escolar: benefício cognitivo direto para a criança, resultando em melhor desenvolvimento escolar ao longo dos anos; mudanças positivas para a família, que influenciam o grau de adaptação da criança na escola; e apoio para escolas, de modo que as crianças registrem maior frequência e menor mobilidade entre escolas. Em consequência, a criança vivencia continuidade ao longo dos anos, aprendendo de forma mais eficaz.
Connor e Morrison contribuem com comentários exclusivos sobre que componentes da educação infantil levam ao sucesso na aprendizagem da leitura. Apresentam também uma excelente observação sobre a necessidade de tratar cada criança como um indivíduo, personalizando a educação infantil para adaptá-la a seu estágio de desenvolvimento e seu estilo de aprendizagem.
Implicações para o desenvolvimento e para políticas públicas
Análises da relação custo/benefício indicam que programas para a primeira infância podem economizar para a sociedade até US$7 por dólar gasto nos anos iniciais, devido a reduções no número de repetências, reduções no número de encaminhamentos para serviços especiais, ganhos potenciais mais altos, e reduções no custo social da criminalidade. Para aqueles programas de primeira infância que aparentemente não estão associados com uma redução da criminalidade, a relação custo/benefício não foi tão marcante.4
Esses artigos são unânimes em seu apoio a programas para a primeira infância, embora apresentem algumas diferenças em relação àquilo que enfatizam e sobre a melhor maneira de combinar programas centrados na criança, programas baseados em instituições, programas para os pais e programas baseados na escola com o objetivo de influenciar a conclusão escolar. No entanto, as implicações são semelhantes. Crianças pequenas em situação de risco, principalmente aquelas que crescem em condições de pobreza, podem obter grandes benefícios de programas de boa qualidade para a primeira infância. Inversamente, crianças que vivem em condições de pobreza tendem a frequentar programas de educação infantil de baixa qualidade – ou a jamais frequentar um desses programas. Programas de educação infantil de boa qualidade são aqueles cujo foco é a criança e que personalizam sua educação em relação ao que é necessário para prepará-las para sucesso posterior. O dinheiro investido ao longo dos anos iniciais tem boa relação custo/benefício para a sociedade. Formuladores de políticas públicas devem manter a ênfase na importância dos anos iniciais e devem disponibilizar recursos para garantir que crianças pobres tenham acesso a cuidados de boa qualidade, garantindo que essas crianças recebam educação infantil planejada para dar-lhes a melhor preparação para o sucesso e a conclusão escolar.
Referências
- Wasik BH, Ramey CT, Bryant DM, Sparling J. A longitudinal study of two early intervention strategies: Project CARE. Child Development 1990;61(6):1682-1696.
- Burchinal MR, Campbell FA, Bryant DM, Wasik BM, Ramey CT. Early intervention and mediating processes in cognitive performance of children of low-income African American families. Child Development 1997;68(5):935-954.
- Campbell FA, Pungello EP, Miller-Johnson S, Burchinal M, Ramey CT. The development of cognitive and academic abilities: growth curves from an early childhood educational experiment. Developmental Psychology 2001;37(2):231-242.
- Masse L. A benefit-cost analysis of the Carolina Abecedarian Preschool program. Paper presented in: Campbell F, Chair, What’s a good early childhood education worth and why? Symposium presented at: the Biennial Meeting of the Society for Research in Child Development; April 26, 2003; Tampa, Fla.
Para citar este artigo:
Campbell FA. Relação entre programas de educação infantil e conclusão escolar. Comentários sobre Hauser-Cram, McDonald Connor e Morrison, e Ou e Reynolds . Em: Tremblay RE, Boivin M, Peters RDeV, eds. Vitaro F, ed. tema. Enciclopédia sobre o Desenvolvimento na Primeira Infância [on-line]. https://www.enciclopedia-crianca.com/sucesso-escolaracademico/segundo-especialistas/relacao-entre-programas-de-educacao-infantil-e. Publicado: Março 2004 (Inglês). Consultado em 13 de dezembro de 2024.
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