Consumo de tabaco durante a gravidez e seu impacto no desenvolvimento da criança


Christchurch School of Medicine, Nova Zelândia
(Inglês). Tradução: julho 2012

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Introdução

Na última década, foi realizado um número crescente de pesquisas sobre a relação estatística entre mães que fumam durante a gravidez e o desenvolvimento de comportamentos apresentados por seus filhos,1-10 tais como problemas de conduta, hiperatividade e crime.  

Do que se trata

A maior parte dessas pesquisas focalizou:

  1. o exame de associações estatísticas entre a exposição pré-natal ao tabaco e os ajustes pós-natais; 
  2. o ajustamento dessas associações para levar em consideração fatores de confusão. A pesquisa sobre populações humanas foi suplementada por estudos com animais que examinam os efeitos da exposição pré-natal à nicotina sobre o comportamento pós-natais dos filhos.11 

Problemas

Os problemas-chave nesta área de investigação são os seguintes:

  1. estabelecer que a exposição pré-natal ao tabaco contribui de forma singular e causal para o ajustamento comportamental subsequente dos filhos; e
  2. determinar os mecanismos e processos subjacentes pelos quais a exposição pré-natal ao tabaco pode levar a uma suscetibilidade aumentada a problemas de comportamento.

Contexto de pesquisa

A maioria dos estudos que examinaram esta questão utiliza desenhos longitudinais de taxas de comportamentos externalizados para permitir a comparação entre a prole de fumantes e a prole de não-fumantes. Além disso, a maioria dos estudos inclui o controle estatístico de um espectro de fatores de confusão individuais, familiares e sociais. Estudos com humanos foram suplementados com experimentos em laboratório com animais, que examinaram os efeitos da exposição à nicotina durante a gravidez sobre o funcionamento comportamental e neurofisiológico de ratos, camundongos e porquinhos-da-Índia.

Questões-chave de pesquisa

As questões-chave de pesquisa nesta área são as seguintes: 

  1. A exposição pré-natal ao tabaco aumenta as taxas de problemas de comportamento, hiperatividade e criminalidade subsequentes dos filhos? E
  2. Se a exposição pré-natal ao tabaco tem uma relação causal com o aumento das taxas de problemas comportamentais, que mecanismos subjacentes explicam esta associação?

Resultados de pesquisas recentes 

a)Estudos com seres humanos 

Um número crescente de estudos examinou os vínculos entre exposição pré-natal ao fumo e o ajustamento subsequente na infância, na adolescência e em adultos jovens.1-10 No geral, esses estudos sugerem três generalizações sobre as relações entre a exposição pré-natal e o ajustamento comportamental subsequente dos filhos:13 

  1. Associação: Há evidências em geral consistentes que sugerem que uma maior exposição pré-natal ao fumo esteja associada a maiores taxas de problemas de conduta, hiperatividade e delinquência juvenil nos filhos. Essas associações foram encontradas na infância,1-3 na adolescência,4-7 e na idade adulta.8-10
  2. Confusão: Embora os estudos variem quanto ao controle de fatores de confusão,11 verificou-se que as associações entre a exposição pré-natal ao tabaco e o posterior ajustamento de crianças persistem após um amplo espectro de fatores individuais, sociais e familiares associados ao tabagismo durante a gravidez ser controlado.11-13 Estes controles permitiram que os pesquisadores isolassem o impacto pós-natal da exposição pré-natal ao tabaco de fatores que elevam a propensão materna a fumar durante a gravidez.
  3. Especificidade da associação: Embora os estudos tenham conseguido mostrar associações consistentes com comportamentos apresentados pelos filhos – tais como problemas de conduta, hiperatividade e criminalidade –, a exposição pré-natal ao tabaco não está relacionada a outros aspectos de ajustamento pessoal tais como distúrbios de internalização e outros problemas de saúde mental.17,14 

b)Estudos com animais 

Muitos estudos examinaram os efeitos da exposição pré-natal à nicotina sobre o comportamento pós-natal de ratos, camundongos e porquinhos-da-índia.15–17 Esses estudos possuem a vantagem de usar quantidades calibradas com precisão de exposição à nicotina e de assegurar que essa exposição não se relaciona a fatores de confusão.11 A dificuldade nos estudos com animais reside na mensuração de desfechos que sejam análogos a comportamentos externalizados em seres humanos. Todavia, estudos com animais mostraram que a exposição pré-natal à nicotina está associada a maiores níveis de atividade locomotora.15–17 Além disso, pesquisas recentes sugeriram que a exposição pré-natal ao fumo pode estar relacionada a mudanças tanto estruturais como funcionais no cérebro do feto.11 Entretanto, ainda não está claro até que ponto essas mudanças podem explicar outras associações entre a exposição pré-natal ao fumo e comportamentos externalizados em seres humanos.11 

Conclusões 

Estudos com seres humanos estabeleceram uma associação consistente e replicável entre a exposição pré-natal ao tabaco e comportamentos pós-natais antissociais. Essa associação é resiliente ao controle de fatores de confusão. Embora, de modo geral, essas evidências sejam consistentes com a hipótese de que a exposição pré-natal à nicotina leva a um aumento do risco de um comportamento antissocial subsequente dos filhos, seria imprudente tirar qualquer conclusão mais categórica com base no atual conjunto de evidências. Há muitos aspectos importantes que precisam ser abordados antes que tais conclusões possam ser tiradas. Entre esses aspectos estão:

a)Fatores Genéticos de Confusão

Embora os estudos existentes já tenham controlado um espectro relativamente amplo de fatores sociais e ambientais de confusão, uma fonte importante de confusão não controlada envolve fatores genéticos. Pode-se sugerir que a associação entre exposição pré-natal ao tabaco e problemas pós-natais de ajustamento reflita um processo genético em que os filhos de mães que fumaram durante a gravidez têm mais probabilidade de herdar genótipos associados a um maior risco de comportamentos externalizados subsequentes. Duas linhas de evidências apoiam esta conjectura. Em primeiro lugar, há uma associação reconhecida entre o tabagismo e comportamentos antissociais,18–19 o que implica que mães que fumam durante a gravidez podem tender mais a desenvolver comportamentos antissociais. Em segundo lugar, sabe-se também que o potencial de transmissão genética de comportamentos antissociais é significativamente alto.20-21 Para compreender as associações entre o tabagismo durante a gravidez e comportamentos antissociais, precisamos encontrar os caminhos e os meios de examinar o papel de fatores genéticos.

b)Identificação dos Mecanismos Subjacentes

Poderíamos interpretar mais facilmente as evidências de estudos epidemiológicos por meio da identificação das associações biológicas subjacentes entre a exposição pré-natal ao tabaco e o desenvolvimento do comportamento antissocial. Há uma diversidade de sugestões sobre os mecanismos subjacentes presentes nesses casos, entre as quais: hipoxia fetal; mudanças na absorção de serotonina; mudanças nos sistemas dopaminérgicos; e mudanças na síntese de DNA e RNA no cérebro.2,3,6,11 Essas explicações, entretanto, continuam a ser altamente especulativas.

Dadas as ambiguidades nas evidências apontadas acima, talvez a forma mais prudente de resumir a pesquisa nesta área seja dizer que o tabagismo durante a gravidez pode estar relacionado a aumento de risco de comportamentos externalizados da criança em longo prazo, mas que a origem dessa relação e o grau em que as associações estatísticas refletem processos causais permanecem altamente incertos.  

Implicações para o desenvolvimento de políticas e atendimento

Além das pesquisas atuais sobre uma possível relação causal entre a exposição pré-natal ao tabaco e um aumento subsequente da suscetibilidade para comportamentos externalizados dos filhos, há abundância de evidências epidemiológicas bem estabelecidas que apoiam iniciativas de saúde pública no sentido de reduzir e, idealmente, eliminar o tabagismo durante a gravidez. Essas evidências incluem o aumento do risco de aborto espontâneo,22 o baixo peso ao nascer,23,24 comprometimento do status perinatal,23 e redução da inteligência.25 Portanto, sob a perspectiva de desenvolvimento de políticas e serviços, os achados que discutimos aqui – sugerindo que a exposição pré-natal ao tabaco pode contribuir para o desenvolvimento de comportamentos antissociais subsequentes – acrescentam uma nova dimensão aos argumentos sobre os efeitos deletérios do tabagismo durante a gravidez. Se, por um lado, poderia ser prematuro inferir que a exposição pré-natal à fumaça de cigarro pode ser a causa de comportamentos externalizados subseqüentes, seria igualmente prematuro descartar essa possibilidade. Os resultados das pesquisas atuais sugerem que, no futuro, o aumento do risco de comportamento antissocial possa ser acrescentado à lista crescente de consequências adversas do tabagismo durante a gravidez. 

Referências

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  7. Fergusson DM, Woodward LJ, Horwood LJ. Maternal smoking during pregnancy and psychiatric adjustment in late adolescence. Archives of General Psychiatry 1998;55(8):721 727.
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  10. Rasanen P, Hakko H, Isohanni M, Hodgins S, Jarvelin MR, Tiihonen J. Maternal smoking during pregnancy and risk of criminal behavior among adult male offspring in the Northern Finland 1966 birth cohort. American Journal of Psychiatry 1999;156(6):857 862.
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  14. Orlebeke JF, Knol DL, Verhulst FC. Child behavior problems increased by maternal smoking during pregnancy. Archives of Environmental Health 1999;54(1):15 19.
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Para citar este artigo:

Fergusson D. Consumo de tabaco durante a gravidez e seu impacto no desenvolvimento da criança . Em: Tremblay RE, Boivin M, Peters RDeV, eds. Wakschlag LS, ed. tema. Enciclopédia sobre o Desenvolvimento na Primeira Infância [on-line]. https://www.enciclopedia-crianca.com/tabagismo-e-gravidez/segundo-especialistas/consumo-de-tabaco-durante-gravidez-e-seu-impacto-no. Publicado: Junho 2002 (Inglês). Consultado em 24 de abril de 2024.

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