Consumo de tabaco durante a gravidez e seu impacto sobre o desenvolvimento infantil


Carleton University, Canadá
(Inglês). Tradução: julho 2012

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Introduçao 

Embora a prevalência do tabagismo na população em geral esteja em declínio, a taxa de diminuição é menor entre as mulheres em idade reprodutiva. Ademais, pesquisas nacionais conduzidas em meados e no final da década de 1990, tanto no Canadá como nos Estados Unidos, demonstraram que, entre as mulheres grávidas, 20% fumavam durante a gravidez. Uma vez que cerca de 4 a 5 milhões de partos de nascidos vivos ocorrem anualmente na América do Norte, é enorme o número de crianças que ainda nascerão expostas aos elementos constituintes da fumaça do cigarro devido ao hábito de fumar de suas mães – sem mencionar a exposição passiva à fumaça do cigarro, mesmo que a futura mãe não seja fumante – e isso tem grandes e abrangentes repercussões para um grande número de crianças. Nesta breve e resumida revisão, abordarei descobertas dos estudos sobre o consumo de tabaco durante a gravidez relativamente a crescimento, funções cognitivas e comportamento no desenvolvimento da criança. A maioria das referências apresentadas apontará ao leitor interessado um amplo corpo de literatura sobre este tópico.

Do que se trata 

Desde seu reconhecimento em 1957,1 o efeito mais consistentemente relatado do tabagismo na gravidez tem sido a diminuição do peso do bebê ao nascer. Os dois ingredientes principais do cigarro que afetam o crescimento do feto são o monóxido de carbono e a nicotina. Ambos reduzem a quantidade de oxigênio disponível para o feto. Além disso, a nicotina pode atravessar a placenta e afetar o sistema cardiovascular e o sistema nervoso central (SNC) do feto. Em geral, aceita-se que fumar durante a gravidez reduz o crescimento do feto – peso ao nascer, comprimento ao nascer e circunferência craniana – em uma relação dose-resposta.2 Portanto, a redução média do peso ao nascer do bebê associada ao consumo de um maço de cigarros por dia é de aproximadamente 200 gramas. Entre as adolescentes grávidas – que têm maior probabilidade de fumar do que as mulheres grávidas mais velhas –, a redução de medidas ao nascer é mais pronunciada do que em uma coorte semelhante de mulheres adultas.3

Problemas, contexto e questões-chave de pesquisa

O efeito da exposição pré-natal ao cigarro sobre o crescimento em crianças mais velhas não é tão permanente quanto os efeitos dessa exposição sobre bebês e crianças pequenas. Entretanto, estudos recentes demonstraram que os efeitos negativos sobre o crescimento inicial são superados nos primeiros anos de vida.4,2,5 De fato, constatou-se que, aos seis anos, os filhos de fumantes com alto consumo de tabaco tinham peso mais alto, mas não eram mais altos que os sujeitos-controle,7 e tinham mais dobras cutâneas2 (uma medida de porcentagem de gordura no corpo). A opção pela amamentação com mamadeira ou por um período mais curto de amamentação por mulheres que fumaram durante a gravidez pareceu ter um importante papel positivo na recuperação observada entre os bebês de fumantes. Essa observação é consistente com a literatura, que mostra que os filhos amamentados com mamadeira cresceram mais rápido que as crianças amamentadas ao peito.6

Passando dos efeitos da exposição pré-natal ao fumo sobre o crescimento para uma possível relação com a cognição, a exposição in utero foi associada a orientação e responsividade auditiva mais deficiente e a um aumento de tremores e sobressaltos7 em bebês. Vários pesquisadores relataram resultados inferiores de crianças em idade pré-escolar e escolares filhas de mães fumantes em testes de desempenho cognitivo geral como um efeito relacionado à quantidade de cigarros fumados pela mãe.8-11 Em um desses testes,12  a capacidade cognitiva aos três anos de idade mostrou-se superior entre crianças cujas mães pararam de fumar durante a gravidez do que entre crianças cujas mães fumaram durante toda a gravidez. Na maioria dos estudos, a principal variável que discrimina entre filhos de mulheres que fumaram durante a gravidez e filhos de não fumantes ou de mulheres que pararam de fumar durante a gravidez foram testes no domínio verbal, incluindo desenvolvimento da linguagem,8,9 QI verbal,13 e aspectos auditivos da leitura.14 É digno de nota que um estudo recente com animais descobriu que a nicotina tem um claro efeito disruptivo sobre o desenvolvimento sináptico no córtex auditivo.15 

Pesquisadores relataram também associações entre exposição pré-natal ao tabaco e aumento de atividade, desatenção e impulsividade em sujeitos de quatro a 16 anos de idade.16 Seus relatórios também mostram uma aparente ligação entre a exposição ao cigarro in utero e problemas comportamentais e psicológicos em: crianças pequenas identificadas como sendo mais propensas a exibir comportamentos agressivos e de confrontação,17,18 crianças em idade escolar que apresentavam problemas comportamentais,19 e adolescentes que apresentavam distúrbios de conduta, uso de drogas e depressão.20,21 Finalmente, muitos pesquisadores verificaram que a exposição pré-natal ao tabaco aumentava a probabilidade de que os filhos também venham a ser fumantes21-23 – uma observação que, com base em estudos com animais, poderia ser parcialmente atribuída a mudanças fisiológicas resultantes da exposição pré-natal à nicotina.24,25

Conclusaõ

Resumindo, as evidências científicas sugerem que o tabagismo durante a gravidez está associado a vários efeitos adversos sobre o crescimento, o desenvolvimento cognitivo e o comportamento das crianças expostas. Essa associação provavelmente inclui uma interação complexa entre três fatores:

  1. um impacto neurofisiológico teratológico dos constituintes do tabaco. Esta conclusão é fortemente apoiada pelo amplo corpo de evidências que indicam que a nicotina ataca receptores neurotransmissores específicos no cérebro do feto,25 sendo que, em seres humanos, esses receptores já estão presentes na quarta semana de gestação.26 
  2. o estilo de vida prevalente entre as mulheres que fumam durante a gravidez. Este ambiente pode acarretar um risco adicional para os filhos. De fato, mulheres que fumam durante a gravidez têm menor probabilidade de amamentar e maior probabilidade de usar outras drogas, inclusive álcool. 
  3. um componente genético. A exposição pré-natal ao tabaco, por exemplo, pode ser um fator causal para a impulsividade em crianças, mas também é possível que mulheres mais impulsivas tenham maior propensão ao tabagismo e também tenham filhos mais impulsivos. A complexidade da etiologia dos desfechos adversos discutida acima indica a dificuldade de afirmar-se categoricamente que os desfechos são “causados” pela exposição pré-natal ao tabagismo. Entretanto, as evidências da literatura tanto sobre animais como sobre seres humanos é muito convincente: o tabagismo durante a gravidez é um fator que contribui para uma grande quantidade de efeitos em curto e em longo prazo sobre o crescimento e o desenvolvimento neurocomportamental dos filhos.  

Implicaçoes

O reconhecimento e o esclarecimento dos efeitos do tabagismo materno aumentarão a habilidade de administradores e profissionais de saúde para realizar intervenções informadas e informativas em diversos níveis. A maioria dos obstetras e pediatras, por exemplo, tem consciência da associação entre tabagismo e redução de peso ao nascer, mas muitos deles desconhecem os riscos em longo prazo associados ao tabagismo na gravidez. O conhecimento desses riscos facilitará a detecção precoce dessas consequências adversas do tabagismo para as crianças em risco, aumentando, assim, a probabilidade de uma intervenção bem sucedida nas áreas de desenvolvimento da linguagem e transtornos de atenção.

Por último, mas certamente não menos importante, a capacidade de especificar e tornar públicas as consequências do tabagismo durante a gravidez somaria mais um recurso ao nosso arsenal de conscientização para convencer mulheres grávidas, especialmente as mais jovens, a parar ou reduzir o consumo de tabaco. Isto também reduziria a probabilidade de que mulheres em idade reprodutiva começassem a fumar. 

Referências

  1. Simpson WJ. A preliminary report of cigarette smoking and the incidence of prematurity. American Journal of Obstetrics & Gynecology 1957;73:808-815. 
  2. Fried PA, Watkinson B, Gray R. Growth from birth to early adolescence in offspring prenatally exposed to cigarettes and marijuana. Neurotoxicology & Teratology 1999;21(5):513-525.
  3. Day N, Cornelius M, Goldschmidt L, Richardson G, Robles N, Taylor P. The effects of prenatal tobacco and marijuana use on offspring growth from birth through 3 years of age. Neurotoxicology & Teratology 1992;14(6):407-414.
  4. Cornelius MD, Taylor PM, Geva D, Day NL. Prenatal tobacco and marijuana use in adolescents: Effects on offspring gestational age, growth and morphology. Pediatrics 1995;95(5):738-743.
  5. Vik T, Jacobsen G, Vatten L, Bakketeig LS. Pre- and post-natal growth in children of women who smoked in pregnancy. Early Human Development 1996;45(3):245-255.
  6. Dewey KG, Heinig MJ, Nommsen LA, Peerson JM, Lonnerdal B. Growth of breast-fed and formula-fed infants from 0 to 18 months: the Darling study. Pediatrics 1992;89(6 pt 1):1035-1041. 
  7. Fried PA. Cigarettes and marijuana: Are there measurable long-term neurobehavioral teratogenic effects? Neurotoxicology 1989;10(3):577-583.
  8. Fried PA, Watkinson B. 12- and 24-month neurobehavioural follow-up of children prenatally exposed to marihuana, cigarettes and alcohol. Neurotoxicology & Teratology 1988;10(4):305-313.
  9. Fried PA, Watkinson,B. 36- and 48-month neurobehavioral follow-up of children prenatally exposed to marijuana, cigarettes and alcohol. Journal of Developmental and Behavioral Pediatrics 1990;11(2):49-58.
  10. Fried PA, O’Connell CM, Watkinson B. 60- and 72-month follow-up of children prenatally exposed o marijuana, cigarettes and alcohol: Cognitive and language assessment. Journal of Developmental and Behavioral Pediatrics 1992;13(6): 383-391.
  11. Olds DL, Henderson CR, Tatelbaum R. Intellectual impairment in children of women who smoke cigarettes during pregnancy. Pediatrics 1994;93(2):221-227.
  12. Sexton M, Fox NL, Hebel JR. Prenatal exposure to tobacco: II effects on cognitive functioning at age three. International Journal of Epidemiology 1990;19(1):72-77.
  13. Fried PA, Watkinson B, Gray R. Differential effects on cognitive functioning in 9 to12-year olds prenatally exposed to cigarettes and marihuana. Neurotoxicology & Teratology 1998;20(3):293-306.
  14. Fried PA, Watkinson B, Siegel LS. Reading and language in 9- to 12-year olds prenatally exposed to cigarettes and marijuana. Neurotoxicology & Teratology 1997;19(3):171-183.Fried PA, Watkinson B. Differential effects on facets of attention in adolescents prenatally exposed to cigarettes and marihuana. Neurotoxicology & Teratology 2001;23(5):421-430.
  15. Aramakis VB, Hsieh CY, Leslie FM, Metherate R. A critical period for nicotine-induced disruption of synaptic development in rat auditory cortex. Journal of Neuroscience 2000;20(16):6106-6116.
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  17. Day NL, Richardson G, Goldschmidt L, Cornelius M. Effects of prenatal tobacco exposure on preschoolers’ behavior. Journal of Developmental and Behavioral Pediatrics 2000;21(3):180-188.
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  20. Griesler PC, Kandel DB, Davies M. Maternal smoking in pregnancy, child behavior problems, and adolescent smoking.  Journal of Research on Adolescence 1998;8(2):159-185.
  21. Kandel DB, Wu P, Davies M. Maternal smoking during pregnancy and smoking by adolescent daughters. American Journal of Public Health 1994;84(9):1407-1413.
  22. Cornelius MD, Leech SL, Goldschmidt L, Day NL. Prenatal tobacco exposure: is it a risk factor for early tobacco experimentation?  Nicotine & Tobacco Research 2000;2(1):45-52.
  23. Nordberg A, Zhang XA, Fredriksson A, Erikkson P. Neonatal nicotine exposure induces permanent changes in brain nicotinic receptors and behaviour in adult mice. Developmental Brain Research 1991;63(1-2):201-207.
  24. Slotkin TA. Fetal nicotine or cocaine exposure: which one is worse? Journal of Pharmacology and Experimental Therapeutics 1998;285(3):931-945.
  25. Hellsrom-Lndhal E, Seiger A, Kjaeldgaard A, Nordberg A. Nicotine-induced alterations in the expression of nicotinic receptors in primary cultures from human prenatal brain. Neuroscience 2001;105(3):527-534.

Para citar este artigo:

Fried PA. Consumo de tabaco durante a gravidez e seu impacto sobre o desenvolvimento infantil . Em: Tremblay RE, Boivin M, Peters RDeV, eds. Wakschlag LS, ed. tema. Enciclopédia sobre o Desenvolvimento na Primeira Infância [on-line]. https://www.enciclopedia-crianca.com/tabagismo-e-gravidez/segundo-especialistas/consumo-de-tabaco-durante-gravidez-e-seu-impacto-sobre--0. Publicado: Junho 2002 (Inglês). Consultado em 19 de abril de 2024.

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