Comentários: Tecnologias de reprodução e seu impacto sobre o desenvolvimento psicossocial e emocional da criança


Macquarie University, Austrália
(Inglês). Tradução: fevereiro 2011

Versão em PDF

Introdução

Desde o nascimento do primeiro bebê gerado por meio de FIV, em 1978, o alto índice de desenvolvimento das tecnologias de reprodução dificultou o trabalho dos cientistas sociais na documentação das consequências sociais e emocionais da FIV. Na década de 1980, o foco da mídia e das pesquisas estava voltado para o impacto da tecnologia sobre as crianças, que eram denominadas “bebês de proveta” e corriam risco de passar a vida em “estufas”. Houve preocupações com relação a anomalias congênitas, ao desenvolvimento cognitivo e ao bem-estar psicológico de crianças “que não foram concebidas em um enlace amoroso conjugal como outras crianças; que são pessoas esquisitas, que foram produzidas por um processo industrial com pouco respeito à dignidade humana”.1 Houve temores também de que os pais tivessem expectativas irrealistas de uma “criança messiânica”.1 Foi somente na década de 1990 que surgiram pesquisas sistemáticas sobre os resultados de crianças concebidas por meio de FIV, e tiveram início estudos controlados. Nesse momento, ficou claro que havia diversas questões que os pesquisadores deveriam abordar: o impacto da infertilidade prévia e o estresse do tratamento de FIV sobre o bem-estar psicológico dos pais e sobre suas expectativas de ter filhos; o impacto de “procedimentos de tecnologia de ponta” sobre o embrião em desenvolvimento e, subsequentemente, sobre o desenvolvimento da criança; e o fato de que esses procedimentos permitiam que as crianças nascessem em um contexto familiar com uma mistura cada vez mais complexa de pais sociais e genéticos, por meio de doação de óvulos, espermatozóides, embriões e “barrigas de aluguel”. 

Uma vez que a FIV tornou-se cada vez mais comum – passa de 1% a proporção de crianças no mundo ocidental que foram concebidas como resultado da tecnologia –, a postura em relação a crianças FIV tem-se tornado mais positiva, e o foco de preocupações em comentários sociais foi alterado para novas aplicações da tecnologia, tais como nossa capacidade de utilizar embriões humanos excedentes para  pesquisas  de  célula-tronco, e avanços no diagnóstico genético pré-natal, permitindo a seleção de embriões com características específicas. Em suma, a preocupação mudou de “bebês de proveta” para “bebês projetados”.

Pesquisas e conclusões

A professora Golombok organizou seu estudo de pesquisas relacionadas a duas questões: procedimentos de tecnologia de ponta e procedimentos de doação de gametas. O argumento é que a questão-chave de pesquisa está relacionada às consequências da reprodução assistida sobre o desenvolvimento cognitivo, social e emocional da criança. A autora fornece uma revisão sucinta de constatações a respeito do desenvolvimento cognitivo e socioemocional de crianças não gemelares, e conclui que não foram identificadas diferenças nos resultados emocionais e comportamentais de crianças concebidas por meio de tecnologia assistida de reprodução quando comparadas a crianças concebidas naturalmente em uma variedade de contextos europeus e asiáticos. Dr. Sutcliffe1 chama a atenção para o único estudo até hoje que sugere que crianças FIV em idade escolar podem correr maior risco de dificuldades emocionais e que, quanto mais velhos os pais, maior o risco.2 Esses achados, não consistentes com o conjunto mais amplo de pesquisas, justificam maiores investigações. De maneira geral, os dois autores concluem que a pesquisa mostra mais similaridades do que diferenças quando pais e filhos FIV são comparados a famílias cujos filhos foram concebidos naturalmente. Entretanto, há preocupações em relação a pais FIV, incluindo ansiedade nos estágios iniciais de parentalidade e uma tendência a superproteção (nenhum dos dois parece estar associado com qualquer impacto adverso no relacionamento entre pais e filhos)3. Essas diferenças sutis podem refletir o caminho especial que essas famílias percorreram entre a infertilidade e a paternidade.

Sutcliffe também destaca as diversas limitações metodológicas das pesquisas existentes, que incluem: o foco nas mães, o uso de pesquisas com grupos representativos, e a exclusão, na amostra, de crianças mais vulneráveis em termos médicos (entre as quais crianças muito prematuras). Entretanto, poucos estudos incluíram a adaptação dos pais durante a transição para a paternidade4 e durante a infância e a adolescência da criança.5,6 Além disso, embora em pequena quantidade, há atualmente alguns estudos longitudinais que avaliam o ajustamento na transição para a paternidade (ver comentário na referência 3), enquanto as crianças crescem no período dos 2 aos 8 anos de idade,7 e no período dos anos pré-escolares até a adolescência.5,6

Os dois autores comentam a importante questão dos nascimentos múltiplos, mas nenhum deles analisa pesquisas voltadas ao assunto. Embora até hoje pouca informação tenha sido publicada sobre os resultados de gêmeos FIV, e embora o tamanho da amostra seja tipicamente pequena, estudos preliminares não têm relatado evidências de problemas no relacionamento entre pais e filhos ou nos resultados atingidos pelas crianças nesses casos.8 A questão de trigêmeos é mais complexa, e nenhuma pesquisa que avalia os resultados psicossociais em famílias com trigêmeos foi relatada até hoje. Claramente, é necessário que haja mais pesquisa sobre as sequelas psicossociais de nascimentos múltiplos.

Os dois autores discutem a importante questão da parentalidade genética versus biológica. Golombok focaliza questões de sigilo, e Sutcliffe levanta questões sobre o bem-estar de crianças criadas em estruturas familiares não ortodoxas – por exemplo, mães lésbicas. Em relação à doação de gametas, a análise da professora Golombok conclui que estudos existentes sugerem que crianças geradas por meio de inseminação de gametas advindas de doadores funcionam adequadamente em relação ao desenvolvimento cognitivo e socioemocional. Dois estudos sobre crianças concebidas por meio de doação de óvulo foram relatados e fornecem achados positivos similares. Não foi encontrado nenhum relato sobre os resultados obtidos por crianças concebidas por meio de doação de embrião, o que indica que essa área carece de estudos futuros. Em relação às crianças criadas em famílias não ortodoxas, um conjunto crescente de pesquisas não conseguiu demonstrar, até o momento, qualquer consequência psicossocial adversa para as crianças.9 No entanto, é necessário um acompanhamento de longo prazo.

Implicações para políticas e serviços

Ambos os autores destacam a questão da transferência de múltiplos embriões e o risco associado a nascimentos múltiplos, e defendem a transferência de um único embrião, em consonância com as recomendações da Organização Mundial da Saúde.

Golombok discute também a questão do sigilo com relação a origens genéticas, e sugere que, ainda que faltem evidências empíricas de problemas psicológicos em crianças concebidas por meio de doação de gametas, a questão do sigilo e da doação anônima precisa ser enfrentada por profissionais da área médica. Eu concordaria com esta sugestão, e acrescentaria que crianças concebidas por meio de doação de embrião são casos especiais. Não sendo geneticamente relacionadas a nenhum dos pais, essas crianças podem ser consideradas semelhantes a crianças adotadas. Há claramente analogias e lições a serem aprendidas da experiência de adoção, na qual o modelo anterior de sigilo foi substituído, uma vez que evoluiu o conceito de abertura no processo de adoção. Embora haja nítidas diferenças entre doadores de embrião e pais de nascença (nos casos de adoção), profissionais da área médica, formuladores de políticas e legisladores devem considerar o exemplo da adoção em relação ao direito da criança de conhecer seu histórico genético, e devem examinar questões relacionadas a doadores e recebedores, incluindo triagens e condições psicológicas e legais de ambos os lados.

A doação de gametas desafia a noção de paternidade biológica e legal já estabelecida, e o desequilíbrio entre oferta e procura também abre as portas para o aumento da reprodução anônima e comercializada. Formuladores de políticas e profissionais da área médica devem resolver com urgência a questão de doação de gametas e estabelecer limites.11

Sutcliffe observa a necessidade de acompanhamento de crianças FIV no longo prazo como uma maneira de prever riscos futuros – por exemplo, fertilidade reduzida e maior ocorrência de distúrbios de impressão genômica. Profissionais da área médica, formuladores de políticas e pesquisadores devem permanecer atentos ao fato de que o nascimento de uma criança por meio de tecnologias de reprodução pode ser apenas o início de uma história complexa e evolutiva, como as implicações do processo de FIV. 

Essas implicações incluem questões de divulgação, envolvimento contínuo com o tratamento FIV, decisões relacionadas a embriões congelados que não foram implantados, e resultados no longo prazo para a saúde das mães, que revelam-se com o passar do tempo.3 Além disso, é necessário um comprometimento contínuo por parte dos prestadores de serviço para avaliar as sequelas psicossociais de tecnologias novas e eficazes. Pode haver novos desafios relacionados à parentalidade e ao bem-estar psicológico das crianças, associados à concepção por mães com idade avançada e à disponibilidade de diagnóstico genético pré-natal, permitindo a produção dos chamados “bebês projetados”. 

Referências

  1. Fisher A. IVF: the critical issues. Melbourne, Australia: Collins Dove; 1989.
  2. Levy-Shiff R, Vakil E, Dimitrovsky L, Abramovitz M, Shahar N, Har-Even D, Gross S, Lermun M, Levy I, Sirota L, Fish B. Medical, cognitive, emotional and behavioral outcomes in school-age children conceived by in-vitro fertilization. Journal of Clinical Child Psychology 1998;27(3):320-329.
  3. McMahon CA, Gibson F. A special path to parenthood: parent-child relationships in families conceiving through in vitro fertilization (IVF). Reproductive Biomedicine Online 2002;5(2):179-186. Disponible sur le site: http://www.rbmonline.com/4DCGI/Article/Detail?38 1 = 620 . Page consultée le 5 juin 2003.
  4. Cohen J, McMahon C, Saunders D, Tennant C, Saunders D, Leslie G. Psychosocial outcomes for fathers after IVF conception: a controlled prospective investigation from pregnancy to four months postpartum. Reproductive Technologies 2000;10:126-130.
  5. Golombok S, Cook R, Bish A, Murray C. Families created by the new reproductive technologies: Quality of parenting and social and emotional development of the children. Child Development 1995;66(2):285-298.
  6. Golombok S, MacCallum F, Goodman E. The “test-tube” generation: Parent-child relationships and the psychological well-being of in vitro fertilization children at adolescence. Child Development 2001;72(2):599-608.
  7. Colpin H, Soenen S. Parenting and psychosocial development of IVF children: a follow-up study. Human Reproduction 2002;17(4):1116-1123.
  8. Colpin H, De Munter A, Nys K, Vandemeulebroeke L. Parenting stress and psychosocial well-being among parents with twins conceived naturally or by reproductive technology. Human Reproduction 1999;14(12):3133-3137.
  9. Brewaeys A. Review: parent-child relationships and child development in donor insemination families. Human Reproduction Update 2001;7(1):38-46.
  10. Crockin S. Where is anonymous reproduction taking us? In: Jansen R, Mortimer D, eds. Towards Reproductive Certainty: fertility & genetics beyond 1999: the plenary proceedings of the 11th World Congress on In Vitro Fertilization & Human Reproductive Genetics. Pearl River, NY: Parthenon; 1999:467-475.
  11. McGee G, Anchor J, Caplan A. Ethical issues in oocyte and embryo donation. In: Sauer MV, ed. Principles of oocyte and embryo donation. NewYork, NY: Springer; 1998:229-241.

Para citar este artigo:

McMahon C. Comentários: Tecnologias de reprodução e seu impacto sobre o desenvolvimento psicossocial e emocional da criança. Em: Tremblay RE, Boivin M, Peters RDeV, eds. Enciclopédia sobre o Desenvolvimento na Primeira Infância [on-line]. https://www.enciclopedia-crianca.com/tecnologias-de-reproducao-assistida/segundo-especialistas/comentarios-tecnologias-de-reproducao-e. Publicado: Junho 2003 (Inglês). Consultado em 4 de outubro de 2024.

Texto copiado para a área de transferência ✓