Tecnologia de reprodução e seu impacto sobre o desenvolvimento psicossocial e emocional da criança
Susan E. Golombok, PhD.
Family and Child Psychology Research Centre,Family and Children School of Social Human Science City University, Reino Unido
(Inglês). Tradução: fevereiro 2011
Introdução
Desde o nascimento do primeiro bebê produzido utilizando a fertilização in vitro, em 1978,1 avanços nos procedimentos de reprodução assistida tiveram impacto fundamental na maneira como as famílias podem ser constituídas. Atualmente é possível uma criança ter cinco pais: uma doadora de óvulo, um doador de esperma, uma mãe “barriga de aluguel” que vai “hospedar” o embrião, e os dois pais sociais que a criança vai chamar de Mamãe e Papai.2
Do que se trata
Pesquisas sobre o desenvolvimento psicológico de crianças em famílias de reprodução assistida focalizam dois procedimentos principais:
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Procedimentos de “Alta-tecnologia”, que incluem a fertilização in vitro (FIV) e injeção intracitoplasmática de espermatozóides (ICSI). A FIV envolve a fertilização de um óvulo com espermatozóides no laboratório, e o embrião resultante dessa fertilização é, então, transferido para o útero da mãe. Com a ICSI, um único espermatozóide é injetado diretamente no óvulo para gerar um embrião.
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Doação de gametas inclui inseminação artificial de espermatozoides de doador e doação de óvulo. A inseminação artificial com doador de sêmen envolve a inseminação na mulher de espermas cujo doador não é nem seu marido nem seu parceiro. A criança gerada é geneticamente relacionada à mãe, mas não ao pai. A doação de óvulo é semelhante à inseminação artificial com doador de sêmen no que diz respeito à criança ser geneticamente relacionada a apenas um dos pais, mas neste caso a mãe não tem ligação genética com a criança. A doação de óvulo é um procedimento muito mais complexo e invasivo do que a inseminação artificial com doador de sêmen, e envolve técnicas de FIV.
Problemas
Os problemas-chave nesta área de investigação são os seguintes:
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Entre os que utilizaram os procedimentos de FIV e ICSI, maior incidência de nascimentos múltiplos, nascimentos prematuros e bebês com baixo peso ao nascer.3,4 O impacto desses fatores sobre o desenvolvimento infantil deve ser levado em consideração separadamente dos impactos causados pelo FIV e pela ICSI isoladamente. Grande parte das investigações empíricas tem focalizado famílias com filhos únicos, para evitar confusões com efeitos causados por nascimentos múltiplos.
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Mães de crianças FIV são geralmente mais velhas do que mães que conceberam sem intervenções médicas, e as tentativas de equiparar as idades entre essas mães tem demonstrado dificuldades, assim como equiparar a ordem de nascimento da criança-alvo e número de crianças na família, embora alguns pesquisadores venham tentando controlar essas variáveis estatisticamente.
Contexto de pesquisa
Nessa área, a maioria dos estudos tende a utilizar grupos representativos, embora investigações longitudinais estejam começando a aparecer. Uma vez que a maioria dos pais cujos filhos foram concebidos por meio de doação de gametas não revela a seus filhos a natureza de sua concepção, não é possível estabelecer de que maneira o desenvolvimento psicológico das crianças pode ser afetado quando seus pais divulgam ou não detalhes em relação às suas origens genéticas.
Questões-chave de pesquisa
A questão-chave de pesquisas nesta área é a seguinte: quais são as consequências da reprodução assistida no desenvolvimento cognitivo, social e emocional das crianças?
Resultados de pesquisas recentes
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Procedimentos de “Alta-tecnologia”. Os primeiros estudos não controlados sobre o desenvolvimento cognitivo de crianças FIV não demonstraram prejuízo em sua capacidade cognitiva.5,6,7,8 Estudos controlados envolvendo lactentes concebidos por técnicas de FIV relataram achados similares utilizando o Bayley Scales,9,10,11 o teste Brunet-Lezine12 e o General Cognitive Index13 (Índice Cognitivo Geral). Na Bélgica14 e no Reino Unido,15,16 nenhuma evidência de atraso no desenvolvimento mental foi encontrada em estudos entre crianças geradas por meio de ICSI. Embora um estudo na Austrália tenha encontrado evidências de comprometimento cognitivo,17 não houve diferenças entre crianças ICSI e os grupos de controle quando as crianças foram acompanhadas até os 5 anos de idade, ponto no qual o tamanho da amostra havia aumentado.18
Em um estudo prospectivo em relação ao desenvolvimento socioemocional, as mães de bebês FIV classificaram seus filhos como sendo crianças de temperamento mais difícil do que os bebês cujas mães conceberam naturalmente, e essas crianças demonstraram comportamentos mais negativos em relação a estresse.19 Entre grupos de crianças com 1 ano de idade, nenhuma diferença foi encontrada em relação ao desenvolvimento social ou por meio da aplicação de testes comportamentais. Entretanto, as mães FIV classificaram seus filhos como crianças que têm maiores dificuldades comportamentais e temperamento mais difícil do que o grupo de controle.20 Os autores sugeriram que essas constatações podem estar relacionadas à maior ansiedade das mães FIV em relação ao bem-estar de seus filhos. A segurança do apego do lactente com a mãe também foi avaliada aos 12 meses de idade por meio do procedimento Situação de Estranhamento.21 Crianças FIV demonstraram predominantemente relações de apego seguro, e não houve diferenças entre grupos na proporção classificada como “apego inseguro”. Em estudos realizados na Bélgica,22 em Taiwan,23 na Suécia5 e na Holanda,24 não foram identificadas diferenças de comportamento entre crianças FIV e crianças geradas naturalmente. Além disso, o Estudo Europeu sobre Famílias por Reprodução Assistida (European Study of Assisted Reproduction Families)25,26 relatou que crianças FIV não mostraram diferenças em relação à presença de distúrbios psicológicos se comparadas a crianças concebidas naturalmente. Uma investigação realizada sobre o bem-estar psicológico de crianças nascidas pela técnica de ICSI não constatou evidências de níveis elevados de problemas emocionais e comportamentais se comparadas a crianças FIV e crianças concebidas naturalmente.27
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Doação de gametas. A respeito do desenvolvimento cognitivo, dois estudos na Austrália28,29 e um na Suécia30 constataram que crianças concebidas por meio de inseminação artificial com doação de sêmen (ID) demonstraram desenvolvimento acima da média nas áreas intelectuais e psicomotoras. No único estudo controlado, constatou-se que crianças concebidas por meio de inseminação artificial com doação de sêmen mostraram-se mais avançadas em relação ao desenvolvimento psicomotor e linguagem do que crianças concebidas naturalmente.31 Uma investigação do desenvolvimento cognitivo de crianças concebidas por meio de doação de óvulos não constatou nenhuma evidência de retardo psicomotor.32
Estudos iniciais não controlados sobre o desenvolvimento socioemocional de crianças concebidas por ID não constataram evidências de problemas emocionais e comportamentais.28,29 Embora um estudo tenha relatado maior incidência de problemas psicológicos entre crianças geradas por ID do que em crianças concebidas naturalmente,31 estudos controlados que utilizaram medidas padronizadas constataram que crianças geradas por ID demonstraram adequação em todas as áreas de desenvolvimento.25,26 Em uma investigação na Finlândia, casais receptores de doação de óvulos tinham menor probabilidade de expressar preocupação em relação ao comportamento de seus filhos do que pais que recorreram à FIV,33 e não foi constatada nenhuma evidência de dificuldades psicológicas entre crianças concebidas por meio de doação de óvulos em um estudo conduzido no Reino Unido.34
Conclusões
A constituição de famílias por meio de reprodução assistida tem levantado diversas preocupações sobre consequências potencialmente adversas em relação ao desenvolvimento infantil. Aparentemente, com base nas evidências coletadas até o momento, essas preocupações são infundadas. Não há evidências de prejuízos cognitivos em crianças (não gêmeas) concebidas por meio de procedimentos de FIV, embora achados em relação a crianças geradas por meio da técnica de ICSI permaneçam inconclusivos. Seria admissível que os relatos de funcionamento cognitivo superior entre crianças geradas por meio de ID – que não foram apoiados por estudos controlados realizados em larga-escala – resultassem da utilização do sêmen de doadores com alto nível educacional. Em relação ao desenvolvimento socioemocional, crianças concebidas por meio de reprodução assistida parecem ter funcionamento adequado. As maiores dificuldades de lactentes gerados por FIV são baseadas em relatos maternos, e provavelmente resultam do alto nível de preocupação de mães FIV. Estudos de crianças durante os anos pré-escolares não indicam maior incidência de problemas emocionais ou comportamentais entre crianças concebidas por meio de reprodução assistida.
Implicações para políticas e serviços
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Uma das questões mais problemáticas associadas à prática de reprodução assistida é a alta incidência de nascimentos múltiplos. Os riscos associados a nascimentos múltiplos em relação a mortalidade perinatal, problemas neonatais, deficiências físicas e danos cognitivos foram amplamente documentados. A Organização Mundial da Saúde recomendou a transferência de um menor número de embriões em procedimentos de FIV.3
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A maioria das crianças concebidas por doação de gametas cresceu sem saber que não tem uma relação genética com um ou ambos os pais. Embora a ausência de problemas psicológicos em crianças concebidas por meio de doação de gametas sugira que o sigilo não gera resultados adversos, isto não significa que seja melhor para as crianças não ter conhecimento da natureza de sua concepção. Há uma preocupação crescente entre profissionais das áreas de adoção e terapia em família e de alguns adultos que recorreram à ID com relação ao sigilo que permeia a doação de gametas. O amplo uso de doadores anônimos evita que a criança que fica sabendo da natureza de sua concepção ou que descobre que foi gerada por meio de doação de gametas obtenha informações em relação a seu pai genético.
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Para citar este artigo:
Golombok SE. Tecnologia de reprodução e seu impacto sobre o desenvolvimento psicossocial e emocional da criança. Em: Tremblay RE, Boivin M, Peters RDeV, eds. Enciclopédia sobre o Desenvolvimento na Primeira Infância [on-line]. https://www.enciclopedia-crianca.com/tecnologias-de-reproducao-assistida/segundo-especialistas/tecnologia-de-reproducao-e-seu-impacto. Publicado: Junho 2003 (Inglês). Consultado em 4 de outubro de 2024.
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