Discalculia em idade precoce


University of Missouri, EUA
, Ed. rev. (Inglês). Tradução: fevereiro 2017

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Introdução

Discalculia consiste em uma dificuldade persistente de aprendizagem e de compreensão da matemática. Para as crianças, essas dificuldades se manifestam no aprendizado lento dos conceitos numéricos e da aritmética básica. Durante os anos pré-escolares, a principal dificuldade que pode indicar risco de dificuldades em matemática em longo prazo é o aprendizado atrasado das magnitudes associadas às palavras numéricas e aos algarismos arábicos (ou seja, aprender seus valores cardinais) e, nos primeiros anos do ensino fundamental, uma baixa compreensão das relações entre os números (por exemplo, 17 = 10 mais 7) e as dificuldades em realizar fatos matemáticos para a memória de longo prazo.1 Esses atrasos precoces prejudicam o progresso das crianças no aprendizado de outras áreas da matemática, nas quais esse conhecimento básico é fundamental, e cria dificuldades para que elas alcancem seus pares. Felizmente, os pesquisadores começaram a desenvolver e testar intervenções para prevenir ou melhorar essas deficiências precoces.2,3

Do que se trata: qual a incidência de discalculia?

Entre 3% e 8% das crianças em idade escolar apresentam graves e persistentes dificuldades – que as acompanham de um ano para outro do ensino fundamental – no aprendizado de alguns aspectos relacionados aos números e à aritmética, ou da matemática em geral.4,5 Estes e outros estudos indicam que tais distúrbios de aprendizagem, ou discalculia, não estão fortemente relacionados à inteligência ou à motivação, mas muitas dessas crianças têm dificuldade em guardar algo em mente quando estão fazendo alguma outra coisa, ou seja, elas têm deficiências relacionadas à memória de trabalho.

A verificação de que 3% a 8% das crianças têm discalculia é enganosa em alguns aspectos. Por um lado, os bloqueios são artificiais, porque a competência matemática varia em uma sequência contínua, e as crianças identificadas como discalcúlicas estão simplesmente na extremidade inferior da sequência contínua, os bloqueios diagnosticados poderiam se deslocar para cima ou para baixo. Por outro lado, muitas dessas crianças têm déficits específicos em uma ou algumas áreas da matemática (por exemplo, lembrando de fatos matemáticos básicos), mas, frequentemente apresentam um desempenho igual ou superior ao esperado em outras áreas (por exemplo, compreensão conceitual dos números). Aproximadamente metade dessas crianças também apresentam atraso no aprendizado da leitura, ou têm dificuldades com a leitura, e muitas apresentam o transtorno de déficit de atenção.6

Problemas: quais são as características comuns da discalculia?

Durante os anos pré-escolares, as crianças em risco de apresentar posteriormente problemas em matemática, têm uma compreensão atrasada sobre o significado das palavras numéricas e dos algarismos arábicos. 

Durante os anos escolares do ensino fundamental, muitas crianças com discalculia têm dificuldades em guardar fatos básicos na memória de longo prazo. Pode ser que em um determinado dia elas aprendam e se lembrem de que ‘5 x 2 = 10’, mas se esquecem disso no dia seguinte, ou acessam uma resposta relacionada, mas errada, em sua memória (por exemplo, ‘7’, confundindo ‘5 + 2’ com ‘5 x 2’).

Contexto de pesquisa e resultados de pesquisas recentes 

Número

Como observado, as crianças na pré-escola que apresentam lentidão no aprendizado do significado das palavras numéricas e dos algarismos arábicos (por exemplo, de que ‘quatro’ e ‘4’ representam um grupo de quatro coisas) estão em uma situação de maior risco do que as outras crianças em relação a ter um desempenho deficiente em matemática em longo prazo. A compreensão do significado das palavras numéricas e dos numerais é fundamental para o aprendizado posterior da matemática e, portanto, esses atrasos precoces podem ter um efeito cascata, tornando-se atrasos maiores na compreensão das relações entre os números, como de que 25 é composto por 2 dezenas e 5 unidades. Essa compreensão atrasada, por sua vez, pode influenciar no aprendizado da aritmética.7

Aritmética

As habilidades básicas de aritmética de crianças com discalculia têm sido extensamente estudadas.8,9 Esses estudos – que se focaram na forma que as crianças resolvem problemas aritméticos simples (por exemplo, 4+5=?), contando nos dedos ou lembrando a resposta –, revelaram diversos padrões muito consistentes.

Em primeiro lugar, muitas crianças com discalculia têm dificuldade de lembrar de fatos aritméticos básicos, como a resposta para 5+3.1 Não é que essas crianças não se lembrem de nenhum fato aritmético, mas sim que elas não lembram tantos desses fatos quanto as outras crianças, e parecem esquecer muito rapidamente. Em segundo lugar, muitas dessas crianças utilizam estratégias imaturas de resolução de problemas. Por exemplo, dependem da contagem nos dedos para resolver problemas matemáticos por um período mais prolongado do que outras crianças e cometem mais erros de contagem. Muitas dessas crianças recuperam o terreno perdido em relação às estratégias de resolução de problemas, mas têm um problema mais persistente para lembrar de fatos.8

Questões-chave de pesquisa: desenvolvimento socioemocional

Esta é uma área em que há muito pouca pesquisa. No entanto, atualmente entendemos que a ansiedade em relação à matemática pode induzir a erros, porque as preocupações com o desempenho podem intervir na consciência e interferir com os recursos da memória de trabalho necessária para a resolução de problemas matemáticos.10 Embora a ansiedade em relação à matemática tipicamente não apareça até que se tornem aparentes o atraso na compreensão dos números, é muito provável que a discalculia acabe por resultar em frustração, aversão e ansiedade excessiva quando a criança precisa resolver problemas matemáticos. Qualquer nível de ansiedade se somará ao déficit cognitivo subjacente e, quase certamente, dificultará ainda mais a aprendizagem de matemática. 

Conclusões

Entre 3% e 8% das crianças em idade escolar apresentam evidências de discalculia. Os primeiros sinais dessa forma de incapacidade incluem má compreensão da magnitude dos números (por exemplo, que 8 < 9) e utilização de estratégias imaturas durante a resolução de problemas matemáticos. Um dos problemas mais comuns e persistentes é a dificuldade de lembrar fatos aritméticos básicos (por exemplo, 4+2=6). Essas crianças tendem a correr risco de desenvolver ansiedade em relação à matemática, o que pode conduzir à aversão matemática e dificultar ainda mais a aquisição de habilidades básicas nesta área. 

Implicações: para onde vamos a partir daqui?

Há muito a ser feito nesta área em termos de pesquisa básica, avaliação e diagnóstico e, evidentemente, remediação, mas, ao mesmo tempo, foram feitos avanços importantes nos últimos anos.

Pesquisa básica

Entre os avanços recentes está uma melhor compreensão das habilidades quantitativas precoces que definem a base da aprendizagem da matemática na escola. Atualmente, parece que o importante para as crianças de 3 a 4 anos é aprender a sequência de contagem padrão (um, dois, três...) e os numerais básicos (1, 2, 3...), além do mais importante ainda, chegar a entender os valores cardinais que eles representam (por exemplo, que ‘3’ e ‘três’ representam quaisquer três coisas). Na época em que elas entram no primeiro ano, as crianças ter uma compreensão firme dos números e das relações entre eles (por exemplo, de que 6 = 5+1, 4+2, 3+3...). As crianças que estiverem atrasadas em relação à aprendizagem dos números e da aritmética básica têm um risco maior de ficar atrás de seus pares na aprendizagem de matemática e de apresentar defasagem no desempenho durante os anos escolares.

Mesmo com esses avanços, precisamos aprender mais sobre a genética da discalculia e o conhecimento neurológico e cognitivo mais precoce que possam estar envolvidos nos atrasos relacionados aos números e à aprendizagem da aritmética. Precisamos saber mais sobre a ocorrência concomitante de problemas de leitura e de matemática, e de que forma esses problemas podem estar relacionados ao risco de ansiedade em relação à matemática e de aversão à escola. 

Diagnóstico e Remediação

Geralmente, as crianças com escores abaixo do 25º percentil nos testes de matemática padronizados por dois ou mais anos consecutivos apresentam risco de ter um desempenho matemático deficiente em longo prazo, mesmo se elas não tiverem os déficits cognitivos inerentes (por exemplo, memória fraca para fatos básicos) que contribuem para a discalculia. Uma instrução ou motivação deficiente podem contribuir para o desempenho médio baixo de muitas dessas crianças. As crianças que, consistentemente (ano após ano) têm escores abaixo do 10º percentil (cerca de 3 a 8% das crianças), muito provavelmente, têm discalculia. Essas crianças aprendem os números e aritmética, assim como outros aspectos da matemática, mas tendem a ficar defasados em relação aos seus pares.

Os Doutores Fuchs e Menon estão trabalhando no desenvolvimento de intervenções para essas crianças, tentando entender melhor os sistemas cerebrais que contribuem para seu atraso na aprendizagem da matemática.2,3

Funcionamento socioemocional

Além da remediação dos déficits cognitivos associados à discalculia, é preciso cuidar da ansiedade e da aversão em relação à matemática que provavelmente resultarão desses déficits.10 Se não se der atenção à frustração e à ansiedade que tendem a associar-se à discalculia, existe o risco de desenvolvimento de problemas exacerbados e de longo prazo em relação à matemática. 

Referências

  1. Geary DC. Mathematics and learning disabilities. Journal of Learning Disabilities 2004;37(1):4-15.
  2. Fuchs LS, Geary DC, Compton DL, Fuchs D, Schatschneider C, Hamlett CL, Deselms J, Seethaler PM, Wilson J, Craddock CF, Bryant JD, Luther K, Changas P. Effects of first-grade number knowledge tutoring with contrasting forms of practice. Journal of Educational Psychology 2013; 105, 58-77.
  3. Jolles D, Supekar K, Richardson J, Tenison C, Ashkenazi S, Rosenberg-Lee M, Fuchs L, Menon V. Reconfiguration of parietal circuits with cognitive tutoring in elementary school children. Cortex 2016;83:231-45. 
  4. Badian NA. Dyscalculia and nonverbal disorders of learning. In: Myklebust HR, ed. Progress in learning disabilities Vol 5. New York, NY: Grune & Stratton; 1983:235-264.
  5. Kosc L. Developmental dyscalculia. Journal of Learning Disabilities 1974;7(3):164-177.
  6. Shalev RS, Manor O, Gross-Tsur V. The acquisition of arithmetic in normal children: Assessment by a cognitive model of dyscalculia. Developmental Medicine and Child Neurology 1993;35(7):593-601.
  7. Geary DC, vanMarle K. Young children’s core symbolic and non-symbolic quantitative knowledge in the prediction of later mathematics achievement. Developmental Psychology 2016; 52, 2130-2144.
  8. Geary DC, Hoard MK, Nugent L, Bailey DH. Mathematical cognition deficits in children with learning disabilities and persistent low achievement: A five year prospective study. Journal of Educational Psychology 2014; 104, 206–223.
  9. Jordan NC, Hanich LB, Kaplan D. Arithmetic fact mastery in young children: A longitudinal investigation. Journal of Experimental Child Psychology 2003;85(2):103-119.
  10. Moore AM, McAuley AJ, Allred GA, Ashcraft MH. Mathematics anxiety, working memory, and mathematical performance. In Chinn S, ed. The Routledge International Handbook of Dyscalculia and Mathematical Learning Difficulties. NY Routledge; 2014: 326-336.

Para citar este artigo:

Geary DC. Discalculia em idade precoce. Em: Tremblay RE, Boivin M, Peters RDeV, eds. Enciclopédia sobre o Desenvolvimento na Primeira Infância [on-line]. https://www.enciclopedia-crianca.com/disturbios-de-aprendizagem/segundo-especialistas/discalculia-em-idade-precoce. Atualizada: Fevereiro 2017 (Inglês). Consultado em 25 de abril de 2024.

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