Indo além das falsas dicotomias na área da aprendizagem por meio de jogos e brincadeiras: Comentário geral


Ontario Institute for Studies in Education, University of Toronto, Canadá
(Inglês). Tradução: fevereiro 2018

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Introdução

É encorajador ver um aumento da quantidade de pesquisas que buscam entender como melhor promover o desenvolvimento social, emocional e cognitivo das crianças pequenas através da aprendizagem por meio de jogos e brincadeiras. Sendo assim, o campo está repleto de diversas definições ou objetivos relacionados à aprendizagem por meio de jogos e brincadeiras, pois há uma miríade de diferentes noções de outros benefícios relacionados e apregoados da “aprendizagem precoce”. Devido à falta de consenso em relação às evidências, continua sendo difícil prosseguir de forma coerente, confiável e válida a partir de evidências para melhorar a pedagogia, o design ambiental da aprendizagem precoce e a política.

A editora de tópicos Angela Pyle e sua coautora Erica Danniels1 oferecem uma avaliação excelente dos desafios, observando, por exemplo, duas atuais diferentes abordagens de pesquisas. Por um lado, há aqueles que se focam nos resultados evolucionários da aprendizagem por meio de jogos e brincadeiras, como a autorregulação e a concomitante “brincadeira livre” – um tipo de “faça como quiser” para as crianças – e um papel passivo para os educadores. Os esforços contrários são evidenciados por pressões para garantir que as crianças sejam mais bem-sucedidas academicamente, tendo um foco em ter mais atividades dirigidas pelos educadores. A Dra. Pyle sugere que tantos os resultados do desenvolvimento como os acadêmicos podem ser alcançados através da aprendizagem por meio de jogos e brincadeiras. Ela oferece uma direção alentadora com seu trabalho,2,3 que aponta o caminho para alcançar algo amplamente ausente, ou seja, um equilíbrio integrado e eficaz entre os extremos de uma abordagem totalmente dirigida pela criança e a abordagem totalmente dirigida pelo educador. Eu concordo com ela.

Pesquisa e Conclusões - Tentando encontrar conforto na zona cinzenta 

Os colaboradores oferecem uma contribuição útil ao campo no que se refere às definições e objetivos dos jogos e brincadeiras e, coletivamente, ilustram as diferenças observadas por Pyle. O contexto é importante e, considerando que a maioria dos colaboradores está baseada nos EUA, observa-se a quantidade decrescente de tempo alocado às diversas formas de oportunidades de aprendizagem por meio de jogos e brincadeiras, devido à pressão cada vez maior para alcançar melhores resultados no desempenho. Enquanto que, no Canadá, relata-se que grande parte da educação pré-escolar adota uma forma ou outra de aprendizagem por meio de jogos e brincadeiras. As inconsistências internacionais na implementação da aprendizagem por meio de jogos e brincadeiras como ferramenta pedagógica resulta em mais desafios para a pesquisa que trata da aprendizagem por meio de jogos e brincadeiras.

Daubert, Ramani e Rubin4 fornecem a noção de jogos e brincadeiras com mais ênfase na liderança da criança, enfatizando seu papel no desenvolvimento social e emocional, reforçando os jogos e brincadeiras intrinsicamente ilimitados e “sem regras”, evitando as “regras orientadoras”. Entretanto, sua noção de que “a brincadeira é somente um faz de conta” é confusa, considerando que a maioria dos defensores da aprendizagem e dos jogos e brincadeiras emergentes enfatiza que grande parte da aprendizagem por meio de jogos e brincadeiras envolve a curiosidade e os interesses naturais de uma criança que comunica um interesse natural em tentar “resolver um problema” no ambiente natural ou em um contexto pré-escolar com diversas áreas de jogos e brincadeiras.5

Em relação à aprendizagem por meio de jogos e brincadeiras que tem a intenção de construir um “faz de conta”, o trabalho de Berk6 sobre o papel das brincadeiras de faz de conta e seu impacto nos benefícios sociais e emocionais — em particular, na autorregulação -- dá um bom exemplo de brincadeira dirigida por normas básicas desenvolvidas pelo professor. Oportunidades de improvisação para as crianças para imaginar e transformar alguns objetos, dando-lhes um uso diferente, têm demonstrado algum potencial. Embora esse trabalho, no espectro, esteja um pouco mais próximo do fim direcionado pelo professor, ele certamente se aproxima mais do equilíbrio apresentado pelo desafio de Pyle.

Bergen7 observa que justificar a aprendizagem por meio de jogos e brincadeiras para atender a uma pressão do ambiente tem resultado em mais pesquisas e no que ela chama de jogos e brincadeiras “construtivos” e efeitos nas habilidades da linguagem, da leitura e da matemática. Naturalmente, é fácil deduzir que os jogos e brincadeiras que não tenham em mente esses resultados mais acadêmicos não são “construtivos” em relação à trajetória do desenvolvimento de uma criança. Não obstante o que ela realmente queira dizer com jogos e brincadeiras “construtivos”, Bergen entende claramente a necessidade de buscar pesquisas e pedagogias que visem alcançar o equilíbrio de criar um ambiente que impacte o desenvolvimento social, emocional e cognitivo da criança. Ela, com razão, aponta para a necessidade de haver mais pesquisas que meçam coisas como a autorregulação e a alfabetização, e práticas pedagógicas que encontrem aquela zona cinzenta do equilíbrio entre abordagens totalmente dirigidas pelas crianças e dirigidas pelo professor. Hassinger-Das, Zosh, Hirsh-Pasek e Golinkoff8 também falam sobre como uma abordagem por meio de jogos e brincadeiras dentro de um “ambiente dirigido” pode impactar no desenvolvimento de conceitos matemáticos.

Weisberg e Zosh9 descrevem um equilíbrio muito promissor. Eles observam claramente o papel essencialmente importante do educador como criador do ambiente e guia. É absolutamente fundamental garantir que as crianças tenham acesso a cenários (incluindo ao ar livre) ricos de possibilidades para que elas coloquem em uso sua curiosidade natural de resolver problemas, para aprender através de coisas que não “funcionam” quando elas brincam.  Da mesma forma, longe de simplesmente deixar as coisas acontecerem, esses colegas entendem a essência dos “jogos ou brincadeiras dirigidos” – guiados pela interseção do ambiente que já está “dentro” da criança, e pelos adultos presentes em seu meio, os quais fazem algumas perguntas sutis à criança. “O que aconteceria se...?” “Nossa, que interessante, fale mais sobre isso!” Os autores descrevem o equilíbrio de forma simples: “Deixar que um adulto prepare a situação e ofereça alguns estímulos ao longo da atividade... mantendo a autonomia da criança.”

Edwards10 questiona os educadores e pesquisadores da aprendizagem precoce em relação ao uso apropriado dos jogos e brincadeiras digitais. Reforçar o uso generalizado de dispositivos digitais, uma precaução óbvia sobre como melhor incorporar o uso da tecnologia digital à aprendizagem por meio de jogos e brincadeiras e como ajustar seu uso, já predominante, exige uma pesquisa cuidadosa, que preencha a lacuna atual. Considerando o aumento de fornecedores comerciais que têm como foco o “mercado” da primeira infância, é essencial encontrar uma resposta baseada em evidências sobre os potenciais efeitos danosos nas crianças pequenas. 

Finalmente, DeLuca11 chama a atenção para os importantes desafios da análise nos ambientes da aprendizagem precoce. Seu foco principal, acertadamente, está nos desafios em medir o progresso do desenvolvimento de cada criança e a necessidade de desenvolver abordagens que possam ser integradas facilmente no já desafiante programa do educador.  Há novas abordagens promissoras a serem usadas como documentação, algumas delas baseadas em dados digitais, fáceis de usar e que realmente envolvem as pessoas importantes na vida da criança, para compartilhamento de histórias construídas em conjunto que retratem o progresso do desenvolvimento. Para a análise, é essencial concordar quanto às medidas apropriadas para os resultados selecionados, como as habilidades socioemocionais, da fala e linguagem e do raciocínio cognitivo. É necessário haver muito mais trabalhos de criação de pesquisas e implementação. É também importante que a “análise” seja vista em um contexto muito mais amplo, incluindo pesquisas formativas e trabalhos de avaliação que busquem responder a outras perguntas sobre os ambientes da aprendizagem precoce.

Implicações no desenvolvimento e nas políticas: Concluindo com uma história

A importante contribuição de Pyle afirma que precisamos garantir o equilíbrio pedagógico entre a curiosidade natural de uma criança e um ambiente que proporcione uma orientação intencional para promover e apoiar o progresso relacionado aos benefícios essenciais do desenvolvimento. É fundamental evitar a abordagem do “faça como quiser” ilimitado, em um extremo, e a abordagem de cima para baixo dirigida pelo professor, no outro extremo. Pyle está certa, mas alcançar isso exige vencer desafios muito difíceis.

Primeiramente, uma história.

Era uma vez, um professor da Universidade de Toronto foi visitar um programa pré-escolar na região de Toronto. Ele gostava muito de acompanhar esses programas e estava contente com o progresso que estava sendo alcançado em Ontário em relação à aprendizagem por meio de jogos e brincadeiras para as crianças de quatro e cinco anos. Ao longo dos sete anos do programa, a implementação de uma abordagem consistente com sua implementação tem melhorado. Nesse dia, durante um período de três horas ficando simplesmente observando as crianças brincar, o professor – vamos chamá-lo de Charles – fixou sua atenção em uma menina de quatro anos que estava em uma estação de água. Ela começou transferindo a água de um recipiente plástico de tamanho médio para um copo pequeno e observando como, instantaneamente, a água transbordava do recipiente menor. Um educador da primeira infância observava por perto enquanto a criança tentava novamente, derramando a água mais lentamente e preenchendo o copo menor com mais cuidado. O educador perguntou calmamente, “então, o que está acontecendo?”, e a criança respondeu, “a água desde aqui é demais para esse outro?” Quais foram as observações feitas pelo professor? “Lei da conservação da matéria de Piaget? O princípio da flutuabilidade de Arquimedes?  Habilidades de aproximação sucessivas? É fácil imaginar essa menina daqui a trinta anos como pós-doutora em bioquímica.”

As contribuições desses acadêmicos são muito importantes para a atual necessidade de entender melhor e comprovar os benefícios sociais, emocionais, cognitivos e econômicos das oportunidades de alta qualidade da aprendizagem precoce por meio de jogos e brincadeiras. É preciso colocar à prova o desenvolvimento de mais clareza sobre todos os diversos benefícios e projetos de pesquisa fundamentados com indicadores confiáveis e válidos. É importante destacar que o maior desafio é avançar com as pesquisas que reforcem as promessas de um equilíbrio da zona cinzenta com a pedagogia previsível e consistente, equilibrando os extremos com o conhecimento de que é muito mais fácil adotar a abordagem do “faça como quiser” do que a “orientação por estímulos”, necessária para alcançar o meio termo. Pesquisas e políticas que possam demonstrar o papel permanentemente em evolução do educador em um ambiente de aprendizagem que forneça possibilidade de oportunidades de jogos e brincadeiras que equilibrem a abordagem centrada na criança e aquela direcionada por adultos, e onde o fornecimento dessas oportunidades seja orientado pelos objetivos da aprendizagem, podem proporcionar uma estrutura promissora para um programa baseado em jogos e brincadeiras que trate a aprendizagem das crianças de forma abrangente. Após sete anos de implementação, com ênfase no equilíbrio observado por Pyle, nosso estudo de caso de Ontário oferece uma pequena promessa nesse sentido, com uma consistência pedagógica cada vez maior, juntamente com resultados de pesquisa encorajadores.12

Referências

  1. Danniels E, Pyle A. Defining Play-based Learning. In: Tremblay RE, Boivin M, Peters RDeV, eds. Pyle A, topic ed. Encyclopedia on Early Childhood Development [online]. http://www.child-encyclopedia.com/play-based-learning/according-experts/defining-play-based-learning. Published January 2018. Accessed January 15, 2018.
  2. Pyle, A, Danniels, E. A continuum of play-based learning: The role of the teacher in a play-based pedagogy and the fear of hijacking play. Early Education & Development. 2017; 28(3):274-289.
  3. Pyle, A, Prioletta, J, Poliszczuk, D. The play-literacy interface in full-day kindergarten classrooms. Early Childhood Education Journal. 2018;46:117-127. 
  4. Daubert EN, Ramani GB, Rubin KH. Play-Based Learning and Social Development. In: Tremblay RE, Boivin M, Peters RDeV, eds. Pyle A, topic ed. Encyclopedia on Early Childhood Development [online]. http://www.child-encyclopedia.com/play-based-learning/according-experts/play-based-learning-and-social-development. Published January 2018. Accessed January 15, 2018
  5. Saracho O, Spodek B. A historical overview of theories of play. In: Saracho O, Spodek B, eds. Multiple perspectives on play in early childhood education. New York: NY; State University of New York Printers, 1998:1-10.
  6. Berk LE. The Role of Make-Believe Play in Development of Self-Regulation. In: Tremblay RE, Boivin M, Peters RDeV, eds. Pyle A, topic ed. Encyclopedia on Early Childhood Development [online]. http://www.child-encyclopedia.com/play-based-learning/according-experts/role-make-believe-play-development-self-regulation. Published January 2018. Accessed January 15, 2018.
  7. Bergen D. Cognitive Development in Play-Based Learning. In: Tremblay RE, Boivin M, Peters RDeV, eds. Pyle A, topic ed. Encyclopedia on Early Childhood Development [online]. http://www.child-encyclopedia.com/play-based-learning/according-experts/cognitive-development-play-based-learning. Published January 2018. Accessed January 15, 2018.
  8. Hassinger-Das B, Zosh JM, Hirsh-Pasek K, Golinkoff RM. Playing to Learn Mathematics. In: Tremblay RE, Boivin M, Peters RDeV, eds. Pyle A, topic ed. Encyclopedia on Early Childhood Development [online]. http://www.child-encyclopedia.com/play-based-learning/according-experts/playing-learn-mathematics. Published January 2018. Accessed January 15, 2018.
  9. Weisberg DS, Zosh JM. How Guided Play Promotes Early Childhood Learning. In: Tremblay RE, Boivin M, Peters RDeV, eds. Pyle A, topic ed. Encyclopedia on Early Childhood Development [online]. http://www.child-encyclopedia.com/play-based-learning/according-experts/how-guided-play-promotes-early-childhood-learning. Published January 2018. Accessed January 15, 2018.
  10. Edwards S. Digital Play. In: Tremblay RE, Boivin M, Peters RDeV, eds. Pyle A, topic ed. Encyclopedia on Early Childhood Development [online]. http://www.child-encyclopedia.com/play-based-learning/according-experts/digital-play. Published January 2018. Accessed January 15, 2018.
  11. Deluca C. Assessment in Play-Based Learning. In: Tremblay RE, Boivin M, Peters RDeV, eds. Pyle A, topic ed. Encyclopedia on Early Childhood Development [online]. http://www.child-encyclopedia.com/play-based-learning/according-experts/assessment-play-based-learning. Published January 2018. Accessed January 15, 2018.
  12. Pelletier J. Children gain learning boost from two-year, full-day kindergarten. The Conversation website. https://theconversation.com/children-gain-learning-boost-from-two-year-full-day-kindergarten-79549. Updated August 2, 2017. Accessed January 15, 2018.

Para citar este artigo:

Pascal CE. Indo além das falsas dicotomias na área da aprendizagem por meio de jogos e brincadeiras: Comentário geral. Em: Tremblay RE, Boivin M, Peters RDeV, eds. Pyle A, ed tema. Enciclopédia sobre o Desenvolvimento na Primeira Infância [on-line]. https://www.enciclopedia-crianca.com/aprendizagem-por-meio-de-jogos-e-brincadeiras/segundo-especialistas/indo-alem-das-falsas-dicotomias. Publicado: Fevereiro 2018 (Inglês). Consultado em 5 de novembro de 2024.

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