Atenção e desenvolvimento inicial do cérebro


Department of Psychology, University of Tennessee, EUA Department of Psychology, University of South Carolina, EUA
(Inglês). Tradução: agosto 2013

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Introdução

A atenção desempenha diversas funções relacionadas com o processamento de informações. Seleciona determinados eventos ou objetos no ambiente sobre os quais se concentra e mantém o foco enquanto as informações fornecidas por esse objeto são processadas. Além disso, enquanto está focalizada sobre um objeto, a atenção não é desviada por fontes de distração. Esses aspectos da atenção mostram mudanças importantes no desenvolvimento nos primeiros meses de vida da criança.

Do que se trata

Em bebês, acredita-se que a atenção mude com a idade acompanhando as mudanças na função cerebral. Diversos cientistas interessados no desenvolvimento cognitivo inicial propuseram modelos de desenvolvimento da atenção com base no desenvolvimento neurológico, a partir de constatações comportamentais em bebês humanos, integrados a constatações relacionadas a mudanças na função cerebral. Essas constatações são provenientes de estudos sobre animais e seres humanos adultos, ou de pesquisas neuropsicológicas de populações clínicas.1,2,3,4,5,6,7 Muitos desses modelos são influenciados pelas pesquisas de Schiller8 sobre sistemas de movimento ocular em primatas não humanos. Em bebês, do nascimento até os 2 meses de idade, supõe-se que os movimentos oculares sejam comandados basicamente por um “sistema reflexo” amplamente influenciado por áreas primitivas do cérebro localizadas abaixo do córtex cerebral – ou seja, subcorticais. Assim sendo, nos primeiros meses de vida, os movimentos oculares e a atenção visual são geralmente reflexos. Entre os 3 e os 6 meses de idade, uma rede voluntária de orientação adquire maturidade funcional. Essa rede inclui áreas do córtex parietal e temporal e dos campos oculares frontais, e está envolvida na capacidade de deslocar voluntariamente a atenção visual de um estímulo para outro.9,10 A partir dos 6 meses de idade, a rede anterior de atenção (ou sistema de atenção executiva) torna-se funcional, uma vez que as áreas do córtex pré-frontal e do córtex cingulado anterior começam a desempenhar um papel significativo para manter a atenção visual e, ao mesmo tempo, inibir o deslocamento da atenção por fatores de distração. 

Problemas

A atenção visual e o desenvolvimento cerebral do bebê frequentemente são estudados por meio de “tarefas comportamentais”, para as quais as áreas do cérebro envolvidas foram firmemente estabelecidas. Johnson11 argumentou que tais tarefas podem ser utilizadas para estudar indiretamente o desenvolvimento do cérebro de bebês e crianças. No entanto, Richards e colegas12,13 argumentam que essa abordagem apresenta diversas fragilidades, e que a melhor solução consiste em aplicar medidas diretas de atividade cerebral. A maioria das principais abordagens à medição direta da atividade cortical – por exemplo, tomografia por emissão de pósitrons, ressonância magnética funcional – não pode ser utilizada em bebês humanos participantes do estudo, por razões éticas e/ou práticas. Descreveremos uma nova técnica para medir diretamente a atividade cerebral em bebês humanos. 

Contexto de pesquisa

A atenção do bebê é medida em laboratório utilizando tempo de sustentação do olhar, ritmo cardíaco e eletroencefalograma (EEG).14,15,16 Transitoriamente, o ritmo cardíaco do bebê mostra uma redução sustentada em períodos de atenção. Essa redução no ritmo cardíaco é ativada pela atividade no tronco cerebral. O EEG mede a atividade elétrica produzida no cérebro com a ajuda de eletrodos colocados no couro cabeludo. Uma abordagem comum nas pesquisas sobre percepção e cognição é identificar potenciais relacionados a eventos (PRE) no EEG. PRE são alterações no EEG relacionadas a um evento ou a uma tarefa específica. São identificados componentes específicos de PRE, que mostram alterações na atividade elétrica com base em condições experimentais. Dados extraídos do EEG e PRE podem ser analisados mais detalhadamente por meio de técnicas de modelos de estatística multivariada, denominadas análise Dipolo de Corrente Equivalente (DCE), para determinar as áreas do cérebro que são as causas prováveis de PRE medidos no couro cabeludo.15,16,17  Esse procedimento fornece uma medida mais direta da atividade cerebral do bebê envolvida na atenção.

Questões-chave de pesquisa

As questões-chave de pesquisa abordadas por essa linha de trabalho são: quais são as áreas do cérebro envolvidas na atenção do bebê? Essas áreas modificam-se ao longo do desenvolvimento do bebê? As medidas eletrofisiológicas da atenção são consistentes com as medidas comportamentais de atenção? Em última análise, todas essas questões estão relacionadas com a necessidade de conhecimentos mais abrangentes sobre as relações entre o cérebro e o comportamento em bebês. 

Resultado de pesquisas recentes

Na pesquisa de PRE em bebês, foi constatado que um componente de PRE denominado onda negativa (Nc) é mais ativo após a apresentação de estímulo considerável e mais provavelmente relacionado à atenção.14,18,19 Richards14 constatou que a amplitude do componente Nc é maior quando o ritmo cardíaco indica atenção. Em um estudo de acompanhamento, Reynolds e Richards15 constataram que as áreas do cérebro envolvidas com o componente Nc estão localizadas no córtex pré-frontal e no cingulado anterior. É preciso lembrar que essas são as áreas associadas com o sistema de atenção executiva. Foi constatado que a amplitude do componente Nc aumenta à medida que o bebê cresce, indicando maior atividade relacionada à atenção no córtex pré-frontal nos primeiros meses de vida.14,20 Isto acompanha o aumento do controle voluntário da atenção que ocorre nessa faixa etária.21 Recentemente, elaboramos16 um procedimento que mede simultaneamente respostas comportamentais e PRE dos bebês. Os resultados mostraram que bebês que preferem olhar para um estímulo novo em vez de olhar para um estímulo já conhecido manifestam maior atividade de Nc após a apresentação de estímulos novos do que de estímulos conhecidos. Aqueles que não demonstram preferência pelo novo também não demonstram diferenças em Nc baseadas em novidade versus familiaridade. Em conjunto, essas constatações mostram consistência nas correlações entre comportamento, ritmo cardíaco e correlatos de PRE da atenção do bebê.

Lacunas de pesquisa

Embora a aplicação de análise de DCE a dados de PRE de bebês represente um passo importante para medir a atividade cerebral do bebê relacionada à atenção, ainda há muito espaço para progressos. Os parâmetros utilizados em análises de DCE estão baseados na anatomia de adultos – por exemplo, espessura de crânio e do couro cabeludo. O crânio do bebê é menos espesso do que o de adultos, e as fontanelas e as suturas cranianas ainda não estão totalmente fundidas. Richards22 está desenvolvendo atualmente um procedimento para análises de DCE utilizando parâmetros baseados no crânio e na matéria cerebral individual do bebê. No entanto, são necessários outros avanços na concepção de novos procedimentos para medir simultaneamente correlatos comportamentais e eletrofisiológicos da atenção do bebê. Em última análise, é necessária uma medida direta e não invasiva da atividade cerebral do bebê, que possa ser aplicada na prática. Até que essas lacunas de pesquisa sejam preenchidas, nosso conhecimento sobre a atividade cerebral do bebê e as relações entre cérebro e comportamento permanecerá limitado por restrições metodológicas. 

Conclusões

Há um rico histórico de pesquisas comportamentais sobre o desenvolvimento da atenção nos primeiros meses de vida. Além disso, diversos cientistas que trabalham nessa área propuseram modelos de desenvolvimento do cérebro de bebês que integram constatações comportamentais extraídas de pesquisas sobre bebês a pesquisas sobre desenvolvimento de cérebro em animais e em adultos.1,2,3,4,5,6,7 Embora muitos dos modelos propostos por esses cientistas possam descrever com precisão a progressão do desenvolvimento do cérebro do bebê em relação à atenção, até o momento esses modelos não foram testados devido a restrições metodológicas. No entanto, foram realizados progressos importantes, e já se sabe atualmente que há consistência nas correlações entre medidas comportamentais, de ritmo cardíaco e eletrofisiológicas utilizadas para avaliar a atenção do bebê.14,16 Já demos um primeiro passo ao identificar as áreas do cérebro relacionadas ao desenvolvimento cognitivo, demonstrando que áreas do córtex pré-frontal e do cingulado anterior estão envolvidas na atenção do bebê.15 Muitas questões ainda permanecem sem resposta e as limitações, sem solução. Temos certeza de que avanços regulares continuarão a ocorrer na pesquisa sobre o desenvolvimento do cérebro e a atenção do bebê. 

Implicações

Uma das implicações mais importantes da pesquisa sobre a atenção do bebê está relacionada ao Transtorno do Deficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH). Atualmente, estima-se que esse transtorno afete de 5% a 10% das crianças em idade escolar.23 Sintomas de TDAH incluem controle débil de atenção, desatenção, hiperatividade, frágil controle de impulsos e problemas de gestão de comportamento. As evidências indicam que o aspecto de desatenção do TDAH pode estar relacionado a deficits na rede de orientação voluntária, ao passo que o aspecto de hiperatividade do TDAH pode estar relacionado ao funcionamento precário do sistema de atenção executiva.24 Este sistema envolve o córtex pré-frontal e o cingulado anterior, áreas identificadas em nossa pesquisa sobre níveis de atenção do bebê como fontes de atividade cortical relacionada à atenção.15 Normalmente, o TDAH somente se manifesta claramente quando as crianças afetadas ingressam no sistema escolar. Essas crianças podem ser encaminhadas a profissionais de saúde, uma vez que apresentam problemas para controlar seu comportamento em sala de aula. O ideal seria dispor de um método de identificação mais precoce para crianças em risco de desenvolver TDAH. A pesquisa básica sobre atenção e desenvolvimento do cérebro de bebês promete viabilizar a identificação possível de padrões atípicos de desenvolvimento infantil que possam predizer o TDAH que pode se manifestar no futuro. 

Referências

  1. Bronson GW. The growth of visual capacity: Evidence from infant scanning patterns. In: Rovee-Collier C, Lipsitt LP. Advances in infancy research. Vol 11. Norwood, N.J. : ABLEX Pub. Corp.; 1997:109-141.
  2. Colombo J. On the neural mechanisms underlying developmental and individual differences in visual fixation in infancy: Two hypotheses. Developmental Review 1995; 15(2):97-135.
  3. Hood, B M. Shifts of visual attention in the human infant: A neuroscientific approach. In: Rovee-Collier C, Lipsitt LP. Advances in infancy research. Vol 9. Norwood, N.J. : ABLEX Pub. Corp.;1995: 163-216.
  4. Johnson MH. Cortical maturation and the development of visual attention in early infancy. Journal of Cognitive Neuroscience 1990;2(2):81-95.
  5. Maurer D, Lewis TL. Overt orienting toward peripheral stimuli: Normal development and underlying mechanisms. In: Richards JE, ed. Cognitive neuroscience of attention: A developmental perspective. Hillsdale, NJ: Lawrence Erlbaum Press; 1998, 51-102.
  6. Posner MI. Orienting of attention. Quarterly Journal of Experimental Psychology 1980; 32(1):3-25.
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  8. Schiller PH. A model for the generation of visually guided saccadic eye movements. In:  Rose D, Dobson VG, eds. Models of the Visual Cortex. Chichester, NY: Wiley, 1985: 3-50.
  9. Posner MI, Petersen SE. The attention system of the human brain. Annual Review of Neuroscience 1990;13 25-42.
  10. Posner MI. Attention in cognitive neuroscience: An overview. In: Gazzaniga MS, ed. Cognitive Neurosciences. Cambridge, MA: MIT Press; 1995: 615-624.
  11. Richards JE. The development of visual attention and the brain. In: de Haan M, Johnson MH, eds. The cognitive neuroscience of development. New York, NY : Psychology Press, 2002.
  12. Richards JE.  Attention in the brain and early infancy. In:  Johnson SP, ed. Neoconstructivist views on infant development. In press.
  13. Richards JE, Hunter SK. Testing neural models of the development of infant visual attention. Developmental Psychobiology 2002;40(3):226-236.
  14. Richards, JE. Attention affects the recognition of briefly presented visual stimuli in infants: An ERP study. Developmental Science 2003:6(3):312-328.
  15. Reynolds GD, Richards JE. Familiarization, attention, and recognition memory in infancy: An ERP and cortical source localization study. Developmental Psychology 2005;41(3):598-615.
  16. Reynolds GD, Courage ML, Richards JE. Infant visual preferences and event-related potentials. Submitted for publication.
  17. Reynolds GD, Richards JE. Cortical source localization of infant cognition. Submitted for publication.
  18. Courchesne E, Ganz L, Norcia AM. Event-related brain potentials to human faces in infants. Child Development 1981;52(3):804–811.
  19. de Haan M, Nelson CA. Recognition of the mother’s face by six-month-old infants: A neurobehavioral study. Child Development 1997;68(2):187–210.
  20. Webb SJ, Long JD, Nelson CA. A longitudinal investigation of visual event-related potentials in the first year of life. Developmental Science 2005;8(6):605-616.
  21. Courage ML, Reynolds GD, Richards JE. Infants’ attention to patterned stimuli: Developmental change from 3 to 12 months of age. Child Development 2006;77(3):680-695.
  22. Richards JE. Realistic source models of ERP data. Unpublished manuscript, 2006.
  23. Courage ML,Richards JE. Attention. In: Haith MM, Benson JB, eds. Encyclopedia of infant and early childhood development. Oxford, UK: Elsevier, 2008:106-117.
  24. Aman CJ, Roberts RJ, Pennington BF. A neuropsychological examination of the underlying deficit in attention deficit hyperactivity disorder: frontal lobe versus right parietal lobe theories. Developmental Psychology 1998;34(5):956-969.

Para citar este artigo:

Reynolds GD, Richards JE. Atenção e desenvolvimento inicial do cérebro. Em: Tremblay RE, Boivin M, Peters RDeV, eds. Enciclopédia sobre o Desenvolvimento na Primeira Infância [on-line]. https://www.enciclopedia-crianca.com/cerebro/segundo-especialistas/atencao-e-desenvolvimento-inicial-do-cerebro. Publicado: Dezembro 2008 (Inglês). Consultado em 4 de outubro de 2024.

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