O impacto do desenvolvimento da linguagem sobre o desenvolvimento psicossocial e emocional de crianças pequenas
Nancy J. Cohen, PhD
Hincks-Dellcrest Centre, Canadá
, 2a ed. (Inglês). Tradução: julho 2011
Introdução
A competência em linguagem e comunicação fornece ferramentas fundamentais para a aprendizagem, o envolvimento em relações sociais e a regulação do comportamento e das emoções desde a infância. Este trabalho descreve a evolução do desenvolvimento da linguagem nos cinco primeiros anos de vida e suas inter-relações com desenvolvimento e transtornos psicossociais e emocionais ao longo do ciclo de vida. Serão discutidas, também, implicações para prevenção, intervenção, educação e políticas públicas.
Relevância da questão
Sob a rubrica de linguagem dois domínios são considerados: a linguagem estrutural e a comunicação pragmática. As habilidades de linguagem estrutural englobam os sons da língua (fonologia), o vocabulário (semântica), a gramática (sintaxe e morfossintaxe), o discurso narrativo, e o processamento auditivo de informações verbais. As habilidades de linguagem pragmática incluem comportamentos de conversação e outros comportamentos comunicativos que envolvem alternância de turnos, utilização adequada de gestos e manutenção de contato de olhar. Tanto quanto desses aspectos específicos da linguagem e da comunicação, as crianças precisam ser capazes de expressar seus pensamentos (linguagem expressiva) e de compreender os pensamentos dos outros (linguagem receptiva) em situações sociais e de aprendizagem.
Quando a criança tem dificuldade para se expressar e entender os outros, não surpreende que ocorram problemas de ajustamento psicossocial e emocional. Por outro lado, é relativamente grande a proporção de crianças em idade escolar que têm distúrbios psicossociais e emocionais e que frequentemente apresentam problemas de linguagem e comunicação.1
Problemas
Pode ser difícil fazer distinção entre problemas psicossociais e emocionais e problemas de linguagem e comunicação. Os comprometimentos de linguagem podem ser sutis e passar despercebidos, a menos que seja feita uma avaliação formal.2 Por exemplo, Kaler e Kopp3 mostraram que a aquiescência de crianças pequenas a ordens de adultos está relacionada a seu grau de compreensão da linguagem. Em outro estudo, Evans4 verificou que muitas crianças em idade pré-escolar descritas como tímidas, reticentes ou inibidas tinham comprometimentos de linguagem que interferiam com a formação e a manutenção de amizades. Crianças com problemas de linguagem tinham dificuldade em participar de conversas em grupo, e eram, então, excluídas, o que lhes dava menos oportunidades de aprender e praticar as habilidades sociais necessárias para a interação com seus pares. O insucesso na identificação e no tratamento desses problemas pode ter consequências graves.
Contexto de pesquisa
O desenvolvimento e os comprometimentos da linguagem e sua associação com desenvolvimento e transtornos psicossociais e emocionais têm sido examinados em estudos transversais e longitudinais com amostras baseadas nas comunidades e com amostras encaminhadas para tratamento clínico – tanto para clínicas especializadas em fala/linguagem quanto para clínicas de saúde mental – desde a infância até a adolescência. Nesses estudos, têm sido examinados aspectos da linguagem e habilidades com as quais a linguagem e a comunicação estão associadas.
Questões-chave de pesquisa
As questões-chave de pesquisa incluem: (1) Qual é o padrão de desenvolvimento da linguagem e da comunicação nos cinco primeiros anos de vida? (2) Qual é a prevalência de comprometimentos de linguagem e comunicação na população em geral, entre o nascimento e os cinco anos de idade? (3) Com quais transtornos psicossociais e emocionais estão associados os comprometimentos de linguagem? (4) Existem outras funções de desenvolvimento além dos transtornos psicossociais e emocionais que estão associadas a comprometimentos de linguagem? (5) Quais são as consequências para crianças que têm comprometimentos de comunicação e de linguagem? (6) Que fatores causais contribuem para a associação entre comprometimentos de linguagem e desenvolvimento psicossocial e emocional? (7) Existe alguma especificidade da linguagem que pode ser considerada como foco de estudo? (8) Quais são as melhores formas de tratar comprometimentos de linguagem?
Resultados de pesquisas recentes
A evolução da comunicação nos cinco primeiros anos de vida pode ser dividida em três períodos.5 O primeiro período começa com o nascimento, quando o bebê se comunica por meio do choro, do olhar, de vocalizações e dos primeiros gestos. Esses comportamentos comunicativos iniciais não são intencionais, mas criam o cenário para a comunicação intencional posterior. No segundo período, dos seis aos 18 meses de idade, o envolvimento comunicativo do bebê com os adultos torna-se intencional. Um ponto crítico de mudança é o surgimento da atenção conjunta,6 que envolve a coordenação da atenção visual do bebê com a de outra pessoa em relação a objetos e eventos.7 No terceiro período, dos 18 meses de idade em diante, a linguagem domina a ação como forma principal de aprendizagem e de comunicação. Por exemplo, crianças em idade pré-escolar podem envolver-se em conversas sobre emoções que levam em conta o estado afetivo do outro,8 podem utilizar a linguagem para se autocontrolar9 e são capazes de negociar verbalmente.10
Estima-se que de 8% a 12% das crianças em idade pré-escolar tenham alguma forma de comprometimento de linguagem.11 Na maior parte dos casos, essas crianças não são identificadas até os dois ou três anos de idade, quando se evidencia que não falam. Além disso, cerca de 50% das crianças em idade pré-escolar e escolar que são encaminhadas para serviços de saúde mental ou colocadas em classes especiais têm comprometimentos de linguagem ou incapacidades de aprendizagem relacionadas à linguagem.2 Não existem dados sobre a prevalência de problemas de comunicação pré-verbal em bebês, embora atualmente a disponibilidade de novos instrumentos e exames torne isso possível.12
Diversos distúrbios psicossociais e emocionais têm sido associados a comprometimentos de linguagem. Em bebês, são muito comuns os problemas de regulação emocional e comportamental – por exemplo, dificuldades para se deixar acalmar, de alimentação e de sono.13 O vocabulário físico e expressivo estão associados ao vocabulário falado já aos 19 meses de idade.14 A partir dos anos pré-escolares, o diagnóstico mais comum para crianças com comprometimento de linguagem que são encaminhadas para clínicas de linguagem e de saúde mental é o Transtorno do Déficit de Atenção (Hiperatividade).15,16,17 Os comprometimentos de linguagem não existem isoladamente, e desde a primeira infância o desenvolvimento da linguagem está associado a habilidades cognitivas, de cognição social e motoras.2,17
Estudos longitudinais produzem resultados presumíveis para crianças com comprometimentos de linguagem.18 Comprometimentos de linguagem e comunicação estão consistentemente relacionados com a aprendizagem e com distúrbios psicossociais e emocionais desde a infância e ao longo da adolescência.16,19,20,21 O prognóstico é mais desfavorável para crianças que têm comprometimentos de compreensão da linguagem ou em diversas áreas da linguagem que persistem além dos cinco anos de idade.19,22
Tanto fatores genéticos como fatores ambientais contribuem para a linguagem e o desenvolvimento psicossocial e emocional.23 Crianças que não se comunicam adequadamente, não transmitem mensagens claras e, portanto, pode ser difícil entendê-las e responder-lhes adequadamente. A quantidade e o tipo de estimulação linguística no lar24 e estresses familiares, tais como abuso infantil,25 também afetam o desenvolvimento de linguagem das crianças.
Permanece em aberto a questão sobre a existência de alguma especificidade da linguagem como foco de estudo. Por um lado, a linguagem pode ser apenas uma de uma gama de funções do desenvolvimento causadas por um mesmo fator subjacente.26 Por outro lado, a linguagem pode ter um papel central a desempenhar no desenvolvimento de transtornos psicossociais e emocionais, na medida em que a linguagem internalizada e as regras verbalmente mediadas têm um papel importante no autocontrole e em realizações em diversos domínios.27
Conclusões
A linguagem e o desenvolvimento psicossocial e emocional estão interrelacionados desde os primeiros momentos de vida da criança. A comunicação começa nos primeiros dias de vida. Em última instância, problemas potenciais que surgem nas relações com os pais podem desdobrar-se à medida que as crianças ingressam na escola, e passam a ter dificuldades de aprendizagem e para se entender com professores e colegas. Até mesmo pequenos problemas de linguagem podem ter impacto no curso do desenvolvimento. As consequências são agravadas pela presença concomitante de estresses ambientais. Uma vez que a competência em linguagem é fundamental para a prontidão para a escola e para o ajustamento psicossocial e emocional, problemas de linguagem e comunicação podem colocar a criança em uma trajetória de desajustamento por toda a vida.28 Problemas de linguagem podem ser sutis e passar despercebidos em situações terapêuticas e de aprendizagem.1 Dessa forma, a identificação e a avaliação de transtornos de linguagem, assim como a intervenção, são importantes nos primeiros anos de vida, criando o cenário para competências posteriores em uma grande variedade de áreas.
Implicações para políticas e serviços
A avaliação rotineira de habilidades de linguagem e comunicação e o provimento de intervenções são ações preventivas essenciais desde os primeiros dias de vida. Isto é importante porque intervenções durante os primeiros meses de vida ou nos anos pré-escolares podem ter impacto significativo sobre os resultados apresentados pela criança.29 Uma vez identificadas as dificuldades, é fundamental a criação de um perfil abrangente de habilidades de comunicação, de linguagem, cognitivas e psicossociais/emocionais para o planejamento dessas intervenções preventivas. Houve um movimento de afastamento de terapias individuais em clínicas, adotando-se um foco na linguagem funcional em ambientes naturalísticos.30 É necessário que se faça uma integração interministerial e multidisciplinar, tendo em vista as implicações dos comprometimentos de linguagem não diagnosticados para a saúde, a saúde mental, o atendimento à infância, a educação e o sistema judiciário de jovens. É preciso colocar à disposição dos pais informações sobre a natureza dos comprometimentos de linguagem e seu impacto sobre o funcionamento acadêmico e psicossocial/emocional, que devem constituir parte do currículo de profissionais que trabalham com crianças. Isto inclui pediatras, médicos de família, fonoaudiólogos, educadores, educadores infantis e profissionais de saúde mental.
Referências
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Para citar este artigo:
Cohen NJ. O impacto do desenvolvimento da linguagem sobre o desenvolvimento psicossocial e emocional de crianças pequenas. Em: Tremblay RE, Boivin M, Peters RDeV, eds. Rvachew S, ed. tema. Enciclopédia sobre o Desenvolvimento na Primeira Infância [on-line]. https://www.enciclopedia-crianca.com/desenvolvimento-da-linguagem-e-alfabetizacao/segundo-especialistas/o-impacto-do-desenvolvimento-da. Atualizada: Janeiro 2010 (Inglês). Consultado em 4 de outubro de 2024.
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