Habilidades iniciais em operações com números: a transição dos primeiros meses de vida até a primeira infância
Kelly S. Mix, PhD
Michigan State University, EUA
(Inglês). Tradução: fevereiro 2013
Introdução
Os conceitos relacionados aos números surgem antes da escolarização formal. Crianças em idade pré-escolar exibem habilidades verbais, como contar, e conceitos básicos de equivalência, ordenação e transformação quantitativa. Embora pesquisadores estejam de acordo quanto à existência dessas habilidades na primeira infância, continuam a discutir em que momento, e por meio de quais mecanismos, surgem essas habilidades. Em outras palavras, quais são as origens do desenvolvimento inicial de habilidades em operações com números?
Do que se trata
Tradicionalmente, as pesquisas sobre operações com números focalizaram a contagem verbal. Entretanto, a noção de que as habilidades em operações com números podem surgir nos primeiros meses e no primeiro ano de vida deslocou o foco para habilidades não verbais. Essa mudança expandiu o âmbito de comportamentos incluídos nas habilidades iniciais em operações com números – uma mudança que tem implicações diretas na educação e na avaliação da primeira infância. Essa mudança também suscitou questões sobre as origens das deficiências e das falhas em desempenho matemático, em termos de desenvolvimento – por exemplo, dificuldades associadas a diferenças entre grupos socioeconômicos.
Problemas
Estudos atuais sobre desenvolvimento diferem quanto ao peso que atribuem às representações verbais versus não verbais.
Alguns estudiosos argumentam que a estrutura conceitual central relacionada aos números é inata, e assume a forma de uma representação não verbal similar à contagem verbal.1,2,3 Nesse sentido, associar palavras que designam números em seus referenciais não verbais é um avanço importante em termos de desenvolvimento.
Outros afirmam que processos inatos contribuem para o desenvolvimento de habilidades com números, mas não constituem um sistema conceitual completo para o número.4,5 As explicações fornecidas incorporam tanto a contagem pré-verbal como um segundo formato representativo baseado em rastreamento de objetos, que caracterizam a contagem verbal como um catalisador conceitual que permite a integração das duas representações não verbais,5 transcendendo assim suas limitações inerentes e alcançando um verdadeiro conceito de número.4
Outras explicações ainda incorporam representações com base no objeto, mas argumentam que tais representações são desenvolvidas durante a primeira infância.6 Sob este ponto de vista, as representações numéricas com uso de objetos são imprecisas, mesmo para conjuntos com um número reduzido de elementos. Pelo contrário, acredita-se que tais representações aproximam-se do número com crescente exatidão devido a: (1) aumento da capacidade da memória operacional relacionados à idade; e (2) interações entre o conhecimento parcial dos nomes dos números e o reconhecimento de pequenas quantidades em contextos específicos.6,7,8
Alguns estudiosos argumentam que os conceitos de número são extraídos do próprio sistema de contagem, sem apoio de representações não verbais. Estudos demonstram que a criança não entende os princípios de contagem até alcançar o domínio dos procedimentos de contagem.9,10 Foi argumentado também que a criança não consegue classificar pequenos conjuntos com o sistema de contagem convencional, uma vez que não consegue distinguir a sequência de números naturais de outras sequências.11
Contexto da pesquisa
O fato de a pesquisa ter focalizado o surgimento de habilidades em operações com números no plano verbal, inserida em um contexto de base conceitual não-verbal teve como consequência experimentos que incluem uma mistura de métodos verbais e não verbais. No plano verbal, os pesquisadores medem diversos subcomponentes de contagem – por exemplo, pedir à criança que recite os números em ordem, conte um conjunto de objetos ou nomeie o número cardinal correspondente aos elementos de um conjunto. No plano não verbal, os pesquisadores utilizam tarefas concretas, que não exigem contagem verbal. No caso de crianças muito pequenas e bebês, é comum a utilização de procedimentos que medem o tempo de observação – por exemplo, familiaridade – e tarefas em que devem alcançar os objetos com a mão.
Questões-chave de pesquisa
Um dos objetivos mais importantes é a descrição da sensibilidade numérica de bebês e crianças pequenas. Pesquisadores querem saber até que ponto as crianças compreendem a noção de número antes de adquirir habilidades convencionais. Muitas vezes, o perfil específico de pontos fortes e pontos fracos no plano não verbal é utilizado para argumentar em favor de uma determinada linha de estudo. Outro objetivo importante da pesquisa é a descrição detalhada do desenvolvimento das habilidades em operações com números no plano verbal. Esse tipo de pesquisa examina cuidadosamente as interações potenciais entre operações com números no plano verbal e operações com números no plano não verbal.
Resultados de pesquisas recentes
Sensibilidade numérica em bebês
A pesquisa sobre familiaridade inicial mostrou que bebês eram capazes de discriminar entre pequenos conjuntos de objetos. Por exemplo, ao mostrar-lhes uma série de conjuntos de objetos contendo o mesmo número de elementos – dois, por exemplo – porém com cores, formas e posições diferentes, seu tempo de observação reduziu-se gradativamente. Quando foi apresentado um novo número de objetos – por exemplo, três – o tempo de observação aumentou, o que sugere que os bebês detectaram a mudança de número.12,13 Experiências similares sugeriram que bebês são capazes de discriminar grandes conjuntos de elementos apresentados de forma visual e auditiva,14,15 de realizar cálculos simples relacionados aos objetos3 e de detectar relações numéricas entre modalidades.16,17
Medidas não verbais em crianças pequenas
Crianças realizam tarefas numéricas concretas (baseadas em objetos) muito antes de demonstrar compreensão semelhante em tarefas verbais. Por exemplo, a criança em idade pré-escolar soluciona problemas simples de adição e subtração utilizando objetos – como 2 + 2 – anos antes de ser capaz de resolver problemas verbais análogos.6,8,18 Do mesmo modo, a criança é capaz de fazer ordenações e equivalências em tarefas de escolha sugerida muito antes de conseguir comparar verbalmente os mesmos conjuntos por meio de contagem.6,19,20,21,22,23,24 A competência para operações não verbais surge entre 2 anos e meio e 3 anos de idade.
Desenvolvimento da contagem verbal
A contagem verbal engloba três sub-habilidades principais. Em primeiro lugar, a criança deve memorizar a sequência de palavras que representam os números. Por volta dos 3 anos de idade, geralmente a criança memoriza as primeiras dez palavras relacionadas aos números.25,26 Aos 6 anos de idade, aprende a contar números tomando por base a estrutura decimal – de 10 a 20, de 20 a 30, etc. Em segundo lugar, o pequeno “contador” deve coordenar palavras e objetos, de modo que cada elemento de um conjunto seja marcado uma vez, e apenas uma vez. A criança comete muitos erros à medida que descobre e domina os procedimentos envolvidos na marcação, sobretudo entre 36 e 42 meses de idade.25 Em terceiro lugar, a criança aprende que a última palavra numa contagem representa o valor cardinal – quando você conta “1-2-3,” por exemplo, você dispõe de três elementos. É interessante observar que a criança alcança esse insight antes de dominar os procedimentos de contagem verbal, o que sugere seu acesso ao princípio da cardinalidade por meio de experiências com conjuntos contendo um número reduzido de elementos.4,25,26,27,28,29 De fato, conjuntos com um número reduzido de elementos – por exemplo, contendo até três elementos – podem oferecer o único contexto para a descoberta do princípio da cardinalidade, uma vez que é possível determinar e marcar esses conjuntos sem contar os elementos.4,26,27,28,29,30,31,32,33
Lacunas na pesquisa
Um problema persistente é o de reconciliar a aparente precocidade do bebê em relação aos números com as dificuldades apresentadas por crianças em idade pré-escolar em tarefas semelhantes. Por exemplo, se bebês são capazes de representar e comparar grandes conjuntos de objetos, como alegam alguns estudiosos,15 por que crianças em idade pré-escolar não conseguem identificar as correspondências entre grandes conjuntos antes de aprender a contar?34,35 Essas discrepâncias alimentaram debates intensos sobre o significado do trabalho com bebês, e a articulação das literaturas relativas continua sendo um grande desafio. Por exemplo, pesquisadores apenas começaram a questionar se a sensibilidade do bebê a quantidades está relacionada com a habilidade em operações com números na idade pré-escolar e, da mesma forma, se a habilidade em operações com números na idade pré-escolar está relacionadas ao subsequente desempenho em Matemática na escola.36
Outra questão ainda não explorada diz respeito ao modo como as crianças coordenam as noções de quantidades discretas e quantidades contínuas. A percepção do bebê em relação a quantidades contínuas já é um fato estabelecido. Alguns estudiosos acreditam que a utilização de quantidades contínuas realmente explica o desempenho do bebê em tarefas ligadas a números.37,38 Seja como for, tenham os bebês a noção de quantidades contínuas, de quantidades discretas ou de ambas, há necessidade de estudos para determinar o que causa o deslocamento de sua atenção de um tipo de quantificação para outro, e também para identificar as mudanças de desenvolvimento que ocorrem na medida em que as crianças aprendem as relações entre quantidades contínuas e quantidades discretas – por exemplo, o tamanho não afeta a contagem, a menos que você esteja contando em unidades de medida.
Por fim, ainda há muito a aprender sobre as interações entre a quantificação não verbal e a contagem verbal. Há quem sustente que tudo o que o bebê é capaz de fazer ou entender na fase pré-verbal é necessariamente inato, uma vez que surge sem estímulo verbal.4 No entanto, outros pesquisadores afirmam que mesmo bebês que ainda não falam em números já foram expostos à linguagem numérica e, portanto, não é possível saber se suas competências são de natureza não verbal ou inata.39 Uma questão relacionada diz respeito à maneira como as crianças adquirem o significado das palavras que designam os números e até que ponto essa aquisição tem base não verbal. Pesquisas atuais também vêm investigando se a aquisição da noção de plural desempenha algum papel nessas interações.40
Conclusões
Evidências sobre a competência numérica em bebês levantaram questões interessantes sobre as origens da habilidade em operações com números e dos recursos conceituais utilizados por crianças pequenas para adquirir a habilidade de contagem verbal. Entretanto, são necessárias novas pesquisas para revelar o que envolve essa competência do bebê e precisamente de que modo ela está relacionada ao desenvolvimento verbal e não verbal subsequente.
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Para citar este artigo:
Mix KS. Habilidades iniciais em operações com números: a transição dos primeiros meses de vida até a primeira infância. Em: Tremblay RE, Boivin M, Peters RDeV, eds. Bisanz J, ed. tema. Enciclopédia sobre o Desenvolvimento na Primeira Infância [on-line]. https://www.enciclopedia-crianca.com/operacoes-com-numeros/segundo-especialistas/habilidades-iniciais-em-operacoes-com-numeros-transicao. Publicado: Junho 2010 (Inglês). Consultado em 4 de outubro de 2024.
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