Trajetórias de aprendizado da matemática na primeira infância: sequências de aquisição e de ensino


Graduate School of Education, University at Buffalo, EUA The State University of New York at Buffalo, EUA
(Inglês). Tradução: fevereiro 2013

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Introdução

As crianças seguem progressões desenvolvimentais naturais durante seu aprendizado e seu desenvolvimento. Para citar um exemplo simples, as crianças aprendem primeiro a engatinhar antes de andar, correr, saltitar e pular, com uma velocidade e uma destreza crescentes. Da mesma forma, elas seguem progressões desenvolvimentais naturais no aprendizado da matemática; elas aprendem os conceitos e as habilidades matemáticos à sua própria maneira. Quando os educadores entendem essas progressões no desenvolvimento e se baseiam nelas para estabelecer uma sequência de atividades, eles podem construir ambientes de aprendizado matematicamente ricos que são, ao mesmo tempo, apropriados e eficazes no plano do desenvolvimento. Esses caminhos do desenvolvimento constituem um dos elementos principais de uma trajetória de aprendizado.

Questões-chave de pesquisa

As trajetórias de aprendizado nos ajudam a responder a várias perguntas:

  1. Quais são os objetivos que devemos fixar?
  2. Onde devemos começar?
  3. Como sabemos aonde ir depois?
  4. Como chegamos lá?

Resultados de pesquisas recentes 

Recentemente, os pesquisadores chegaram a um consenso básico a respeito da natureza das trajetórias de aprendizado.1 As trajetórias de aprendizado possuem três partes: a) um objetivo matemático; b) um caminho desenvolvimental ao longo do qual as crianças se desenvolvem para atingir esse objetivo; e c) um conjunto de atividades ou de tarefas pedagógicas, correspondendo a cada um dos níveis de raciocínio nesse caminho, e que ajudam as crianças a desenvolver níveis mais altos de raciocínio. Vamos examinar cada uma dessas três partes.

Objetivos: as grandes ideias da matemática

A primeira parte de uma trajetória de aprendizado consiste em um objetivo matemático. Nossos objetivos são as grandes ideias da matemática – grupos de conceitos e de habilidades matematicamente centrais e coerentes, compatíveis com a forma de pensar das crianças, e geradores de um aprendizado futuro. Essas grandes ideias são tiradas de vários projetos importantes, incluindo aqueles do National Council of Teachers of Mathematics e do National Math Panel.2,3,4 Por exemplo, uma grande ideia é que a contagem pode ser utilizada para achar o número de objetos de um conjunto. Outra ideia seria que as formas geométricas podem ser descritas, analisadas, transformadas e compostas e decompostas em outras formas. É importante compreender que existem várias grandes ideias e trajetórias de aprendizado desse tipo; dependendo da maneira de classificá-las, existem cerca de doze trajetórias. 

Progressões do desenvolvimento: os caminhos do aprendizado

A segunda parte de uma trajetória de aprendizado consiste dos níveis de raciocínio, cada um mais sofisticado que o anterior, e que levam à realização do objetivo matemático. Em outras palavras, a progressão desenvolvimental segue um caminho típico seguido pelas crianças no desenvolvimento de sua compreensão e de suas habilidades relativas ao assunto matemático em questão. O desenvolvimento das habilidades em matemática começa no início da vida. Desde o nascimento, as crianças pequenas possuem certas competências de tipo matemático sobre números, percepção espacial e padrões.5,6 

Contudo, as ideias das crianças pequenas e sua interpretação das situações são singularmente diferentes daquelas dos adultos. Por essa razão, os bons educadores da primeira infância devem tomar cuidado de não presumir que as crianças “enxergam” as situações, os problemas ou as soluções como os adultos fazem. Ao invés disso, os bons professores interpretam aquilo que a criança está fazendo e pensando: eles tentam enxergar a situação do ponto de vista da criança. Da mesma forma, quando estão interagindo com as crianças, esses professores consideram também as tarefas pedagógicas e suas próprias ações do ponto de vista da criança. Isso faz com que o ensino para a primeira infância seja uma tarefa ao mesmo tempo exigente e gratificante.

As trajetórias de aprendizado que foram criadas no âmbito dos projetos Building Blocksa  e TRIADb  fornecem identificações simples para cada nível de reflexão em cada trajetória de aprendizado. A tabela 1 descreve uma parte da trajetória de aprendizado para a contagem. A coluna Progressão desenvolvimental fornece um rótulo e uma descrição para cada nível, junto com um exemplo da maneira de pensar e de se comportar das crianças. É importante notar que as idades indicadas na primeira coluna são aproximadas. Sem experiência, algumas crianças podem estar anos atrás dessa idade média. Com uma educação de alta qualidade, as crianças ultrapassam de longe essas médias. A guisa de exemplo, crianças de 4 anos que participam do programa Building Blocks alcançam ou ultrapassam o nível “5 anos” na maioria das trajetórias de aprendizado, incluindo a contagem. (Para conhecer as trajetórias completas de aprendizado em todas as áreas da matemática, ver Clements & Sarama;7 Sarama & Clements.6 Esses estudos fazem também uma revisão dos importantes trabalhos de pesquisa nos quais todas as trajetórias de aprendizado estão baseadas.)

Tarefas pedagógicas: os caminhos do ensino

A terceira parte de uma trajetória de aprendizado consiste em um conjunto de tarefas pedagógicas, correspondendo a cada nível de raciocínio na progressão desenvolvimental. Essas tarefas são elaboradas para ajudar as crianças a aprender as ideias e habilidades necessárias para atingir esse nível de raciocínio. Isso quer dizer que, enquanto educadores, podemos recorrer a essas tarefas para promover a passagem das crianças de um nível para o próximo. A terceira coluna da tabela 1 indica exemplos de tarefas. (Aqui também, a trajetória de aprendizado completa descrita em Clements & Sarama6,7 inclui não apenas todos os níveis de desenvolvimento mas também varias tarefas pedagógicas para cada nível).

Tabela 1. Exemplos tirados da Trajetória de Aprendizado Relativa à Contagem (todos os exemplos são tirados de Clements & Sarama,8 Clements & Sarama,7 Sarama & Clements6).

Idade Progressão desenvolvimental Tarefas pedagógicas
1 ano

Précontador Verbal Sem contagem em voz alta

Cantarolador Verbal Cantarola os nomes dos números, às vezes de forma ininteligível.

Associar o nome dos números com quantidades e como componentes da sequência de contagem. 

Experiência repetida com a sequência de contagem em diferentes contextos. 

 2

Declamador Verbal Conta em voz alta com palavras separadas, não necessariamente na ordem correta.

 

Fornecer una experiência repetida e frequente com a sequência de contagem em diferentes conteztos.

Contar e correr As crianças contam em voz alta junto com o computador (até 50) acrescentando carrinhos em uma pista de corrida, um de cada vez.

 

Declamador (10) Verbal Conta até dez em voz alta, com alguna correspondência com objetos.

 

Fornecer uma experiência repetida e frequente com a sequência de contagem em diferentes contextos. 

Contar e correr As crianças contam em voz alta junto com o computador (até 50) acrescentando carrinhos em uma pista de corrida, um de cada vez.

 3

Combinador Mantém uma correspondência um a um entre as palavras de contagem e os objetos (uma palavra para cada objeto), pelo menos para pequenos grupos de objetos enfilerados.

Contador de cozinha No computador, as crianças clicam em objetos, um de cada vez, enquanto que os números de um a dez estão sendo contados em voz alta. Por exemplo, elas clicam em pedaços de alimentos e uma bocada de cada é comida quando o pedaço é contado.

 4

Contador (números pequenos) Conta corretamente até 5 objetos dispostos em linha, e responde à pergunta "quantos" com último número contado.

Cubos na Caixa Pedir para as crianças contar um pequeno conjunto de cubos. Colocá-los em uma caixa e fechar a tampa. Depois, perguntar à criança quantos cubos foram escondidos. Se a criança estiver pronta, pedir para escrever o número. Tirar os cubos da caixa e contá-los juntos para conferir.

 

Produtor (números pequenos) Conta objetos até 5. Reconhece que a contagem é importante em situações onde um determinado número deve ser indicado.

 

Contar movimentos Durante o tempo de espera entre as transições, pedir para as crianças contar o número  de vezes que você pula o bate nas maõs, ou faz algum outro movimento. Depois, pedir para elas repetirem esses movimentos o mesmo número de vezes. No início, contar os movimentos com as crianças.

 

 5

Contador e produtor (10+) Sabe contar e conta em voz alta até 10 objetos sem erro, e vai além (até cerca de 30). Tem uma compreensão explícita da cardinalidade (como os números indicam a quantidade). Mantém o controle dos objetos que foram e não foram contados, mesmo se dispostos de forma diferente.

 

Contar torres (mais de 10) Para permitir que as crianças contem até 20 e mais, pedir para elas construírem torres com objetos como moedas. As crianças devem construir a torre mais alta possível, acrescentando moedas, porém sem endireitar aquelas que já estão na torre. O objetivo consiste em estimar e depois contar quantas moedas têm na torre mais alta.

Loja Dino 2 As crianças colocam a quantidade pedida de dinossauros em uma caixa.

Em resumo, as trajetórias de aprendizado descrevem os objetivos do aprendizado, os processos de raciocínio e de aprendizado das crianças de diferentes níveis, e as atividades de aprendizado das quais podem participar. Muitas vezes, as pessoas têm muitas perguntas a respeito das trajetórias de aprendizado.

Futuras orientações

Embora as trajetórias de aprendizado tenham se mostrado eficazes para os programas de matemática precoce e para o desenvolvimento profissional,9,10 existem muito poucos estudos comparando as diferentes maneiras de implementá-las. Portanto, seu papel exato ainda deve ser estudado. Além disso, na primeira infância, várias trajetórias de aprendizado estão fundamentadas em um grande número de estudos, como aquelas relativas à contagem e à aritmética. Entretanto, outras como a elaboração de padrões e de medições, estão baseadas em um número de estudos muito menor. Mais ainda, existem poucas diretrizes relativas a muitos assuntos matemáticos mais sofisticados para o ensino de alunos mais velhos. Esses permanecem como desafios a enfrentar nessa área.

Conclusões

As trajetórias de aprendizado são promissoras para melhorar o desenvolvimento profissional e o ensino na área da matemática precoce. Por exemplo, os poucos professores que participaram de discussões mais aprofundadas em salas de aula sobre reforma da matemática não se viam passando por um programa de estudos, mas achavam que estavam ajudando os alunos a progredir de um nível de compreensão para o outro.11 Além disso, os pesquisadores sugerem que o desenvolvimento profissional focado nas trajetórias de aprendizado aumenta não apenas os conhecimentos profissionais dos professores mas também a motivação e os resultados de seus alunos.12,13,14 Em consequência, as trajetórias de aprendizado podem facilitar um ensino e um aprendizado apropriados no plano desenvolvimental para todas as crianças. 

Nota dos autores:
Esse artigo está baseado em parte no trabalho realizado pela National Science Foundation, bolsa nº ESI-9730804 outorgada a D. H. Clements e J. Sarama “Building Blocks — Foundations for Mathematical Thinking, Pre-Kindergarten to Grade 2: Research-based Materials Development” e em pequena parte pelo Institute of Educational Sciences (U.S. Department of Education, dentro da Interagency Educational Research Initiative, ou IERI, uma colaboração do IES, da NSF e da NICHHD), bolsa nº R305K05157 outorgada a D. H. Clements, J. Sarama, e J. Lee, “Scaling Up TRIAD: Teaching Early Mathematics for Understanding with Trajectories and Technologies.” Qualquer opinião, descoberta, conclusão e recomendação expressas no presente documento são aquelas dos autores e não correspondem necessariamente à posição dos organismos de financiamento. O programa avaliado nessa pesquisa foi depois publicado pelos autores, que têm, portanto, um interesse direto nos resultados. Um auditor externo supervisionou a concepção da pesquisa, a coleta e a análise dos dados, e cinco pesquisadores confirmaram de forma independente os resultados e os procedimentos. Cada autor, listado em ordem alfabética, contribuiu de forma igual à pesquisa. 

Referências

  1. Clements DH, Sarama J, eds. Hypothetical learning trajectories. Mathematical Thinking and Learning 2004;6(2).
  2. Clements DH, Conference Working Group. Part one: Major themes and recommendations. In: Clements DH, Sarama J, DiBiase AM, eds. Engaging young children in mathematics: Standards for early childhood mathematics education . Mahwah, NJ: Lawrence Erlbaum Associates; 2004: 1-72.
  3. NCTM. Curriculum focal points for prekindergarten through grade 8 mathematics: A quest for coherence . Reston, VA: National Council of Teachers of Mathematic; 2006.
  4. United States. National Mathematics Advisory Panel. Foundations for success: The Final Report of the National Mathematics Advisory Panel . Washington D.C.: U.S. Department of Education, Office of Planning, Evaluation and Policy Development; 2008.
  5. Clements DH, Sarama J. Early childhood mathematics learning. In: Lester FK Jr, ed. Second handbook of research on mathematics teaching and learning. New York, NY: Information Age Publishing; 2007a: 461-555.
  6. Sarama J, Clements DH. Early childhood mathematics education research:  Learning trajectories for young children . New York, NY: Routledge; 2009.
  7. Clements DH, Sarama J. Learning and teaching early math: The learning trajectories approach . New York: Routledge; 2009.
  8. Clements DH, Sarama J. SRA real math building blocks. Teacher's resource guide pre K. Columbus, OH: SRA/McGraw-Hill; 2007b.
  9. Clements DH, Sarama J. Experimental evaluation of the effects of a research-based preschool mathematics curriculum. American Educational Research Journal 2008;45:443-494.
  10. Sarama J, Clements DH, Starkey P, Klein A, Wakeley A. Scaling up the implementation of a pre-kindergarten mathematics curriculum: Teaching for understanding with trajectories and technologies . Journal of Research on Educational Effectiveness 2008;1:89-119.
  11. Fuson KC, Carroll WM, Drueck JV. Achievement results for second and third graders using the Standards-based curriculum Everyday Mathematics. Journal for Research in Mathematics Education 2000;31:277-295.
  12. Clarke BA. A shape is not defined by its shape: Developing young children’s geometric understanding. Journal of Australian Research in Early Childhood Education 2004;11(2):110-127.
  13. Fennema EH, Carpenter TP, Frank ML, Levi L, Jacobs VR, Empson SB. A longitudinal study of learning to use children's thinking in mathematics instruction. Journal for Research in Mathematics Education 1996;27:403-434.
  14. Wright RJ, Martland J, Stafford AK, Stanger G. Teaching number: Advancing children's skills and strategies . London: Paul Chapman Publications/Sage; 2002.

Nota :

a Ver também o site Building Blocks. Disponível no endereço: http://www.ubbuildingblocks.org. Consultado em 3 de junho de 2010.

Ver também o site TRIAD. Disponível no endereço: http://www.ubtriad.org. Consultado em 3 de junho de 2010.

Para citar este artigo:

Clements DH, Sarama J. Trajetórias de aprendizado da matemática na primeira infância: sequências de aquisição e de ensino. Em: Tremblay RE, Boivin M, Peters RDeV, eds. Bisanz J, ed. tema. Enciclopédia sobre o Desenvolvimento na Primeira Infância [on-line]. https://www.enciclopedia-crianca.com/operacoes-com-numeros/segundo-especialistas/trajetorias-de-aprendizado-da-matematica-na-primeira. Publicado: Julho 2010 (Inglês). Consultado em 25 de abril de 2024.

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