Intervenções precoces para melhorar competências sociais entre pares de crianças de baixa renda


Universidade de Lehigh, EUA, Universidade de New York, EUA
(Inglês). Tradução: outubro de 2011

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Introdução

Competência social é definida como as capacidades que as crianças possuem de desenvolver relações positivas com adultos e outras crianças.1 Aceita-se amplamente que o desenvolvimento da criança em todas as áreas de funcionamento é influenciado por essa capacidade de estabelecer e manter relações positivas, consistentes e primárias com adultos e pares.2 Pesquisadores e educadores da primeira infância reconhecem que a competência social é uma área complexa e multifacetada de desenvolvimento, e inclui habilidades como controlar  as próprias emoções, comunicar-se efetivamente, ser capaz de assumir a perspectiva do outro, resolver conflitos e problemas, e estabelecer relações positivas com seus pares.3

Do que se trata

Para crianças em idade pré-escolar, administrar relações efetivas com seus pares representa uma tarefa importante de desenvolvimento e um indicador primário de prontidão para a escola. A brincadeira iniciada pela criança nos anos pré-escolares oferece um contexto dinâmico de desenvolvimento no qual essa competência manifesta-se.4 Estudos evidenciaram associações importantes entre interações lúdicas positivas entre pares e o desenvolvimento de outras competências indicadoras de prontidão para a escola, como habilidades emergentes de letramento, acesso à aprendizagem, e autorregulação.5,6 Por exemplo, por meio da brincadeira de faz-de-conta, as crianças desenvolvem a habilidade de contar histórias e habilidades de memória que contribuem para o letramento emergente.6 Além disso, a manutenção de interações lúdicas efetivas com pares requer que a criança exercite autocontrole e uma  série  de  outros  comportamentos  importantes que podem afetar a aprendizagem na escola, tais como cooperação, atenção e persistência.7,4 Crianças que desenvolvem relações positivas com seus pares durante os anos pré-escolares tendem a ter maior probabilidade de ter uma adaptação positiva no jardim de infância, bem como resultados sociais e acadêmicos positivos na escola primária e no ensino médio.8-10

Problemas

Inversamente, relações insatisfatórias entre pares nos primeiros anos de vida associam-se a consequências prejudiciais em períodos posteriores do desenvolvimento e na vida adulta.11,12 Problemas entre pares foram associados a desempenho acadêmico mais baixo, repetência, evasão escolar e falta de foco emocional.13-19 Enquanto a aceitação pelos pares motiva as crianças a envolverem-se nas atividades de sala de aula, a rejeição e o conflito entre pares podem reprimir a motivação das crianças.20-22 Crianças de baixa renda tendem mais do que seus pares mais favorecidos a evidenciar dificuldades precoces na escola, entre as quais problemas comportamentais e emocionais e baixo desempenho acadêmico23, 24 e, portanto, correm maior risco de dificuldades persistentes no decorrer da escolarização, tais como repetência e evasão escolar.

Contexto de pesquisa

Até o momento, as abordagens mais amplamente utilizadas e estudadas para a promoção da competência social em crianças envolvem: (a) treinamento explícito em habilidades sociais; ou (b) ensinar as crianças um processo de resolução de conflitos sociais para encontrar soluções pró-sociais em conflitos interpessoais. Em conjunto, as avaliações de programas de treinamento de habilidades sociais não evidenciaram resultados favoráveis, particularmente quando é analisada a generalização das habilidades treinadas para contextos naturais de brincadeira e aceitação social.26,27 Embora os programas de treinamento em resolução de conflitos sociais possam ser eficazes em termos do aumento da percepção das crianças sobre soluções alternativas de conflitos interpessoais e da redução de problemas de comportamento, tais programas não promovem explicitamente comportamento lúdico positivo entre pares.28 Assim, as intervenções que estão amplamente disponíveis não focalizam suficientemente a expressão relevante em termos de desenvolvimento da competência social para o comportamento lúdico de crianças pré-escolares com seus pares.

Na literatura de pesquisa, pouca atenção é dedicada às intervenções da resposta cultural da competência social para crianças de baixa renda.29 Há pouco conhecimento disponível sobre a interface particular da cultura com comportamentos lúdicos de crianças com seus pares. Somando-se a esse problema, as intervenções em competência social são desenvolvidas principalmente por especialistas, que não são membros dos programas para a primeira infância ou das comunidades nas quais a intervenção é implementada. Assim, as competências sociais visadas podem não ser valorizadas nas culturas representadas pelas crianças e suas famílias.30 Desenvolver intervenções em parceria com os interessados (por exemplo, educadores infantis, famílias) é uma alternativa promissora que oferece espaço para o estabelecimento de programas de intervenção culturalmente significativos e sustentáveis.31

Em parceria com o Head Start, Fantuzzo e colegas propuseram a aplicação de intervenções lúdicas entre pares para crianças pré-escolares de baixa renda em programas de educação infantil.32 As intervenções são inseridas nas oportunidades naturais e rotineiras de brincadeiras das crianças, e utilizam pares de idade em vez de adultos como facilitadores da aquisição de habilidades sociais pelas crianças. A intervenção Play Buddy (Parceiro especial de brincadeira) envolve o pareamento de pré-escolares socialmente isolados (Play partners - Parceiro de Brincadeira) com pré-escolares socialmente adaptados (Parceiros especiais de brincadeira) durante oportunidades rotineiras de brincadeira livre na sala de aula, e a identificação de um voluntário da família (Play supporter - Suporte da brincadeira) para dar apoio às estratégias pró-ativas do parceiro especial para envolver o parceiro de brincadeira. Em conjunto, a parceria com a equipe do Head Start e com as famílias no desenvolvimento do programa, a confiança nos contextos naturais para a definição e a provocação de comportamentos lúdicos positivos, e a incorporação de auxiliares naturais na implementação da intervenção enriquecem a relevância desta intervenção para crianças de ambientes culturalmente e socioeconomicamente diversificados.

Questões-chave de pesquisa

O principal desafio para os pesquisadores da primeira infância é reconhecer a interface entre valores culturais diversos e competências sociais. Até o momento, crianças caucasianas de classe média são o foco mais frequente das pesquisas sobre intervenções, e quase sempre representam os padrões para a avaliação de comportamentos sociais adequados.33 Consequentemente, as práticas de avaliação e intervenção não podem ser tomadas como significativas e eficazes para crianças de ambientes culturais e socioeconômicos diversos. De preferência, essas práticas devem ser examinadas empiricamente com populações específicas, explorando formas culturalmente sensíveis de desenvolver e oferecer serviços. Embora a intervenção Play Buddy tenha surgido como uma intervenção eficaz para promover comportamento lúdico entre pares que seja relevante em termos de desenvolvimento para crianças de baixa renda, o alcance de avaliação desse programa foi sobre o comportamento lúdico entre pares em sala de aula. Pesquisas futuras deveriam expandir o foco para examinar os efeitos da aquisição de comportamento lúdico pró-social entre pares sobre as relações das crianças e seu comportamento em família e em contextos comunitários.34 Além disso, são necessárias avaliações longitudinais para documentar os benefícios da intervenção no longo prazo.

Resultados de pesquisas recentes

As abordagens tradicionais para a promoção da competência social não focalizaram suficientemente o constructo singular, relevante em termos de desenvolvimento, da brincadeira entre pares em crianças pré-escolares. Além disso, os valores culturais particulares inerentes a populações de baixa renda e de minorias étnicas de crianças pré-escolares foram negligenciados no desenvolvimento e avaliação de programas de intervenção em competências sociais. No entanto, utilizando uma abordagem inovadora ao desenvolvimento de intervenções em competências sociais em parceira com educadores infantis e com famílias, o Play Buddy emerge como uma intervenção promissora para crianças pré-escolares de baixa renda. Ensaios aleatórios de campo demonstraram a eficácia dessa intervenção, mostrando que os progressos nas interações lúdicas positivas das crianças com seus pares generalizaram-se para suas experiências no ambiente natural de sala de aula.34,35 Esses resultados sublinham a importância da inserção das intervenções nos contextos naturais das crianças, utilizando crianças e adultos conhecidos na implementação do programa de intervenção e trabalhando em parceria para garantir que o foco da intervenção seja relevante culturalmente e em termos de desenvolvimento.

Conclusões

Os anos pré-escolares são cruciais para o desenvolvimento de competências sociais que irão garantir o sucesso na escola e na vida. Nesse período de desenvolvimento, a brincadeira entre pares é um contexto natural e dinâmico para favorecer a aquisição, pela criança, de competências sociais importantes. Intervenções em competência social que sejam inseridas no contexto significativo da brincadeira emergem como a forma mais efetiva de melhorar as interações lúdicas entre pares em crianças que têm dificuldades em termos de competências sociais. Além disso, o desenvolvimento e a implementação de intervenções em parceria com educadores infantis e com as famílias das crianças aumentam sua relevância para crianças que representam culturas e ambientes socioeconômicos diferentes.

Implicações

  • Educadores infantis e famílias devem ser envolvidos no desenvolvimento, seleção e implementação de intervenções em competência social.
  • A pesquisa deve examinar a interface singular da cultura e do comportamento lúdico das crianças, subsidiando o desenvolvimento de práticas culturalmente adequadas.
  • O conhecimento sobre a importância da brincadeira para crianças pequenas e dos contextos que provocam e favorecem a brincadeira entre pares deve ser integrado com as práticas educacionais em programas para a primeira infância dirigidos a crianças de baixa renda, como o Head Start.

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Para citar este artigo:

Manz PH, McWayne CM. Intervenções precoces para melhorar competências sociais entre pares de crianças de baixa renda. Em: Tremblay RE, Boivin M, Peters RDeV, eds. Boivin M, ed. tema. Enciclopédia sobre o Desenvolvimento na Primeira Infância [on-line]. https://www.enciclopedia-crianca.com/relacoes-entre-pares/segundo-especialistas/intervencoes-precoces-para-melhorar-competencias-sociais. Publicado: Novembro 2004 (Inglês). Consultado em 4 de outubro de 2024.

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