Serviços e programas comprovadamente eficazes no manejo de distúrbios do sono em bebês e crianças. Comentários sobre Wiggs, Owens, France e Blampied


Saint Joseph’s University, The Children’s Hospital of Philadelphia, EUA
(Inglês). Tradução: julho de 2012

Versão em PDF

Introdução

Distúrbios de sono em pacientes pediátricos são um dos problemas mais comuns enfrentados por crianças pequenas e por suas famílias.1 Esses problemas de sono são vividos por cerca de 20% a 25% das crianças entre um e cinco anos de idade e são uma das queixas mais frequentes apresentadas aos pediatras.2  Tais tipos de distúrbio tendem também a ser persistentes, especialmente entre o período inicial e a fase intermediária da infância.3 Além disso, um aspecto importante dos distúrbios de sono em pacientes pediátricos é seu impacto sobre o desenvolvimento social e emocional, bem como sobre o bem-estar da família. Wiggs, Owens e France e Blampied são quatro pesquisadores líderes na área de distúrbios do sono na infância. Suas pesquisas e seus interesses neste campo têm sido instrumentais para os conhecimentos de que dispomos hoje.4 Esses autores ofereceram um excelente panorama do campo até o presente momento, bem como direções do futuro das pesquisas.

Pesquisas e conclusões

Wiggs apresenta um contexto para a compreensão de distúrbios de sono em pacientes pediátricos, assinalando que o sono é uma atividade central da criança nos primeiros anos de vida. A seguir, ela apresenta uma revisão dos serviços e programas relativos ao sono em crianças pequenas, abrangendo principalmente os distúrbios relacionados à hora de dormir e o despertar noturno. Ela conclui sua revisão da área apontando a eficácia de intervenções comportamentais nesta importante área clínica. Esses problemas de base comportamental são altamente passíveis de intervenção. A necessidade de medidas mais objetivas do sono da criança, que são preferíveis a relatos dos pais, é identificada como importante, assim como a necessidade de mais pesquisas sobre questões de implementação de tratamentos.

Owen continua sua discussão sobre o manejo de distúrbios de sono em pacientes pediátricos descrevendo competentemente o impacto teórico dos distúrbios de sono sobre o funcionamento no período diurno. A autora salienta a relação entre sono e humor, desempenho e comportamento. Perturbações do humor são a consequência mais frequentemente identificada do sono inadequado, não apenas a ocorrência de mau humor depois de uma noite mal dormida, mas também a incapacidade de regular o humor, que pode ter implicações de longo prazo para a saúde emocional. As manifestações comportamentais incluem desatenção e controle deficiente de impulsos. Owen nota que os problemas de sono na infância têm um impacto negativo significativo sobre as famílias, especialmente para as que têm filhos com doenças crônicas ou atrasos de neurodesenvolvimento. Nunca é demais enfatizar que os distúrbios do sono não afetam apenas a criança, mas toda a família. A revisão da autora identifica um sólido corpo de literatura que dá sustentação empiricamente baseada a tratamentos não farmacológicos de distúrbios do sono em bebês e crianças pequenas. Há, portanto, parâmetros baseados em evidências para as práticas de profissionais desta área. Por fim, ela indica uma série de variáveis que precisam ser levadas em consideração no planejamento e na implementação de intervenções, entre as quais fatores da criança (por exemplo, temperamento), dos pais (por exemplo, estilo disciplinar, nível educacional) e do ambiente (por exemplo, ambiente físico, composição da família).

France e Blampied ampliam a discussão de distúrbios de sono em pacientes pediátricos para além daqueles que têm base comportamental, incluindo os que têm base fisiológica, entre os quais as parassonias (por exemplo, sonambulismo, terrores noturnos), distúrbios do ritmo circadiano (por exemplo, síndrome da fase tardia de sono) e respiração desordenada durante o sono. Esses distúrbios precisam ser considerados ao lado daqueles que têm bases mais psicológicas, tais como resistência na hora de dormir, atraso no adormecimento e despertar noturno recorrente. Como apontado pelos outros autores, alguns tratamentos para distúrbios de base comportamental estão bem-validados empiricamente, embora sejam necessárias mais pesquisas sobre o desenvolvimento da capacidade da criança de se acalmar sozinha, as armadilhas comportamentais que contribuem para a persistência desses distúrbios e o impacto do tratamento sobre o apego, o ajustamento e o bem-estar da família. O outro grupo de distúrbios identificado por France e Blampied como distúrbios biomaturacionais do sono em pacientes pediátricos (entre os quais terrores noturnos e síndrome da fase tardia de sono) têm sido menos estudados e requerem mais atenção das pesquisas. Além disso, France e Blampied apontam a necessidade de mais pesquisas e serviços direcionados a famílias que têm filhos com doenças e incapacidades crônicas, bem como estudos que investiguem os fatores culturais do sono na infância.

Implicações para o desenvolvimento e para políticas

Como foi apontado pelos autores, não há dúvida de que existe abundância de informações sobre a prevalência e o tratamento de distúrbios de sono em pacientes pediátricos, principalmente sobre os que têm base comportamental. No entanto, agora é necessário que a pesquisa dê novos passos na direção da compreensão de questões relacionadas a esses distúrbios. Embora tenham sido identificadas implicações negativas em termos  de funcionamento no período diurno e de bem-estar tanto para a criança como para a família, poucas pesquisas estudaram especificamente o impacto dos distúrbios do sono sobre o desenvolvimento social e emocional, e também sobre a saúde. Quais são as implicações no curto e no longo prazo de distúrbios persistentes do sono, e quais são os resultados que se seguem a tratamentos desses distúrbios?

Ademais, apenas recentemente o contexto cultural e familiar das práticas relacionadas ao sono passou a ser identificado como um aspecto importante dos serviços de programas para o manejo de perturbações e distúrbios do sono em pacientes pediátricos. Tanto Owens quanto Wiggs referem-se a essas questões de base cultural como partes integrantes do manejo de distúrbios do sono em crianças pequenas. A aceitação e a prática de dormir junto em culturas diversas precisam ser integradas às recomendações e decisões de manejo. Além disso, devem ser levados em consideração o papel do sono no contexto familiar mais amplo e as necessidades de sono de todos os membros da família.

Uma outra área de estudo e de políticas públicas é o papel do manejo farmacológico dos distúrbios pediátricos do sono. Até o momento, não há medicamentos aprovados nos Estados Unidos que sejam indicados especificamente para a insônia infantil. É evidente que são necessários medicamentos para tratar dessas questões em populações específicas, como aquelas que têm prejuízos neurológicos, distúrbios de desenvolvimento como o autismo e a síndrome de Rett, e crianças com problemas psiquiátricos, como o transtorno de déficit de atenção com hiperatividade, a depressão ou o distúrbio bipolar. É necessário realizar pesquisas nessa área e desenvolver opções farmacológicas e políticas relativas à sua utilização.

Por fim, é necessário realizar esforços para a educação pública de pais, educadores e profissionais de saúde. Já foram realizados esforços iniciais, tais como o foco no sono da criança e de seus cuidadores durante a National Sleep Awareness Week (Semana Nacional do Despertar para o Sono) em 2004, um esforço educacional patrocinado pela Fundação Nacional do Sono nos Estados Unidos. É interessante que os resultados de censos sobre práticas de crianças norteamericanas em relação ao sono, assim como recomendações sobre as melhores práticas relativas ao sono, não tenham sido amplamente divulgados apenas pela mídia nos Estados Unidos, mas também tenham recebido ampla cobertura internacional, que incluiu notícias na mídia de países tão diversos como Coreia do Sul, Austrália, Rússia, Canadá, Cingapura e países europeus. Os resultados do censo Sono na América sobre práticas relativas ao sono de crianças desde o nascimento até os 10 anos de idade e de seus pais indicaram claramente que os problemas de sono são muito prevalentes, e que têm impacto negativo sobre as crianças e suas famílias. A educação é a chave não apenas para o tratamente de distúrbios de sono já existentes, mas, o que é mais importante, para a prevenção de problemas de sono e o desenvolvimento de melhores práticas relativas ao sono. Esses esforços educacionais claramente vão além dos pais, e alcançam nossos sistemas educacionais e os profissionais de saúde. Wiggs concorda que “a educação atual dos profissionais a respeito do sono é precária em todo o mundo”.

Por meio do foco da educação, na prevenção e em consensos adequados de tratamento (tanto de base médica quanto comportamental), podemos ajudar a garantir que os problemas de sono das crianças sejam reconhecidos, diagnosticados e tratados adequadamente. Nossa sociedade precisa continuar a focalizar a metade da vida das crianças que é dispendida no sono tanto quanto a metade que é dispendida em vigília, e também reconhecer e compreender a conexão entre sono e funcionamento no período diurno.

Referências

  1. Mindell JA, Owens JA. A clinical guide to pediatric sleep: Diagnosis and management of sleep problems. Philadelphia, Pa: Lippincott Williams & Wilkins; 2003.
  2. Mindell JA, Moline ML, Zendell SM, Brown LW, Fry JM. Pediatricians and sleep disorders: Training and practice. Pediatrics 1994;94(2):194-200.
  3. Kataria S, Swanson MS, Trevathan GE. Persistence of sleep disturbances in preschool children. Journal of Pediatrics 1987;110(4):642-646.
  4. Owens JL, France KG, Wiggs L. Behavioural and cognitive-behavioural interventions for sleep disorders in infants and children: A review. Sleep Medicine Reviews 1999;3(4):281-302.

Para citar este artigo:

Mindell JA. Serviços e programas comprovadamente eficazes no manejo de distúrbios do sono em bebês e crianças. Comentários sobre Wiggs, Owens, France e Blampied. Em: Tremblay RE, Boivin M, Peters RDeV, eds. Petit D, ed. tema. Enciclopédia sobre o Desenvolvimento na Primeira Infância [on-line]. https://www.enciclopedia-crianca.com/sono/segundo-especialistas/servicos-e-programas-comprovadamente-eficazes-no-manejo-de-disturbios-0. Publicado: Outubro 2004 (Inglês). Consultado em 26 de abril de 2024.

Texto copiado para a área de transferência ✓