O impacto do temperamento no desenvolvimento infantil: comentários sobre Rothbart, Kagan, e Eisenberg


Colgate University, EUA
(Inglês). Tradução: julho 2011

Versão em PDF

Introdução

Os artigos sobre temperamento apresentam três profundas revisões de pesquisas atuais sobre temperamento, inclusive uma revisão na área de temperamento como um todo (Rothbart) e duas revisões de traços particulares do temperamento (Kagan sobre inibição e Eisenberg sobre esforço de controle). Essas revisões são representativas do dinamismo dessa área de pesquisa, que se encontra em pleno crescimento. Embora, ao longo da história, os pais tenham reconhecido que seus filhos apresentam padrões de comportamento distintos desde o início da vida, pesquisas recentes têm explorado com maior profundidade a natureza desses padrões comportamentais. Especificamente, ao longo das últimas décadas, os pesquisadores têm documentado as características de temperamento de crianças pequenas, a estabilidade de tais características e de que forma o temperamento das crianças tem um importante papel, por exemplo, na  competência social e na psicopatologia.

Pesquisas e Conclusões

Pesquisadores do temperamento têm debatido fervorosamente sobre a real definição de temperamento. De fato, os trabalhos sobre temperamento diferem quanto à forma de conceituá-lo. Os três autores concordam que o temperamento envolve diferenças individuais nos processos emocionais e comportamentais, que surgem precocemente no desenvolvimento e são moldadas por processos biológicos. Aparentemente, Kagan equaciona o temperamento com os processos biológicos subjacentes a diferenças comportamentais precoces em emoções positivas e negativas e de aproximação-retraimento. Rothbart acrescenta que o temperamento também é moldado pelo contexto e pelas experiências de vida, enfatizando que o temperamento por si só, desenvolve-se ao longo do tempo. A autora considera o temperamento de modo a incluir um vasto leque de características, incluindo características emocionais positivas e negativas, assim como características precoces que indicam autocontrole – atenção, esforço de controle e persistência. A maioria dos pesquisadores contemporâneos aceitam a definição mais ampla oferecida por Rothbart,1,2 e há um grande interesse nas características precoces do temperamento que retratam a auto-regulação, de acordo com a descrição de Eisenberg. Além disso, pesquisas recentes realizadas com pares de bebês gêmeos deixaram claro que as diferenças individuais das crianças originam-se de fatores genéticos e de experiências ambientais, mesmo durante a infância.3 Assim sendo, as características de temperamento das crianças são moldadas por uma combinação de fatores genéticos e ambientais no início do desenvolvimento e ao longo da infância.1

Os três artigos oferecem revisões excelentes e precisas do temperamento em termos de sua mensuração, desenvolvimento ao longo do tempo e fundamentos biológicos e ambientais. É possível acrescentar quatro aspectos adicionais a esses comentários.

Em primeiro lugar, o conjunto de características de temperamento pode ser ainda mais amplo do que a relação fornecida por Rothbart. A autora observa inúmeras características de temperamento que podem ser medidas em crianças pequenas: emoções positivas e aproximação, nível de atividade, medo, raiva/ frustração, atenção e esforço de controle. Por volta dos 3 anos de idade, as crianças aparentemente apresentam diferenças em duas outras características: 1) afabilidade – afiliação, gentileza e disposição para cuidar em oposição ao antagonismo dirigido aos outros (uma característica relatada resumidamente por Rothbart); e 2) intelecto e imaginação – curiosidade, criatividade e inteligência.1 Afabilidade e intelecto e imaginação compartilham diversos aspectos com as características incluídas na relação de Rothbart: a) características comparáveis foram observadas nas formas mais rudimentares em inúmeras espécies de animais;4 b) em muitos países, os pais utilizam todos esses aspectos para descrever as características mais importantes de seus filhos;5 c) todos esses aspectos podem ser observados em crianças mais velhas, adolescentes, e adultos;1,6 e d) todos esses aspectos são moderadamente hereditários ao final da adolescência e início da vida adulta.1,6

Em segundo lugar, há atualmente dados consistentes sobre em que medida as características iniciais das crianças manifestam continuidade. Depois dos primeiros meses de vida, há evidências convincentes da continuidade do temperamento das crianças? De acordo com uma recente e abrangente sinopse dos dados relacionados a essa questão, as características de temperamento da criança mostram apenas uma estabilidade modesta durante a infância e mostram uma estabilidade considerável por volta dos três anos de idade.7 Surpreendentemente, o temperamento não parece mais estável ao longo do ciclo inicial do ensino fundamental e da adolescência, mas permanece moderadamente estável quando comparado ao nível de estabilidade registrado nos anos pré-escolares. Resumindo, as características de temperamento de crianças em idade pré-escolar predizem significativamente sua futura personalidade, mas há também evidências consistentes de que as crianças continuam a mudar ao longo da infância e da adolescência.

Em terceiro lugar, fica claro agora que o temperamento das crianças modela seu desenvolvimento, em parte por determinar a forma com que as crianças reagem e suscitam respostas de seu ambiente.1 As crianças interpretam suas experiências ambientais de formas diferentes, dependendo de seu temperamento. Por exemplo, crianças ansiosas e irritadiças tendem a perceber eventos negativos em suas vidas de maneira mais ameaçadora do que crianças com níveis mais baixos de emoções negativas.8 O temperamento das crianças também modela respostas normalmente suscitadas por outras pessoas. Por exemplo, mães de bebês irritadiços e difíceis de lidar vivenciam menor confiança e níveis mais altos de depressão do que mães de bebês de temperamento mais fácil.9 Do mesmo modo, crianças mais negativas emocionalmente provocam respostas mais negativas por parte dos pais do que crianças menos negativas da mesma família.10 O temperamento da criança afeta igualmente as reações entre outros cuidadores, professores e colegas.1

Em quarto lugar, diferentes estratégias de práticas parentais parecem funcionar melhor para crianças com determinado tipo de temperamento. Thomas e Chess introduziram a idéia de adaptação ótima (Goodnes-of-fit) há muitos anos atrás, em alguns dos primeiros trabalhos atuais sobre temperamento. De acordo com esse modelo, o resultado do temperamento de uma criança pode variar, dependendo da adaptação do estilo das práticas parentais ao temperamento da criança.11 Embora esta noção seja intuitivamente atraente, por muitos anos os pesquisadores tiveram dificuldade para coletar dados consistentes. No entanto, trabalhos mais recentes demonstraram diversos exemplos da qualidade de adaptação que podem ser reproduzidos.12,13,14 Por exemplo, crianças agressivas e difíceis de educar parecem beneficiar-se particularmente de um estilo de práticas parentais que envolve um controle mais restritivo e menor negatividade por parte dos pais. Crianças tímidas parecem beneficiar-se do estímulo oferecido pelos pais para explorar novas situações e são mais propensas a manterem-se tímidas e inibidas quando os pais são super-protetores. Além de ambiente familiar, o ambiente escolar, o relacionamento com colegas e com a vizinhança podem ter impactos adicionais importantes na estabilidade do temperamento precoce da criança e na qualidade de seu desenvolvimento.15

Implicações

Rothbart, Kagan, e Eisenberg observam diversas implicações cruciais das atuais pesquisas sobre temperamento. As diferenças de comportamento das crianças resultam em parte de influências que vão além da aprendizagem social. No entanto, há influências hereditárias importantes sobre o temperamento das crianças (Rothbart, Kagan, e Eisenberg). O esforço de controle precoce confere uma variedade de benefícios para crianças, e cuidadores e professores devem empenhar-se para ajudar as crianças a cultivar estes aspectos positivos (Rothbart e Eisenberg). Em comparação, as tendências iniciais das crianças quanto à extroversão em oposição à timidez, e ao medo em oposição ao destemor comportam riscos e benefícios (Rothbart e Kagan; a descrição de Kagan desses riscos e benefícios específicos da inibição é especulativa neste contexto).

É preciso destacar ainda uma última implicação. Algumas crianças representam maiores desafios aos pais, professores e outros cuidadores devido a seu temperamento. Em particular, diversas características de temperamento podem ser particularmente complexas para alguns cuidadores: irritabilidade/frustração, medo, alto nível de atividade e baixo esforço de controle. Em tais situações, os cuidadores provavelmente beneficiar-se-ão de apoio e qualificação adicional; em particular, os cuidadores podem obter ajuda para evitar respostas negativas que são naturalmente evocadas pelo temperamento das crianças. Por exemplo, os pais aprenderem de forma adequada a lidar com bebês irritáveis e difíceis para que estes possam desenvolver um apego seguro.16 Ao prover apoio e capacitação aos cuidadores, talvez seja possível ajudar as crianças a alcançar melhor qualidade de adaptação nos ambientes nos quais crescerão.

Referências

  1. Caspi A, Shiner RL. Personality development. In: Damon W, Eisenberg N, eds. Social, emotional, and personality development. New York, NY: John Wiley and Sons. In press. Handbook of child psychology. 6th ed; vol 3.
  2. Wachs TD, Bates JE. Temperament. In: Bremner G, Fogel A, eds. Blackwell handbook of infant development. Malden, Mass: Blackwell Publishers; 2001:465-501. 
  3. Emde RN, Hewitt JK, eds. Infancy to early childhood: Genetic and environmental influences on developmental change. London, England: Oxford University Press; 2001.
  4. Gosling SD, John OP. Personality dimensions in nonhuman animals: A cross-species review. Current Directions in Psychological Science 1999;8(3):69-75.
  5. Kohnstamm GA, Halverson CF Jr., Mervielde I, Havill VL, eds. Parental descriptions of child personality: Developmental antecedents of the Big Five? Mahway, NJ: Lawrence Erlbaum Publishers; 1998.
  6. Caspi A, Roberts BW, Shiner RL. Personality development: Stability and change. Annual Review of Psychology 2005;56:453-484.
  7. Roberts BW, DelVecchio WF. The rank-order consistency of personality traits from childhood to old age: A quantitative review of longitudinal studies. Psychological Bulletin 2000;126(1):3-25.
  8. Lengua LJ, Long AC. The role of emotionality and self-regulation in the appraisal-coping process: Tests of direct and moderating effects. Journal of Applied Developmental Psychology 2002;23(4):471-493.
  9. Crockenberg S, Leerkes E. Infant negative emotionality, caregiving, and family relationships. In: Crouter AC, Booth A, eds. Children's influence on family dynamics: The neglected side of family relationships. Mahwah, NJ: Lawrence Erlbaum Associates; 2003:57-78.
  10. Jenkins JM, Rasbash J, O’Connor TG. The role of the shared family context in differential parenting. Developmental Psychology 2003;39(1):99-113.
  11. Thomas A, Chess S. Temperament and development. Oxford, England: Brunner/Mazel; 1977.
  12. Bates JE, McFadyen-Ketchum S. Temperament and parent-child relations as interacting factors in children’s behavioural adjustment. In: Molfese VJ, Molfese DL, eds. Temperament and personality development across the life span. Mahwah, NJ: Lawrence Erlbaum Associates; 2000:141-176. 
  13. Gallagher KC. Does child temperament moderate the influence of parenting on adjustment? Developmental Review 2002;22(4):623-643.
  14. Putnam SP, Sanson AV, Rothbart MK. Child temperament and parenting. In: Bornstein MH, ed. Children and parenting. Mahwah, NJ: Lawrence Erlbaum Associates; 2002:255-277. Handbook of parenting. 2nd ed; vol 1.
  15. Shiner RL. Temperament and personality in childhood. In: Mroczek DK, Little TD, eds. Handbook of personality development. Mahwah, NJ: Lauwrence Erlbaum Associates; In press. 
  16. van den Boom DC. The influence of temperament and mothering on attachment and exploration: An experimental manipulation of sensitive responsiveness among lower-class mothers with irritable infants. Child Development 1994;65(5):1457-1477.

Para citar este artigo:

Shiner RL. O impacto do temperamento no desenvolvimento infantil: comentários sobre Rothbart, Kagan, e Eisenberg. Em: Tremblay RE, Boivin M, Peters RDeV, eds. Rothbart MK, ed. tema. Enciclopédia sobre o Desenvolvimento na Primeira Infância [on-line]. https://www.enciclopedia-crianca.com/temperamento/segundo-especialistas/o-impacto-do-temperamento-no-desenvolvimento-infantil-comentarios. Publicado: Setembro 2005 (Inglês). Consultado em 29 de março de 2024.

Texto copiado para a área de transferência ✓